Capítulo 01 - Pretérito (im)perfeito

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"Livre, era o que ela mais queria ser
Livre, pra ir e vir e ser o que quiser
Quando quiser e se quiser."
- Versos de "Liberdade e solidão", Tiago Iorc.

Há 35 músicas antes...

Uma vez senti um frio estranho na barriga e algumas coisas mexendo por lá, disseram-me que eram borboletas; me enamorei. Algo simples para um jovem adulto no pico de sua efervescência. Mas em nome de razões incompatíveis para tal situação, a gota que deveria cair por alegria e emoção, como elemento que foge das palavras e de uma explicação coerente, sofreu uma metamorfose para algo mais pesado e triste.

Alguém que nos visse acharia que éramos metades que se completavam.

Éramos parecidos em quase tudo. Nos gostos, no jeito sorridente e ao mesmo tempo sério, até mesmo, na aparência. Chamaríamos até de irmãos caso não fosse os poucos abraços e beijos. Sim, poucos. Um amor contido e redimido que norteava os pensamentos e levava ao um monólogo interior incessante.

A conheci na faculdade. Meio sem graça no jeito, meio sem saber o queria, talvez por ter amigos que diziam para ir e que me faziam acreditar que deveria ir, eu fui como quem não entendia sua vontade.

- Diga a eles que você me beijou... - disse como quem tinha entendido o que, até mesmo para mim, não tinha clareza.

Talvez tudo devesse a um conceito pré-formado. Sem base de me compreender ou motivos para se sustentar, mas que insistia em equilibrar em uma linha tênue que dividia ao meu estado de alma verdadeiro. Tudo muito esquisito e estranho para mim.

Eu disse a eles que ela me beijou. Porque eu realmente a beijei. Pedi "posso?"; com as bochechas instantaneamente rosadas, disse uma espécie de meio sim em um sorriso. Tão clichê que fugia da veracidade do ato. Devo ter segurado em sua cintura fina, inclinado um pouco, encostado os meus nos seus lábios. Confuso na minha atitude, aconteceu.

Seguiram dias repletos de olhares curiosos, comentários inconvenientes, risos pouco controlados e bondosos nos corredores. Risos torturantes. Sentia-se significar mais mal querer do que bem. É por isso que não falaremos de homem e mulher, história tão contada e presente, sujeitando a imaginação ao sacrifício no frio e escuro altar da realidade. Falaremos de rosas e cravos e beija-flor - dito assim, sem vírgula que separa e usando uma preposição que indica soma.

A rosa com seu estereotipo clássico de símbolo de um casal que se ama. Tem o vermelho da paixão, um aroma doce e suave, e nuances delicados que unem estes a sua forma. Se fundido em matéria, representa o romance, o lirismo que faz de "eu" e "tu" nós. Mas além de tudo, carrega em si o espírito da mulher. Rica em beleza e simpatia, fina e glamorosa. Trazendo a versão única de como todas deveriam ser. Um projeto desleal com a realidade que por volta e meia traz seus rastros de dor.

Um casal que se une sente que um e o outro são especiais, é por isso que troca todos os mil tons de sabores, por sabores que representa e inclui, tão somente, a fidelidade de se amar. É dito que a rosa se casou com o cravo, entretanto, ambos possuem anseios peculiares. É por isso, e por muito mais, que defini-los limita-os.

O cravo, na sua humilde imagem caracteristicamente opaca, exprime a masculinidade do ser flor. É um ícone que por ser rústico leva a crer que é homem, como se todo o qual fosse. Rimando com "áspero", parece até não ser uma simples coincidência longínqua, mas é. O "não obstante" dessa situação surge ao crer que cravo não precisa ser rude, indelicado ou marido da rosa.

A felicidade de cravo para com cravo vira ódio para quem assiste. O ódio se faz muitas vezes prática, poucas vezes palavra. O amor é muito verbo e pouca ação, dita por quantos em tantos lugares como se nada fosse. Os expectadores desta trama se tornam, sem perceber, juízes de um tribunal que avalia padrões e sentimentos. Por hora, joga-se tudo em uma caixa e balança até tudo estar perdido do nexo. A mistura de sentimentos não decodificados torna os indivíduos acreditados no dever de julgar, dizer e atirar pedras.

Sentiu-se num quarto vazio, sem luz ou cor. Frases soltas dançaram: "Queria ser quem eu sou... Queria fazer o que eu gosto... Queria ser adorado pela veracidade do meu ser... Queria tirar as amarras que me prendem à escuridão... Queria ser único ao saber que todos já existem e "mais um" é inútil."

O cravo não precisa enamorar-se da rosa para se sentir feliz. Não porque amar é livre de quaisquer padrão, mas por que o padrão é amar.

Sem ver, ou sem entender, desatou os primeiros nós. Trouxe tudo para o infinitivo como proposta a alcançar novos ares: não queria, quer!

Alguém que visse rosa e cravo separados não deveria achar que eram metades. Eles eram completos mesmo sozinhos e procuravam alguém que pudesse acrescentar e ser/sentir mais do que eram. Porque enamorar-se parte de um desejo de falta, mas só persistindo por compreender os infernos que ambos têm, já que as qualidades já são notoriamente aceitas por não exigir sacrifício, o qual o amor é cheio.

Todavia, em casas de falatório agudo, rosa com rosa e cravo com cravo adquire uma aura carnal longe de ser lírica. Uns e outros entendem que a união servirá para gerar frutos, flores no caso. Outros acreditarão em uma vontade totalmente sexual que independe de sentimentos. E haverá aqueles, os quais nossos personagens loucos por sentir esse fogo que arde sem se ver enquadram, que partem sem um conceito anteriormente inoculado ao espírito.

Não estavam mais juntos como um casal. Estavam juntos como amigos – quem sabe irmãos?

Outra vez senti um frio estranho na barriga e algumas coisas mexendo por lá, as quais disseram serem borboletas, em um prenúncio de paixão amiga. Algo não muito simples para um jovem adulto no pico de sua efervescência. Pois em nome de razões estranhamente compatíveis para tal situação, a gota que deveria cair por sentir-se pesado mentalmente e triste, sofreu uma metamorfose para algo que denota alegria e emoção, como elemento que foge das palavras e de uma possível explicação coerente.

Partindo de um núcleo longe de ser atingido pelas injúrias lançadas com ódio sem sentido ou razão, essas flores acreditam em uma nova filosofia...

***

Pessoal, esse é o  meu primeiro capítulo, espero que tenham gostado. Postarei o próximo ainda esta semana.

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*-*

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