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   — Por favor, papai — pia ela. — Eu precisava vê-los com meus próprios olhos. São
como uma espécie rara de animais no zoológico.
      A voz dela é doentia de tão doce, como aquelas sereias em Odisseia, quando usam suas belas vozes e cantam para atrair os homens em direção à morte. Não há nenhum resquício de sinceridade nela — das raízes castanhas do cabelo descolorido às unhas dos dedos dos pés pintadas de vermelho, nada. E eu não acredito que seja um simples caso de sobrancelha depilada além da conta que a faz se parecer com uma vadia com letras maiúsculas.

— Vamos conversar sobre isso depois — diz Damian. E ele não parece nada feliz. — Peço
desculpas pelo comportamento... rude da minha filha. Bárbaros é um termo usado para
descrever os não gregos. — Ele lança um olhar sério na direção da garota. — Não tem um
sentido pejorativo. E além do mais é inadequado, já que Phoebe é grega por parte de
pai e Valeria agora é grega duas vezes por causa dos dois casamentos, mas, como dizia Platão, o termo é um absurdo. Dividir o mundo entre gregos e não gregos nos diz muito pouco sobre o primeiro grupo e nada sobre o segundo.

Stella parece inabalável, como se enchesse o saco do pai diariamente. Por que eu acho que ela se supera quando o assunto é não se meter em encrenca com ele? Tenho um pressentimento de que ela vai se divertir tornando a minha vida um inferno — e provavelmente não vai se encrencar nem um pouco por isso.

— Nunca pensei nisso dessa maneira — diz minha mãe, pegando a mão de Damian —, mas isso também é verdadeiro na teoria da psicanálise moderna. Se alguém divide o próprio mundo em termos relacionados a
"objeto" e "outro", então só ficará sabendo o
que o objeto é e o que o outro não é.
Stella revira os olhos. Damian assente. Eu
aprendi — depois de muito tempo de papo
teórico sem pé nem cabeça — a ignorar o
psicoblábláblá. Tentar acompanhar sempre
termina em dor de cabeça.

— Além disso — diz Damian, lançando umúltimo olhar de censura a Stella antes de sorrir
na minha direção — você não é a única não grega a frequentar a Academia. Primeiramente somos um colégio interno e muitos, se não a maioria, dos nossos alunos são estrangeiros. Devemos lembrar que nossos ancestrais não estavam confinados a uma única área geográfica.
     

   Certo. Eu me lembro de todas aquelas histórias sobre Zeus e Apolo e os outros deuses pulando de um caso amoroso para outro. Provavelmente existem minideuses espalhados por todo o mundo. Stella dá um sorriso forçado, como se quisesse dizer "tanto faz".

— Você deve ser Phoebe — diz ela, dando
um passo para a frente e me oferecendo a mão.
— Sou Stella... sua nova irmã.
      Tá, sempre quis ter uma irmã, mas não uma assim. Na minha imaginação, visualizo uma menininha com cachos nos cabelos e covinhas que me segue por todos os lugares e imita meus movimentos a ponto de me deixar louca. Stella não é do tipo que segue ninguém. Posso dizer isso quando vejo as profundezas gélidas dos seus olhos cinzentos. Ela sabe como disfarçar o suficiente para que não vejam como realmente é. Mas eu não sou tão boba assim.

— Tá — digo, pegando a mão dela para
deixar que me alcance. Fico perplexa porque
ela não estica a mão. — Prazer em conhecê-la.
— As palavras ficam entaladas na minha
garganta, me sinto engasgar.
            Em seguida ela consegue me deixar ainda mais perplexa quando me dá um abraço. Por cima do seu ombro consigo ver minha mãe segurando a mão de Damian e me olhando com orgulho, como se já pudessem nos ver indo dormir na casa de amigas, dividindo segredos e pintando as unhas dos pés uma da outra. Eles acreditam que já somos irmãs. Só que minha mãe não ouve o que Stella sussurra no meu ouvido:
— Espero que esteja preparada para ter
pesadelos acordada, kako, porque essa escola
vai engolir e mastigar você, depois vai cuspir e
lançar os pedacinhos que sobraram num jato
de vômito direto até Hades.
Mamãe sorri na minha direção.
Eu sussurro de volta:
— Eu sobrevivi a animadoras de torcida bronzeadas e lindas, a um ex-namorado caçador de vagabundas e a cinco anos de corridas em um acampamento. Não tenho medo de nenhuma garota que acredita em mitos antigos, que tem luzes horrendas nos cabelos e um nariz digno da Barbra Streisand.
    Ao encontrar o olhar da minha mãe dou um sorriso enorme, independentemente de Stella
estar me apertando com tanta força nas costelas. Dou um pisão nos dedos dos pés dela,
nas unhas recém-feitas, e estou livre.
— Estamos prontas — digo, pegando minha
mochila no deque.
Enquanto ajeito a mochila nas costas, vejo um brilho pelo canto do olho um segundo
antes de a alça arrebentar. Ela voa e bate diretamente no nariz de Stella. É claro, foi um
acidente — não dá para prever quando a alça de uma mochila vai arrebentar —, mas eu
podia ter mirado melhor se tivesse tentando.Entretanto, é uma pena. Essa mochila é
novinha.
     O rosto de Stella ganha um tom avermelhado enquanto ela coloca a mão sobre o nariz machucado. Ela resmunga e levanta a outra mão como se pretendesse apontar na minha direção — muito indelicado, a propósito.
— Stella — alerta Damian, apontando a
alça arrebentada com o dedo. O tecido rasgado
brilha por um instante antes de se remendar
sozinho como mágica.
Tiro a minha mochila do chão e verifico a
alça. Está perfeita, como se nunca tivesse
arrebentado.
     Stella recolhe a mão e a sacode ao lado do corpo antes de se virar e sair do barco bufando toda arrogante. Meu olhar vai da expressão furiosa de Damian à retirada apressada de
Stella.
        Espera um pouquinho... ela fez aquilo com a alça da minha mochila? Deve ter sido por isso que vi um lampejo. Foi bem feito ela ter levado um golpe no nariz.
Da próxima vez, ela vai pensar duas vezes
antes de destruir minhas coisas.

AI, MEUS DEUSES! deTera Lynn Childs (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora