IV

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O edificio Kerschl era um grandioso prédio todo coberto de ferro e vidro. A entrada principal encontrava-se iluminada por pálidas luzes fluorescentes e apesar da hora tardia e da temperatura baixa um par de guarda costas de fatos negros encontravam-se prostrados à porta como estátuas de mármore.

Ela estacionou o carro num lugar perto, mas escondido, e depois saiu, colocando a sua mala enorme ao ombro. Trancou o carro com a chave e caminhou calmamente até a entrada.

Mostrou o cartão de identificação aos dois homens, estes cumprimentando-a com um "Boa noite, Drª. Witschi" antes de se afastarem e a deixarem passar.

Ela retribuiu o cumprimento e entrou dentro do edifício, percorrendo rapidamente a distância até aos elevadores .

Tinha visto imagens, vídeos. Passara horas a pesquisar tudo o que encontrasse, decorara todas as plantas do edifício, todas as saídas de emergência, possíveis bloqueios no caso de uma fuga sob pressão.

Sabia tudo o que tinha de saber.

Chegou ao elevador sem ser notada e premiu o botão para o chamar. Até aquele momento aquela parte do plano estava a correr como era suposto.

"Doutora."

Virou-se ligeiramente para ver de onde vinha a voz e reparou no homem que se encaminhava para ela, parando ao seu lado.

Carlisle Ormston, parceiro de laboratório de Jessamine. Entre outras coisas menos profissionais.

Professor universitário, cientista brilhante durante a sua juventude, tudo o que tinha devia-se ao que alcançara nos seus anos dourados e ao dinheiro da mulher com que casara trinta anos antes.

E os anos não tinham sido nada amistosos com a sua aparência.

Infiel, narcisista, egocêntrico, mentiroso, a sua moral era definitivamente questionável.

E o facto de ele se encontrar ali era o erro fatal que poderia destruir o esquema todo.

Amaldicoou-se mentalmente por não ter pensado nessa possibilidade.

"Um bocado tarde para uma visita, não acha?", disse-lhe ele colocando-lhe uma mão sobre o ombro e acariciando-lhe o braço.

Annalise sentiu-se revoltada pelo simples toque dele. Nem a sua própria amante gostava dele, muito pelo contrário, desprezava-o completamente.

Imagens dos momentos que tinham estado juntos passaram pela sua mente. Em nenhuma dessas memórias lhe pareceu que ela alguma vez se tivesse sentido feliz com ele.

Mas apesar do mal-estar no estômago e a vontade de o esbofetear ela controlou-se e sorriu-lhe.

"Para lhe ser sincera, Doutor, tenho andado com umas insónias terríveis ultimamente.", lamentou-se ela e o homem tocou-lhe levemente no rosto.

"Minha querida, nunca hesite em falar comigo se algo a incomodar." Inclinou-se levemente para a frente até os seus lábios estarem tão perto que ela conseguia sentir o hálito no seu rosto. "Talvez pudéssemos conversar no meu escritório?"

A própria ideia deixava-a em pânico.

Ele cheirava a charutos e a água de colónia. A mistura de odores deixando-a ainda mais enjoada e tonta.

Foi salva pela certeira chegada do elevador e afastou-se rápida mas subtilmente.

"Doutor, vai-me perdoar, mas tenho de ir ao meu gabinete buscar umas coisas importantes que me esqueci esta manhã.", esquivou-se ela entrando para dentro do pequeno espaço recheado de espelhos.

Ele não entrou, para grande alívio dela.

"Daqui a meia hora?", sugeriu do lado de for a da porta.

Annalise anuiu, sorrindo levemente, mas esse sorriso em nada era honesto.

"Claro, eu irei ter consigo.", prometeu e pressionou rapidamente o botão do vigésimo terceiro andar para não prolongar mais a conversa.

Viu o seu rosto enrugado desaparecer atrás das portas quando estas se fecharam.
Encostou-se para conseguir descansar e notou o seu reflexo no espelho à sua frente. Parecia exausta. A maquilhagem a ameaçar escorrer.

Prometeu a si mesma que de epois de terminar o que tinha de fazer iria aproveitar para tomar um longo banho de imersão e passar o dia seguinte a dormir.

Eles davam-lhe o prazer desses luxos quando ela se saía bem em algum trabalho.

E ao contrário da promessa que fizera a Carlisle, esta era uma que tencionava cumprir.

OlharesOnde histórias criam vida. Descubra agora