O Prólogo do Epílogo*

3.5K 215 110
                                    

As coisas que parecem ter passado são as que nunca acabam de passar.

— José Saramago.

  ♒  

Ama-me. Ainda é tempo. Interroga-me.
E eu te direi que nosso tempo é agora.
Esplêndida de avidez, vasta ternura
Porque é mais vasto o sonho que elabora
Há tanto tempo sua própria tessitura.
Ama-me. Embora eu te pareça
Demasiado intensa. E de aspereza.
É transitória se tu me repensas.  

— Hilda Hilst.


Rhonda foi a última. Rhonda foi diferente, na verdade, eu realmente cheguei a acreditar que com ela seria pra sempre. Ok, não literalmente "para sempre", mas duradouro o suficiente. Sua pele escura, que parecia aquecer meu corpo. O sorriso sincero, nunca dado à toa. Aquele cérebro. Eu comecei a ficar preguiçoso nas pesquisas; ela fazia aquilo muito melhor e me explicava perfeitamente depois, independente da área de estudo. Os cabelos enrolados e castanhos, sempre na medida dos ombros, com cachinhos impecáveis. As pernas longas. E não vamos nem começar a falar da sua bunda. Enfim, eu conseguia imaginar nós dois juntos por algum tempo.

Eu realmente a amei, o que não fazia direito há algumas tentativas, se é que eu já fizera isso direito alguma vez.

Ela, no entanto, discordava. Não de que eu era péssimo nessa coisa, mas de que eu realmente a amava.

O que, de qualquer jeito, meio que prova o quão ruim eu realmente sou nisso.

E foi quando Rhonda apertou meus ombros e se afastou com um sorriso triste que aconteceu: eu, finalmente, cedi.

Peguei a moto, vesti a jaqueta e a bota de couro, encaixei o capacete no meu rosto e fui direto para o outro lado do campus, onde os bares famosos entre os estudantes "de humanas" ficavam. Na primeira noite, não a achei. Na segunda, não fui. Não adiantou de muito, porque na terceira eu acabei indo novamente, e não a encontrei mais uma vez. Mas, dessa vez, eu encontrei Raphael. Raphael Durant, seu amigo de graduação da época de High School, que fingiu não me ver. Ou realmente não me viu, não sei.

Nada dela. Eu podia perguntar a ele, mas algo me disse que ele não seria muito receptivo.

Quarta noite. Nada novamente.

A primeira garota que namorei depois dela foi uma vergonha. Sinto vontade de me desculpar cada vez que penso nela. A pedi em namoro porque ela me lembrava Roxanne Evans, e obviamente tentei amar tudo nela que era diferente de Roxie.

Acabou dando muito errado. As namoradas seguintes foram menos trágicas, mas acabaram dando tão certo quanto.

Estava considerando desistir pela décima vez quando lembrei de um bar que ainda não havia tentado. Comecei a rir assim que a memória me atingiu. Era tão óbvio que seria ridículo desistir antes de tentar ali.

Era como se eu estivesse me auto-sabotando; mesmo depois de todos esses anos, ainda com medo de reencontrá-la.

O lugar se chamava Horns, em homenagem a alguém com alguma história que eu não havia prestado atenção suficiente para lembrar, e reunia grande parte dos artistas de Harvard, principalmente os músicos e poetas. Rhonda tentou me levar algumas vezes, mas eu acabava a convencendo de, ao invés disso, ir para o meu apartamento. Não por pura perversão, mas sim porque ela estava sempre muito ocupada com sua pesquisa de pós-graduação para passar as noites comigo. Então, quando ela podia, eu fazia questão de aproveitar.

EPÍLOGO - A Melhor Amiga "Lésbica" DeleOnde histórias criam vida. Descubra agora