Passei uma noite agitada, com sonhos desconexos onde eu era perseguida, humilhada e encarada com desprezo pelas pessoas que me cercavam. Não era a primeira vez que sonhava com algo assim, mas a primeira em que acordei chorando por conta disso.
Quando pequena, abandonada e rejeitada eram quase sobrenomes para mim. Embora tenha passado toda a vida lutando para superar essa visão de mim mesma, a verdade é que ainda me sentia como aquela criança, sentada no balanço, esperando eternamente que minha mãe voltasse.
Mas nunca antes havia me permitido chorar por isso.
O que estava acontecendo comigo?
No meio das lágrimas, me lembrei que não havia ido sozinha para a cama.
Onde Eva tinha ido parar?
Me ergui de um pulo, correndo até a sala, mas meus futuros irmãos continuavam apagados, aconchegados ao peito de um Eros que roncava suavemente.
Segurando a vontade de rir, dei uma volta pela casa, esperando que ela tivesse ido comer alguma coisa ou tomar um banho. Porém, ao voltar para a cama, percebi que não seria o caso: havia um papel dobrado em cima da minha penteadeira.
"Amiga,
Obrigada pela ajuda, ontem à noite.
Queria poder ficar, mas preciso aprender a não fugir das coisas. Vou para a casa, conversar com o Fernando de cabeça fria. Não se preocupe, a noite fez maravilhas e ele já está sóbrio e arrependido."
Pois sim!
Como as mulheres podiam se deixar enredar por esse tipo de ladainha? Ainda que estivesse com auréolas e asas, eu não iria atrás de um homem que levantasse a mão para mim!
Olhando para o relógio, vi que já passava das oito. Sorri, imaginando que a noite deveria ter sido realmente boa para que meu pai não tivesse voltado até aquela hora.
Porém, aquele seria um dia cheio e precisava deixar tudo ajeitado em casa antes de ir para o teatro. A despeito da choradeira generalizada, acordei os três dorminhocos e comecei a preparar a mesa para o café da manhã.
— Olha, Rosa! Chegamos em boa hora...
Me virei, surpresa, e me joguei nos braços do homem que mais amava naquela vida.
— Achei que fossem chegar só na hora do almoço!
— Que nada! Eu ia voltar ontem mesmo, mas Rosa acho que era melhor não cruzar a Brasil tarde da noite e acabamos assistindo mais um filme.
— Filme... sei — ergui uma sobrancelha para os dois, segurando o riso.
Rosa me bateu com o pano de prato que já segurava, pronta para me ajudar.
— Deixe de tontería, menina! E não te preocupes em fazer o almoço, deixei pronto ontem para não te dar trabalho.
Meus olhos de encheram d'água.
De novo...
— Não precisava, Rosa...
— Hoje, só te preocupes em fazer-se linda!
Assenti, antes de chamar o pessoal para comer.
Estava muito ansiosa por aquele dia, era um dos eventos mais importantes para mim.
Não é muito difícil entender o apelo das luzes de um holofote quando não se tem faculdade, nem um emprego decente. Podia nunca passar de uma garçonete de trailer, mas no momento em que subia naquele salto dourado, me sentia a mulher mais poderosa do planeta.
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Esperando o amor chegar
Dragoste"Este não é um manual de gravidez. Aliás, creio que nada em minha vida poderia ser material para um manual. Se existe algo sobre mim que diria a qualquer pessoa é: não faça o que eu faço. Esta é uma história, como tantas outras por aí. Mas é a minha...