Dança da Solidão

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Meu pai sempre me dizia:

Meu filho tome cuidado,

Quando eu penso no futuro,

Não esqueço o meu passado


Eros adormeceu antes mesmo que Vinicius, os dois acomodados mais próximo à televisão, onde uma Elsa transtornada cantava a música que a tornara famosa do alto das montanhas. Era a milésima vez que assistia àquele filme, mas Vinicius parecia ser fã de musicais e estava em uma fase engraçada, onde não se satisfazia em ver um filme apenas uma vez.

Porém, havia algo além de Elsa monopolizando minha atenção naquele momento. Desde que entramos em casa, Eva estava enroscada a um canto do sofá, sem dizer nada. Com muito custo, ela deixou que Eros tratasse das suas feridas, mas nem deixou que eu fizesse uma investigação mais profunda. A princípio, tinha pensado em um acidente, pela quantidade de ferimentos; mas depois de ver de perto aquelas marcas, tive certeza de que havia sido vítima de alguma violência.

Quem teria coragem de fazer mal àquela menina com cara de anjo?

— Tarsi, já está tarde. Por que não dorme na minha cama?

— Na sua cama? — seus olhos correram para a figura adormecida de Eros e ela pediu, em tom de desespero. — Posso dormir aqui na sala? Você disse que seria um acampamento!

Segurando a vontade de rir, assenti, antes de ir buscar o colchonete no meu quarto. Se havia uma oportunidade que a pré-adolescente séria e sisuda não perdia era a de dormir no meu quarto. Mesmo na casa dos vinte, não havia tido coragem de desfazer o castelo que ele havia construído sobre ela, com direito a escorrega e um espaço para montar um teatrinho de marionetes. Aquele era o espaço em que ela e Vinicius se deixavam ser crianças novamente... o fato de preferir ficar desconfortável apenas para ficar vigiando o sono do meu melhor amigo indicavam que ela já estava mesmo entrando na puberdade.

— Eros vai partir mais um coração... — lamentei, fechando a porta do meu quarto atrás de mim.

Tinha sérios planos de arrancar a verdade de Eva e não queria que nossa conversa atrapalhasse o sono deles, na sala.

— Mais um?

Ri, pensando em todas as meninas que apareciam no trailer desoladas depois de gastarem seu tempo tentando conquistá-lo.

— Você sabe que Eros é gay, não é? — perguntei, sem me lembrar se já havia tocado no assunto com ela antes.

— Gay? Eros? — pelo riso que se seguiu, creio que não.

Não fiz qualquer comentário, mantendo meu olhar sério.

— Não pode estar falando sério, Lia!

— Não precisa sair por aí espalhando, mas... — franzi a testa, tentando forçar a memória para trás. — Achei que você soubesse! Ele não confessou isso quando brincamos de 'verdade ou consequência' em Piúma, no Carnaval?

Eva riu, escondendo o rosto por trás da roupa de dormir que havia emprestado a ela.

— Não faço ideia. Estava um pouco ocupada com Roger.

Contive minha vontade de bufar, irritada. Roger era o primo de Eros e, na minha opinião, uma das criaturas mais irritantes do planeta. Todos os anos, quando ia para o Espírito Santo, passar alguns dias na casa de seus pais, voltava com ainda mais raiva de sua personalidade fútil e dos comentários maldosos que fazia a respeito de seu primo.

Esperando o amor chegarWhere stories live. Discover now