Dentro da sua cabeça era como se uma guerra estivesse a acontecer. O zumbido continuo nos seus ouvidos, o latejo constante nas suas têmporas, as horríveis dores na sua perna magoada.
Tossiu e soltou um gemido de dor, quase sem energia, ao girar sobre si própria de forma a ficar de barriga para cima.
Finalmente abriu os olhos e olhou o teto coberto de fumo branco.
Encontrava-se deitada no chão, rodeada por caos e destruição. A sala estava infestada de fumo e o som de um alarme era audível ao seu redor.Voltou a tossir e encolheu-se convulsivamente com as dores que lhe percorreram o corpo todo.
Estava toda feita num oito, nada nela parecia funcionar corretamente.
Tentou respirar e sentou-se bruscamente com outro ataque de tosse.
A sua mente era um enorme baralho de confusão.
Lembrava-se de sair do trabalho ao final da tarde e percorrer o caminho do edifício até a sua casa com um sorriso nos lábios. Estava feliz. Sabia que era hoje, que depois de quatro anos de namoro Mikhel iria finalmente pedi-la em casamento.
Iriam jantar a um local romântico, depois uma bela ida ao cinema para ver um filme da escolha dela e finalmente ele faria o pedido ao som da música dos créditos finais.
E ela diria que sim, claro. E iriam para casa dela e passariam a noite no quarto a comemorar o noivado e no dia seguinte ela ligaria a Elliot e iria contar-lhe tudo cuidadosamente.
Elliot, o seu melhor amigo, confidente e irmão gémeo. Não havia nada que não soubessem um sobre o outro. Ele seria o primeiro a quem contaria.
Depois havia Amelia da receção, e as suas primas Stephenie and Cassandra e claro que não se podia esquecer de Rose, ela iria matá-la se ficasse a saber por outra pessoa.
Abanou a cabeça para afastar a corrente de pensamentos.
"Não.", murmurou para si. "Esta não sou eu."
Obrigou-se a recordar as coisas direito. Não era a vida dela, era a de Nora Johnson, uma das assistentes de um dos cientistas de Kerschl.
Lembrou-se de tudo de uma assentada. De como adquirira a identidade de Jessamine Witschi, de como ali chegara, de como Carlisle Ormston lhe arruinara os planos.
Bateu com os punhos no chão e protestou.
Ela chamava-se Annalise, e não cumprira a missão que lhe fora designada.
Tentou levantar-se mas a perna parecia não estar disposta a colaborar. Rangeu os dentes e apertou-a com ambas as mãos para estancar a ferida. Sentiu os dedos a ficarem molhados e escorregadios e quando olhou sentiu uma tontura e levou uma mão à testa.
Nora não gostava mesmo nada de sangue.
Despiu a camisa, ficando só com um top preto por baixo, e amarrou-a à volta da perna com força.
Mordeu o lábio para aguentar o grito e quando parou respirou fundo, o que levou a mais uma dose de tosse.
Rapidamente o tecido branco passou a escarlate e ela viu-se obrigada a desviar o olhar. Foi quando reparou que o ecrã do computador piscava a vermelho.
O fumo impedia-a de ler o que dizia mas algo definitivamente acontecera.
Arrastou-se pelo chão até chegar à beira da bancada e estendeu os braços para se apoiar na superfície.
O exercício custou-lhe, Nora não era propriamente atlética, mas eventualmente conseguiu levantar-se e, parte apoiando-se num só pé como encostando-se à mesa, viu que a mensagem no ecrã era na verdade uma mensagem de 'Erro de Sistema'.
Apalpou a lateral do ecrã e sentiu uma pequena saliência.
A sua pen drive.
Ejetou-a e olhou fascinada para o minúsculo objeto quase intacto.
O vírus tinha obviamente sido transferido. Com sorte nenhum dos ficheiros no pequeno armazenamento tinha sido danificado.
"Mas como...?", questionou-se sem entender o sucedido.
De alguma forma alguém acedera ao computador e acabara o que ela começara. De certeza, que não fora Carlisle. Este disparara sobre ela para a impedir.
Sobressaltou-se com o pensamento. Onde estaria ele?
Mancou até ao local onde o deixara, atravessando a barreira de fumo enquanto se apoiava nas paredes para se segurar, e para seu grande horror não viu ninguém.
Ele desaparecera.
Já nada restava.
Amaldiçoou-se até que o seu olhar caiu sobre o outro lado do pequeno quarto. Mesmo por entre o fumo pode ver o líquido laranja e lembrou-se da criatura adormecida no seu interior.
Apressou-se o mais que pode até lá, o que foi um erro doloroso. Tropeçou e caiu ao chão soltando um grito de dor quando a perna embateu com ela.
As lágrimas vieram-lhe aos olhos e fez um esforço para as conter.
Tinha de o conseguir acordar.
Tinham de sair dali.
Segurou-se à borda para se erguer enquanto respirava calma e pausadamente para aguentar a dor.
Mas quando finalmente conseguiu olhar direito para o interior a respiração escapou-se-lhe de uma vez só.
O tanque encontrava-se cheio do líquido laranja e de resto nada.
"Nada.", afirmou surpreendida. Ele acordara. Acordara e fugira.
Isso ou Carlisle levara-o. Annalise preferia acreditar que era a primeira hipótese.
Colocou a pen no bolso das calças e começou a encaminhar-se para a saída do laboratório.
Mas parou à porta lembrando-se de algo subitamente.
Foi até onde deixara cair a mala e abaixou-se para poder espreitar para dentro da mesma. Todos os pares ainda lá se encontravam sãos e salvos.
Colocou a mala ao ombro e finalmente decidiu que estava na hora de ir embora.
Não sabia para onde, ainda não se decidira, mas pelo menos sabia por onde começar.
Nora não era tão obcecada por sapatos como Jessamine mas ainda conseguiria um bom dinheiro por eles.
Fechou a porta atrás de si e foi encostada à parede até às escadas de emergência. Os elevadores inutilizados pela falha no sistema.
Só tinha de conseguir descer aquele último obstáculo e estaria livre.
Só mais uma barreira e poderia finalmente esquecer aquele maldito local.
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Olhares
Science FictionAlguns segredos devem-se manter escondidos. Há olhares que nunca devem ser trocados. Verdades jamais reveladas. Ela sabe! Ela procura! Ela imita! Ela destrói! Contra todas as regras alguma vez criadas.