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Não há muito o que fazer em um voo de dez horas e meia de Los Angeles para Paris enquanto sua mãe está dormindo na fileira do lado em um avião quase vazio. A seleção de filmes era no mínimo repulsiva e a fila da segurança do aeroporto de Los Angeles era tão grande que nem tive tempo de comprar a última edição da revistaRunner's World.

— Senhoras e senhores — anuncia uma voz com sotaque francês —, iniciamos os procedimentos de pouso no aeroporto Charles de Gaulle e em aproximadamente trinta minutos estaremos em solo. Outra chatice.

Nosso voo para Atenas passava por Paris, mas eu podia descer e

ver a cidade luz? Não. Temos 45 minutos para pegar o voo de conexão e terei sorte se conseguir ver as nuvens parisienses pela janela.

— Madame. — Uma aeromoça tenta acordar minha mãe com delicadeza. —Estamos pousando, deve se sentar.

Minha mãe se espreguiça, dá um bocejo demorado e consegue murmurar um

"merci" sonolento.

A aeromoça me lança um olhar cético — como se eu pudesse fazer alguma coisa em relação ao fato de minha mãe dormir como uma morta —, mas continua andando para acordar outros passageiros.

Volto a escanear as nuvens, tentando encontrar um vislumbre da Torre Eiffel, doLouvre ou de outro monumento qualquer. Até mesmo uma boina seria aceitável a essa altura do campeonato.

— Você conseguiu dormir, Phoebe? — pergunta minha mãe quando volta para o assento ao lado do meu.

Eu quero dizer não, não dormi. Como alguém espera que eu durma quando

estou cruzando um oceano pela primeira vez? Ou começando em uma nova escola pela primeira vez desde o jardim de infância? Ou aterrissando em solo estrangeiro ciente de que vão se passar alguns meses — se não mais — antes que eu possa

voltar à terra dos shoppings e da batata frita? E não tente me enganar com o argumento de que existe McDonald's em todos os lugares porque eu simplesmente sei que não vai ser a mesma coisa. Não quando terei de comer as batatas sozinha, e

sem aumentar meu pedido cheio de ketchup para dividir com Nola e Cesca.

Mas já que brigar nunca me deu um par de Nike Air Pégasus novo, estou mais inclinada a ficar de cara feia do que bater boca. Ficar de cara feia leva à culpa induzida — alguns dos meus melhores mecanismos estão ligados a sessões intensas de cara feia. Apenas dou de ombros e continuo olhando para as nuvens.

Talvez eu não devesse me orgulhar de manipular minha mãe desse jeito, mas não é como se ela tivesse perguntado se eu queria ir morar do outro lado do planeta. Mereço ter um momento de comportamento questionável.

— Veja, Phoebola.

Mamãe cutuca minhas costelas e aponta para o lado oposto do avião.

Quero ignorá-la, mas há uma animação genuína em sua voz e não consigo evitar seguir a direção do dedo dela. Através da pequena janela oval do avião consigo ver uma grande cidade cortada por um rio sinuoso.

Ignorando os avisos de APERTEM OS CINTOS, subo nos joelhos da minha mãe e escorrego para o assento da outra fileira.

A aeromoça passa no momento em que eu me sento e faz uma expressão séria.

Faço uma certa cena para apertar meu cinto de segurança, pressionando-o no encaixe exatamente como mostram antes da decolagem.

Satisfeita, ela segue para a fileira seguinte.

Pressiono meu nariz na janela, os olhos seguem os contornos do Sena. Mesmo sabendo que não íamos ficar nem uma hora em Paris, eu tinha analisado um mapa na revista da Air France para o caso de milagrosamente perdermos a conexão, e de sermos obrigadas a pernoitar ali. Conhecendo minha mãe, ela provavelmente conseguiria um trem que nos levasse para Atenas. De qualquer forma, um pouco acima do rio, consigo vê-la. Embora devesse ser invisível dessa altura e a tantos quilômetros de distância, a estrutura rendada da Torre Eiffel se destaca naquele mar de grama, parques arborizados e prédios antigos. Em meus sonhos, me imagino correndo por seus 1.665 degraus do chão ao observatório no alto, conseguindo chegar à metade do caminho e me esforçando para continuar, recuperando a energia e me obrigando a chegar ao terceiro nível como Rocky, subindo e descendo os degraus do Philadelphia Museum of Art. Eu me imagino como o meu pai, vestindo o uniforme de futebol americano e saltando sobre um bando de jogadores da defesa para correr quase quarenta metros até o fim do campo nas finais do AFC.

— Vamos voltar num outro dia — sussurra minha mãe. — Prometo.

Nem cheguei a notar quando ela sentou ao meu lado. Fantasiar quase sempre me deixa abstraída. Principalmente quando as fantasias me fazem pensar no meu pai. O único momento em que não estou tão ciente do mundo ao meu redor é quando estou correndo.

Pisco ao olhar para ela, invejando seus belos olhos verdes que parecem combinar muito mais com o tom castanho dos nossos cabelos do que os meus olhos marrom-escuros. Os olhos dela estão mais brilhantes do que nunca e sei que é por causa de

Damian.

Eu me viro na direção da janela de novo e vejo que a Torre Eiffel sumiu; tudo oque vejo é o asfalto da pista crescendo rapidamente.

Maravilha, estou um pouco mais perto da idiota Serfopoula.

AI, MEUS DEUSES! deTera Lynn Childs (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora