Segredos da Noite

Quando as lembranças tomam conta a culpa afronta

                                                                          ~ Castiel ~

Acordei com um doloroso torcicolo no pescoço, olho para onde passei a noite e entendo o porquê desta dor, dormir naquela poltrona não foi boa idéia, mas fazer o que se naquele momento da madrugada à cama parecia estar afastada por longos metros? Vejo que em meus braços repousa minha guitarra, minha bela Fender Stratocaster* de cor preta, e a observando agora lembranças invadem minha mente, memórias do dia em que cheguei ao apartamento com esta belezinha em meus braços, Scott teve um surto e ficou histérico, disse que eu era um desmiolado por gastar tanto dinheiro com uma guitarra. O que eu fiz na hora? Fiquei ofendido oras.

Admito, fui sim inconseqüente ao gastar todas as minhas economias — e até boa parte do dinheiro mensal que meu pai mandava para cobrir as despeças da faculdade — Eu sabia que tinha bancado novamente o irresponsável ao comprá-la, mas o que Scott queria que eu fizesse? Quando passei por aquela loja de música esta Fender pareceu me chamar, seduziu-me de uma forma que nenhuma mulher seria capaz de fazer, naquele momento não pensei em outra coisa, peguei meu cartão de crédito e o zerei no mesmo instante.

Ela era cara, mas valia à pena. Aquela guitarra era uma raridade, um item de colecionador, um artigo de luxo. Claro que tinha em mente o que Scott faria no momento em que pusesse os olhos naquele instrumento, porem nem sua fúria impediu-me de possuí-la.

Foi à melhor loucura que já fiz, a única que valeu a pena para ser sincero.

Levanto-me da poltrona e busco no interior de minhas memórias a razão para ter dormindo com a guitarra em meus braços.

Ah... Lembrei-me... Depois da briga com Scott precisava de um conforto, e como não tinha o número de minha mais nova amiga para ligar e pedir consolo recorri, em desespero, as melodias que poderia tirar daquelas cordas.

Lembranças da noite passada invadem minha mente, não me refiro ao show ou a loira que havia conhecido, não, infelizmente não eram essas memórias que fervilhavam em meu cérebro. Todavia eu buscava-as, porem estas logo perdiam lugar para as cenas que continham os brados de meu irmão, não dependia de mim controlar meus pensamentos, parecia até que esta é uma algema que aprisionar-me-ia durante todo o percurso que fizesse por esta terra, a algema da culpa era pesada, mas a esta etapa da vida estava mais para grilhões de ferro — pois estes alem de prenderem meus pulsos sucumbiam meu pescoço que pelo peso do ferro era envergado para frente.

Ajeito-me na poltrona, fico deitado e começo a dedilhar sem pressa meu instrumento negro e já polido, eu não tinha a intenção de retirar daquelas cordas uma música, somente quis ocupar meus ouvidos com simples melodias, tinha esperança de que se me distraísse com a música não haveria brechas para que estas lembranças atormentassem-me, porem esta idéia passou longe de funcionar.

Acho que ter a consciência pesada é o preço que terei de pagar por minhas atitudes imaturas, sempre fora assim. Fecho os olhos e permito que o martírio comece...

                                                                             ✽

— Você tem noção da vergonha que me fez passar?! — Scott indaga furioso entrando no apartamento atrás de mim e fechando a porta, ouso um estrondo, e por este barulho chego à conclusão de que ele estava mais irritado do que o normal.

— Eu já me atrasei outras vezes e você nunca falou nada — respondo.

Sigo caminhando até a cozinha e pego um copo do escorredor o enchendo de água até a boca, aquele copo era como Scott, ambos estavam quase transbordando, e eu sabia melhor do que ninguém que copo cheio quando transborda vira tsunami, arrasta tudo que vê pela frente. Era obvio que eu não era o causador de toda esta raiva, desde manhã ele já estava mal humorado — acho que tem haver com seu trabalho na empresa, ele tem trabalhado muito em um projeto então presumo que este o tem estressado de modo desenfreado — Provavelmente meu atraso foi à gota d'água, a última que seu copo suportava naquele dia exaustivo, eu tinha conhecimento de como estava sendo desgastante a vida profissional de meu irmão — ele mal tem saído do escritório ultimamente, até suas refeições faz lá dentro, sem contar que a luz deste cômodo é sempre desligada nas altas horas da madrugada — Eu queria pesar o mínimo possível para Scott, não queria lhe render rugas antes do tempo devido nem fios brancos em seu cabelo castanho escuro, mas aparentemente não tenho conseguido atingir esta meta.