Capítulo III - Festa (Parte I)

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HENRI! — Gritou a mulher, tentando desesperadamente me abraçar.

A luz intensa que vinha dos faróis arredondados se aproximava cada vez mais. Senti o impacto dos automóveis se chocando. O corpo magricela de minha mãe parecia voar, pude olhar em seus olhos, e foi a última coisa que vi antes de tudo virar escuridão.

Acordei em um sobressalto. Meu corpo estava encharcado de suor, minhas mãos e pernas tremiam. Eu tive o mesmo pesadelo de outras semanas atrás, essas lembranças pareciam me caçar como um gato persegue um rato. Joguei-me novamente nas almofadas coloridas que compunham o chão. Olhei em volta do lugar em que estava deitado e vi os vários desenhos que tinha feito colados sob a superfície suada das fronhas. Joguei os braços para trás da cabeça e observei o porão, tinha dormido ali por conta dos momentos que estava registrando no papel.

O espaço em que eu estava era pintado de um azul leve com rabiscos medianos de amarelo, que representavam pequenas estrelas. Nas paredes o punhado de desenhos que fizera em papéis ornamentava o lugar. O chão era coberto de rascunhos quase insiveis de grama por todos os lados, nas pequenas janelas vários desenhos de pássaros em tons pastéis embelezam ainda mais o ambiente.

Assim que vi um pequeno fragmento de luz se propagar e vir até meu rosto, lembrei-me que a escola me esperava. Corri em direção à escada tropeçando, subi os degraus freneticamente até chegar à pequena abertura acima a cima da minha cabeça. Empurrei a passagem com veemência, assim que passei por ela corri por meu quarto na direção do despertador. Olhei no aparelho que marcava 6:59. Suspirei aliviado, pela primeira vez em anos não estava atrasado.

***

Vovó estava mais contente do que nunca, vez ou outra rodopiava pela cozinha cantarolando. Andei de fininho até a mesa do café que estava apinhada de comida e me sentei. Assim que Elise me viu, abriu uma expressão que fazia mistura de felicidade e espanto.

— Henri! — exclamou — De pé à essa hora? Meu Deus, o que é isso? Estou sendo presenteada com bênçãos maravilhosas?!

— Não exagere... — Respondi sorrindo.

Ela estava radiante, suas bochechas roliças e rosadas davam um aspecto juvenil a sua fisionomia. Com certeza o dia dela seria agradável, esperava que o meu também.

Levantei da mesa satisfeito. Dei um beijo na testa de Elise e me dirigi à porta. Assim que cruzei a passagem vi o céu resplandecer e fundir-se vagarosamente com as nuvens como um beijo lento e apaixonado, o que me alegrou ainda mais.

Peguei minha bicicleta e fui pedalando tranquilamente em direção ao meu novo dia.

***

Subi as escadas que davam acesso à porta principal e fui andando sem rumo. Olhei a hora no relógio em meu pulso que marcava 7:20. Assim que estava prestes a cruzar a enorme entrada cheia de gravuras de pessoas mal feitas e com recados deprimentes – Na tentativa de incentivar os alunos -, do tipo "Leia, é bom", "Ler é um ato de rebeldia", fui parado por uma mão que, com certa brutalidade, esfregava um papel e em meu peito. O garoto desconhecido que exerceu o comportamento — ridículo —, gritou um ''viado'', em alto e bom som. Fiquei sem entender a situação até ver do que se tratava a folha amassada em minhas mãos.

Uma foto minha e de Henri imprensa tendo como fundo a bandeira gay, estava exposta e com frases em letras coloridas em baixo, que diziam:

"Casal novo se diverte em passeio romântico"

"Quando será que vão se assumir? Vocês conferem isso no próximo flagra dos nossos paparazzi Albert e Philipe."

Na mesma hora fui preenchido por uma fúria que percorria cada centímetro do meu corpo. Entrei na biblioteca pisando forte. Caminhei pelos corredores abarrotados de prateleiras repletas de livros velhos e bem organizados. Algumas pessoas me encaravam ao longo do percurso rumo ao nada, outros cochichavam e riam.

O PalácioOnde histórias criam vida. Descubra agora