Beija Eu

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  Beija eu,
Beija eu,
Beija eu, me beija
Deixa
O que seja ser

Então beba e receba
Meu corpo no seu corpo, 
Eu no meu corpo,
Deixa, 
Eu me deixo
Anoiteça e amanheça  eu

(Beija Eu - Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Arto Lindsay)


— Estou com fome — reclamou Eros, após apertar o último parafuso do berço.

Meu pai havia insistido em esvaziar seu escritório e montar ali o quarto do bebê.

É... Eu já havia parado de chamá-lo de alienígena, intruso, invasor e toda sorte de nomes que o mantinham apartados de mim. Minha barriga já estava ficando redonda e, bem de leve, começava a senti-lo se movendo dentro de mim. Não adiantava muito fazer resistência contra o fato.

Porém, ainda me sentia estranha com a ideia de ser mãe. Meu pai fizera questão de me garantir que, caso eu tivesse uma perda total — física ou emocionalmente — que ele tomaria a frente em meu lugar, mas isso não seria muito de consolo. Ao menos, não para mim. Esperava que o Sr. Bebê não se importasse também.

Meu pai mal havia tirado os móveis do quarto quando Eros chegou em minha casa com berço, cômoda e guarda roupas na picape de um Val extremamente envergonhado. Ainda não havíamos conversado a respeito do pedido de casamento suicida que ele havia feito, mas senti que aqueles presentes eram uma oferta de paz. Uma oferta louca e cara, mas... ao ver a forma que estavam tomando sob as mãos habilidosas dos dois, não podia deixar de me sentir grata.

— Sei que já disse antes, mas... realmente não precisavam se dar a todo esse trabalho.

— Vou ficar feliz de ver nosso bebê em um quarto feito pela gente — disse Eros, abraçando minha cintura com cuidado.

— Nosso bebê? — perguntei, confusa.

Val suspirou, um sorriso no canto de seus lábios.

— Depois daquele meu pedido louco de casamento, ele me convenceu de que eu era um idiota e que o bebê poderia ser tão meu quanto dele. Por isso, em nome da paz e da amizade, resolvemos chamá-lo de nosso. Já que você não vai mesmo dizer quem é o pai.

Sorri, bagunçando os cabelos negros do meu melhor amigo que sorria com ar realizado.

— Amizade, não é? Sei... — disse baixinho, para que apenas ele escutasse.

— Não quer vir me ajudar com esse guarda-roupas, Eros? Acho que tem alguma peça faltando...

Piscando um olho para mim, ele se afastou, indo na direção de Val. Estava sentada em uma poltrona que ganhara de Rosa, para amamentação, e com os pés em um pufe fofo, feito por Tarsila com materiais reciclados e que eu amara desde o momento que pusera meus olhos nele.

Aquela pequena seria uma excelente designer, se continuasse assim!

Do meu lugar, comecei a reparar na interação dos dois e fiquei curiosa com a estranha proximidade entre eles. Normalmente, passavam todo o tempo discutindo, como se tentando esconder o afeto que nutriam um pelo outro, mas, naquele momento, pareciam extremamente felizes, falando sobre o que o filho "deles" iria precisar e dos passeios que poderiam fazer com ele quando crescesse.

Aproveitando o cansaço que a gravidez me proporcionava, fechei os olhos, tentando me fazer invisível para não atrapalhar a conversa deles.

— Fala mais baixo... — Val disse, ao ver meus olhos fechados. — Ela dormiu.

Esperando o amor chegarWhere stories live. Discover now