Capítulo V - Confusão

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Um pequeno feche de luz ardente iluminava os lençóis da cama. O azul imaculado do céu parecia refletir na parte de dentro do quarto. Dispus-me sentando, o emaranhado de lençóis brancos me rodeava por todos os lados. Espreguicei-me, minhas costas doloridas estalaram e senti uma pequena pontada nelas. Levantei ainda sonolento, o chão gélido esfriou meus pés rapidamente. Parado com as mãos enroladas na camisa surrada, eu olhava o vazio que o corpo de Martin - que agora não estava mais presente -, deixou na minha cama.

Um pequeno aparelho repousava sobre uma das almofadas, as quais estavam entre os lençóis. Peguei-o, apertei o botão que dava acesso aos contatos, e quando olhei a tela iluminada, uma luz fraca refletiu em meus olhos, os números de Calla e Martin eram os únicos que estavam na lista. Joguei o aparelho velho de volta na cama e corri para o banheiro. Arranquei as roupas no caminho, partes do meu corpo latejaram pelos impulsos nervosos e sem sentido que nem eu entendia.

Logo que a água quente tocou minha pele, os ferimentos arderam e eu me contorci um pouco. Alguma coisa parecia doer em meu peito, como se rasgasse partes do meu coração. Terminei o banho e me dirigi ao quarto, aprontei-me e desci as escadas devagar. O relógio em formato de coruja despunha-se entre dois quadros e marcava exatamente 10h30. Vovó estava na mesa do café, ela recolhia algumas xícaras sujas e as empilhava com cuidado. Caminhei por trás do corpo rechonchudo dela e a abracei delicadamente. Retribuindo o gesto Elise se virou e beijou minha testa, logo depois fez sinalizou para que eu me sentasse. Calados, eu e vovó parecíamos estar sozinhos, pois a única coisa que falava ali era o vento farfalhando por entre as plantinhas enfileiradas na janela.

Nunca gostei muito de café, o sabor amargo daquela bebida sempre me fazia ficar enjoado. Por conta disso, na maioria das vezes, eu tomo chá de hortelã, que é meu sabor preferido.

Era sábado, dois de abril de 2016 e faltava mais ou menos uma semana e meia para meu aniversário, e sempre nesta data, eu lembrava da minha mãe e seu rosto iluminado. O sorriso largo dela, os cabelos castanhos claros, e como ela sempre tentava esconder os preparativos para a festa surpresa, que eu sempre descobria, mas fingia não saber de nada. Eu pensei que as mães sempre estivessem certas sobre tudo, mas quando ela me disse "Está tudo bem, querido", dentro do carro sem controle que ziguezagueava pela estrada, uma súbita incerteza tomou cada pedacinho de mim. Eu sabia que nada estava bem. Maria Sedah nunca soube mentir.

Uma névoa densa roubou uma vasta parte do céu límpido de horas atrás. Eu estava debruçado na pequena janela do porão, a vidraça um pouco embasada revelava um pequeno punhado de grama verde e logo acima do gramado o céu escurecia.

Caminhei entre as almofadas e me sentei, papéis e lápis de cor estavam divididos entre o chão e a lapiseira. Fitei um rascunho de traços leves que estava em um dos vários papeis espalhados pelo assoalho. Peguei-o e encarei o que tinha desenhado minutos atrás. Um garoto envolvido por lençóis brancos espalhava-se em uma cama de casal, as costas nuas revelavam uma marca de nascença. Uma pequena árvore mal desenhada e sem folhas ocupava a parte esquerda da escapula. Os cabelos louros e rebeldes caídos sob os olhos, os lábios rosados e a respiração lenta. Senti algo pulsando dentro de mim, meus músculos se contraiam e a minha boca seca procurava por algo que saciasse a falta de algo inexplicável.

Lá fora, pingos grossos de chuva se propagavam cada vez mais. Recolhi os papéis amontoados e os coloquei nos espaços vazios da parede, a qual já estava apinhada de desenhos coloridos. Levantei devagar, fitei a pequena janela, os pingos agora se transformaram em uma rajada de água incessante. Direcionei-me até meu quarto.

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