Prólogo

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Multiplurais, cada matiz formada pelo tempo, para mim, é uma reminiscência à cada adejo.

Vamos por passos curtos, leitor inquieto...

Essa história surgiu durante uma insônia.

O silenciar da noite pode acrescentar ao homem devaneios inusitados. Da cama, é possível observar algo tão inebriante que outro alguém não poderia senão bradar aos quatro ventos. É então que a escuridão é preenchida por feixes incomuns de uma espécie de vida serena; é uma calma luz que poderia fazer inveja à mais luminosa árvore de natal de um famoso shopping center ou à mais estrondosa vitrine com suas espetaculizações. A questão, tão simples e ao mesmo tempo tão polissêmica, é que, de repente, percebo que cada canto do meu quarto está sendo invadido pelo brilho da Lua, deixando grandes reflexões sobre a miragem. E não é só. Ao olhar para a janela, percebo que ela está lá, me olhando, me encarando, me fitando, me acolhendo de um modo tão sufocante que homem e natureza se confundem num simples piscar de olhos ou pulsar do coração. Sinto-a sorrindo para mim.

Aos poucos, algumas nuvens ousadas foram se aglomerando e cobrindo todos aqueles pedacinhos desencadeadores de um turbilhão de emoções. O passar dos minutos foram suficientes para que elas se encarregassem de desfazer aquele sorriso. Uma mistura de raiva e melancolia palpitou em meu peito assim como o lirismo íntimo e a sensação de necessidade de quardá-lo para sempre. Alguma coisa como "que maravilha seria se todos esses nuances de cinza perolado pudessem ser guardados em um cofre" dançou para fora de meus lábios assim como uma bailarina se apresentando para seu querido amado. Mas lá não dizia o poeta que "em cofre não se quarda coisa alguma"? Que "em cofre se perde a coisa à vista"? Não é "por isso que se declara e declama um poema: para guardá-lo"? Antônio Cícero foi épico, entendeu com destreza o que deveria ser feito.

No começo, fui automático, pensei em uma fotografia. Mas nenhuma das minhas inescrupulosas tentativas conseguiram captar o que meus olhos viam. No encosto da janela, fui capaz de esperar horas e horas, com o corpo tão cansado que chegava a endurecer, por um momento em que pudesse desvendar aquilo que agora passava a ser codificado como um mistério. Tudo naquele recanto parecia deserto. Minha alma, eu podia sentir com nitidez, desejava, no seu mais sincero desespero, poder voar e rodopiar em direção àquela tão fantástica faceta como mariposas enamoradas e loucas para encontrar seu parceiro fecundo que iria dar descendência àquela família. Mas eu sabia que nenhumas de minhas ilusões conseguiam ter coerência. Mariposas não amam, ou amam? E o que isso tanto poderia interessar?

Em consequência de algo que meu cérebro faliu ao procurar uma explicação sensata, aquilo deixava de ser a coisinha qualquer que normalmente consideravam; passava, agora, a ser uma das coisas mais belas do mundo, e mesmo que eu tentasse compreendê-la por completo, uma nova coisinha quase insignificante se mostrava e se metarmofosiava em minha mente sob uma nova luz. Pensei que aquilo poderia se aplicar às pessoas; a natureza é uma sábia professora que, assim como a maiêutica aplicada e desenvolvida por Sócrates, é capaz de nos fazer "parir" nosso próprio conhecimento. Uma frase como "o todo é mais do que as somas das partes", que me recordo ouvi-la em um filme antigo, ecoou...

Alguém pode ser um rostinho bonito; pode ser um corpo bonito; pode ser uma mente inteligente, criativa ou crítica; pode ser educado e solidário; ou sincero e honesto; ou, ainda, em tempos onde o capital manda e põem preço no que vê, pode ser rico. A questão é, assim como um quebra-cabeças montado, a forma como tudo isso se coopera e, tendo duas dimensões - uma vista, outra não -, a relação que a parte externa exerce com a interna.

Eu não sabia, ou pouco tinha consciência, de como era o "meu todo". Seria mais do que a soma das partes? Mas eu tinha plena ciência de que àquele espetáculo, que a pouco se prostava, era.

A voz da florestaOnde histórias criam vida. Descubra agora