Capítulo 02 - O cravo e a rosa

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"Eu prefiro ser
Essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Sobre o que é o amor
Sobre o que eu nem sei quem sou."
– Versos de "Maluco beleza", Raul Seixas.

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Não ser mais uma alma comedida. A definição acaba, mesmo não percebendo, limitando o ser. Não digo X ou Y porque existe um universo cheio de meio-termos, ou mesmo termos completos. Também não é aconselhável se arriscar ao infinitivo, como concepção eterna do que se pensa. É mais condizente, e um tanto mais suave, trazer para nós a ideia de indefinição, algo próximo a ser livre: um parêntese em aberto.

Por cortesia, digo me chamar Joaquim. Por intimidade, Quincas. Por consciência de ideias, Cravo.

A minha querida rosa é uma aventureira literária, com notório interesse pela mitologia grega. Chama-se Palas. Deixando-se chamar de Pétala.

A conheci na faculdade de Letras. Eu como futuro professor, ela como uma excepcional escritora. Com cabelos levemente cacheados e altamente platinados, com comprimento que vai até um pouco abaixo dos ombros, é comum vê-la usando uma cartola preta e roupas que remetem ao início do século XX, como ternos pretos com gravata borboleta ou mesmo vestidos. Não muito raro, a gente se perde ao tentar crer que é real e não uma personagem que saiu de um filme antigo.

- Mesmo que seja preciso voltar um século no tempo, trocar todo o esforço por não ter uma identidade misturada entre outras me parece uma proposta justa. Talvez seja a minha utopia mais aguda... - Suas respostas eram automáticas, sem rodeios e sem confusões com as palavras.

Dizia-se um ser utopista, defendendo planos tão bons cuja realização não existia.

Um belo conjunto de simpatia unido com uma aura espiritual louca por liberdade.

- Nada de rotulações, Cravo, por favor. - Insistia.

Vez e outra, eu acabava usando o codinome Pétala, como aproximação de rosa, para me referir a ela, há muito essa tinha se tornado a nossa metáfora. Mas eu também era um adorador de seu nome verdadeiro. Palas: intenso, simples e marcante; significado: a deusa da inteligência...

Seu maior hobbie não era a escrita, já que isso ela fazia tão seriamente que se enquadraria mais como um estilo de vida. Ela era uma designer não muito amadora de moda, e este é o segredo de seu estilo único.

Desde que entrei para a faculdade, estava morando em uma casa sozinho. Isso me fez cheio de manias e um sentimento irritante de solidão. Pétala veio no final do terceiro ano do curso, já tendo alguns trabalhos em andamento. Mudou-se de São Paulo não dizendo o motivo com clareza, mas se mostrando independente afetivamente de sua família. Ela também morava sozinha. Ao termos nos convencido que amizade era uma boa relação para se ter, logo após termos terminado esse nosso (pseudo)namoro, decidimos dividir a mesma casa. A verdade era que nos dávamos muito bem assim, havia um amor semelhante ao de bons irmãos. Mas a sociedade nos fez novamente um casal de fachada.

- Olha só! Vocês formam um casal lindo! - Disse a senhora de idade um tanto avançada que nos alugou a casa.

- Não, não, Senhora... - Tentava, sem sucesso, concertar o mal entendido.

- Que isso, meu filho! Vocês nasceram um para o outro! - Quase sempre era assim, então passamos a deixar que pensassem conforme queriam.

Nossa casa simplória adquiriu um ar ricamente pessoal. Composta por dois quartos, duas salinhas pequenas, dois banheiros, uma cozinha e uma varanda que pegava todas as laterais, decidimos que não precisávamos de salas. Transformamo-las em uma biblioteca/escritório e um quarto de costura/closet. O maior susto foi um dia acordar, abrir meu guarda-roupa e não encontrar nada, abrir a lata de lixo e encontrar tudo ali jogado, procurar satisfação e receber uma resposta parecida como "você não precisa comprar roupas industriais quando se tem a mim", aceitei tudo com um simples "Ok!" seguido por uma risada pouco convincente.

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