5. Dor insuportável

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"Abra as paredes... Brinque com as suas bonecas."

Sinto meu corpo flutuar calmamente. Acho que estou no mar. Mesmo estando consciente, não consigo abrir os olhos para olhar ao redor. O que é isso?

Não sinto meus braços. Não sinto minhas pernas. Eu não sinto os batimentos do meu coração, nem o suave balançar da minha respiração. Eu morri? Chegou minha hora, finalmente? Mas eu não me lembro de como morri. Vejo uma luz tão brilhante à minha frente. Tão, tão brilhante...

Acho que estou sendo puxada para ela. Mas eu não quero! Tenho uma vida inteira ainda! Não posso morrer agora!

De repente, sinto meu corpo pesado, deitado sob um chão duro. Agora sinto tudo, como uma tsunami de sensações que me invade: os arranhões em meus braços e pernas, meus lábios ressecados, meus joelhos e pés doloridos e uma dor insuportável no meu estômago.

Me lembrei da facada agora. E do pulo da árvore. E do... Dele.

Ergo a cabeça e olho para meu estômago. O sangue parou de escorrer, pelo menos, mas meu uniforme está arruinado. Levo uma mão à barriga e a pressiono. Péssima ideia: tocar no buraco não melhora nada. Viro no chão e percebo que estou coberta com algum tipo de manta esburacada. Também tenho um casaco manchado de (espero que seja) algum tipo de suco de uva, enrolado, como um travesseiro.

Olho ao redor e vejo que ainda estou na floresta, mas coberta com essa manta velha e deitada em cima desse casaco. Eu só queria descobrir como.

Preciso ir para casa. Avisar minha tia. Não - preciso ir para um hospital. Isso mesmo.

Me sento, segurando um grito, e me ponho de joelhos no chão. Me levanto, curvada, e começo a caminhar muito devagar. Eu sinto cada impacto dos meus passos na facada, o que me faz suar ridiculamente.

Vou seguindo um caminho sem folhas que (eu acho) eu deixei quando corri para salvar a Kay.

A Kay! Será que ela está bem? Ela foi raptada! Ela foi raptada e eu fui esfaqueada! Meu Deus!

Acelero o passo, mas logo diminuo de novo, pois a dor piora cinco vezes mais. Continuo seguindo o caminho sem folhas até que vejo a fonte de esquilo do Park Brown Wind à alguns metros de distância. Nossa, parece que passou um dia desde que estivemos aqui.

Chego nos bancos e vejo minha mochila lá. Eu não lembro de tê-la largado lá... Na verdade, eu tenho certeza que estava com ela quando fui esfaqueada. Muito estranho.

Sento (desabo) no banco, e coloco de novo a mão sobre a barriga, como se tivesse esquecido da dor. Retiro a mão rapidamente, como se tivesse levado um choque, e abro minha mochila. Meu celular está lá, e eu encaro ele com a tela preta. Bonito, muito bonito, acabar a bateria bem agora. Realmente lindo.

Suspiro. O que a gente faz quando fica perdida em uma praça vazia, no meio da tarde, com a barriga furada e sem bateria no celular? Tirando o fato de que eu não sei como nem onde estão minhas novas amigas, e também não sei por onde anda esse psicopata masoquista.  Suspiro de novo.

Não está sangrando minha barriga, então eu me preocupo depois com o hospital. Eu preciso ver minha tia. Ela deve estar morta de preocupação. Me levanto, guardo o celular, ponho a mochila nas costas (tudo devagar e dolorido) e refaço o caminho até a escola.

Chegando lá (calculo uma meia hora, devido ao fato de que eu vou me arrastando), vejo minha bicicleta ainda lá, amarrada firmemente com o cadeado. A escola parece fantasma à essa hora da tarde, e a cidade também, na verdade. Só cruzei com três pessoas durante o trajeto do parque até aqui, e nos três casos, me virei de costas para a pessoa não ver o sangue em minha blusa (acho que tinha um pouco na parte de trás também, mas isso não importa mais agora). Ótimo, as pessoas daqui não roubam mas esfaqueiam.

Perfeito.

Resolvo que depois pego minha bicicleta, já que seria impossível levar ela junto. Ergo um pouco as costas, me acostumando lentamente à dor, e começo a caminhar pela estrada quente.

¨°¨

Finalmente (finalmente!) chego em casa. Mas, por maior que seja minha vontade de entrar, não o faço. O que eu vou falar quando minha tia ver eu me arrastando por aí? Eu não posso dizer que eu fui esfaqueada. Ou eu devo dizer que eu fui esfaqueada?

Não. Não quero preocupá-la. Por instinto, levanto minha blusa (por mais que doa mexer os braços) e vejo que, surpreendentemente, o buraco está costurado. Alguém foi lá, arrumou minha mochila, me cobriu, colocou um travesseiro improvisado (que eu deixei lá, azar) e ainda costurou minha barriga. Mas a pessoa não chamou uma ambulância. Instantaneamente, olho ao redor, com os olhos semi-cerrados. Sinto que tem alguém me observando. Ignoro essa sensação.

Continuando com o meu pensamento... Eu não quero preocupá-la. Agora que vi que estou costurada, não preciso me preocupar muito. Óbvio que a enorme perda de sangue e a possível infecção possam aparecer depois, mas eu invento alguma desculpa e mato aula para ir no médico. Na verdade, mentir para monha tia é horrível, e matar aula também, mas eu vou dar um jeito.

Sobre a Anabeth e a Kay, amanhã de manhã, se elas aparecerem na aula, eu não preciso me preocupar. Por outro lado, se elas não aparecerem, eu vou dar um jeito de descobrir o endereço delas e, se elas não estiverem em casa, eu vou procurar o cara que me esfaqueou. Não, isso é loucura e não vai dar certo. Eu não sei, vou esperar amanhã.

Pego a chave do bolso da minha mochila e entro em casa. A sala está completamente vazia, e a primeira coisa que faço é olhar para o relógio da sala. Ainda são 15:46. Como? Parece que se passou muitas horas.

Ouço a descarga do banheiro e também a torneira se abrindo.

- Tia!? Cheguei! - Eu grito em meu tom mais saudável, logo depois de trancar a porta.

- Oi querida! Te mandei um monte de mensagens! - Ouço a voz dela.

- Acabou a bateria do meu celular! - Falo enquanto subo as escadas correndo (na verdade, estou subindo em uma velocidade normal, mas com a dor que eu sinto, é o máximo que eu consigo fazer). - Tia, eu, anh, vou tomar banho, tá?!

- Oh, ok! Não quer comer nada? - Ouço a voz dela se aproximando, e, quando eu vejo ela no topo da escada, fecho a porta do banheiro. Minha toalha está aqui, e é o que basta. Tranco a porta e começo a me despir.

- Não, obrigada. É que a gente se rolou no chão um pouco, aí eu me sujei com terra. - Boa, Chloe.

Ela ri do outro lado da porta e, com o ouvido colado na mesma, consigo ouvir ela se afastando. Suspiro e ligo o chuveiro.

Tomo um banho morno, sempre curvada para a água não bater direto no meu corte. Bem demorado também, pois me esfrego calmamente. Depois, com a maior delicadeza possível, passo a toalha sobre a costura na minha barriga.

Me olho no largo espelho do banheiro, e vejo que está ficando feio. Está roxo ao redor, com resquícios de sangue seco, e essa costura preta saliente. Que nojo. Me enrolo na toalha, pego a mochila e meu uniforme sujo. Abro a porta do banheiro e "corro" para o meu quarto.

Entro, fecho e tranco a porta, e separo uma roupa. Pego um vestido amarelo de verão e o visto. Penteio meus cabelos molhados com os dedos enquanto olho pela janela grande do meu quarto. O céu, tão azul, está começando a apresentar algumas nuvens de chuva. Olho para o gramado e lá está ele. Quem me esfaqueou. Quem raptou minha amiga.

Em vez de me assustar, paro de pentear o cabelo e o encaro. Ele me encara de volta, com aquele sorriso eterno em seu rosto, e ficamos assim, jogando o jogo do sério. Mas ele perde, pois está sorrindo para sempre.

O amor é perigoso || Jeff the KillerOnde histórias criam vida. Descubra agora