Ela manteve-se encostada à porta enquanto ele falava. Existia uma distância de segurança entre eles que, pelo menos de momento, ele não parecia ansioso por quebrar.
Começou com uma introdução vaga, acerca dos avanços da ciência e do futuro da mesma. Ela não estava interessada nessa parte mas não o impediu de falar. Naquele momento todos os pormenores eram importantes.
Então o que entendera da conversa até aquele momento era na verdade que atrás daquela porta se encontrava o retorno de Carlisle à ribalta e que, fosse o que fosse, o tornaria o maior cientista de todos.
Enquanto falava, ele olhava fixamente para ela como se tentasse ter a certeza que a sua única espectadora estava a ouvir o que dizia. Isso fê-la segurar a maçaneta da porta nas suas costas como que à procura de conforto.
Aqueles olhos cinzentos assustavam-na, Annalise sentia o receio de Jessamine pelo homem e por isso sentia um nó estranho no estômago, um nervoso que a fazia apertar os dedos com ainda mais força."Então poder-se-à dizer que aí, nesse quarto, encontra-se uma vida extraordinária que me dará fortuna e fama pelo resto dos meus dias!", exclamou ele em conclusão à sua introdução e ela mudou o peso de um pé para o outro nervosamente.
O suspense estava a matá-la.
"Vida? Como um clone?", questionou-o e ele suspirou.
"Não tonta, não é um clone. Mas de certeza que preferes ver por ti própria, não?"
Ela hesitou enquanto ele caminhava calmamente até uma das mesas e abria uma gaveta, de onde tirou uma corrente com uma chave presa.
Conhecia aquela chave. Pertencia à doutora Witschi e abria aquela específica porta. Existiam apenas duas chaves iguais àquela. Pelos vistos ele não andava com a dele.
"Sempre insisti para que Jessamine andasse com ela. Mas honestamente nunca me ouviu. Ela despreza tudo o que esta coisinha significa.", comentou num tom casual.
Ela sabia o quanto a mulher mais velha odiava aquele quarto, aquele específico laboratório e o que residia no interior da sala atrás de si.
Afastou-se quando ele chegou à sua beira e deixou-o colocar a chave na fechadura.
"Preparada?", inquiriu-a com um sorriso. Ela olhou-o de lado sem responder. Estudou a posição em que ele se encontrava, de costas para ela um golpe perfeito e ele cairia para o lado.
Ponderou essa hipótese. Olhou em volta, redescobriu a sua mala caída no chão à beira do computador.
Mas e daí ela quase se esquecera dos dois brutamontes que se encontravam no corredor. Conseguiria fazer isso tudo sem os alertar?A porta abriu-se lentamente quando ele a empurrou e não conseguiu evitar olhar lá para dentro curiosa.
A sala estava às escuras, iluminada apenas por uma luz alaranjada que lhe dava um ar sombrio.
O doutor entrou e fez sinal para ela o seguir. Receosa, deu um passo em frente e olhou em volta. Em parte, em muito lhe recordava o seu quarto. Tudo era simples e básico, uma secretária a um canto, uma porta que provavelmente levava para a casa de banho. E no canto mais afastado dela havia um tubo de vidro. Um enorme tanque cheio de um líquido laranja. Colocado na horizontal como um caixão.
Foi caminhando assombrada enquanto tentava perceber o que era.
Alguma coisa flutuava lá dentro.
Annalise parou chocada.
"Mas... é uma pessoa!", disse virando-se horrorizada para o homem à entrada.
"Nada disso minha querida. Anda lá, aproxima-te mais. Diz-me o que vês."
A testa dela enrugou-se. Suspeitava dele, da sua falsa amabilidade e do seu estranho interesse em esclarecer-lhe a curiosidade.
"Porque está a fazer isto?", perguntou.
"Ora, porque tu própria és uma curiosidade.", o seu sorriso acrescentou que se ele pudesse já tratava de a dissecar e descobrir todos os segredos acerca de si.
Estremeceu. Não podia deixar isso acontecer.
Aproximou-se mais do canto a sala e examinou o líquido laranja. Ele tinha razão, o que flutuava lá dentro não podia ser considerado uma pessoa.
Era demasiado alto e magro para ser proporcionalmente correto. E mesmo no meio de tanto laranja ela conseguia perceber que a sua pele não tinha propriamente o tom correto.
O seu rosto era curioso, os olhos fechados pareciam excessivamente grandes que lhe ocupavam metade do rosto, e o nariz achatado fazia parecer como se nem sequer estivesse lá. A cabeça era lisa sem um único fio de cabelo visível.Parecia dormir pacificamente, com o peito a subir e descer calmamente com a sua leve respiração, e quando aproximou mais o rosto percebeu que a sua pele era em parte coberta de escamas e que guelras lhe decoravam o pescoço.
"É parte peixe?", questionou-o ela sem desviar o olhar da estranha figura.
Ele riu-se. "Muito perspicaz, menina. É verdade, os seus genes aquáticos permitem com que tenha facilidade a respirar debaixo de água."
Era prático, por momentos ela desejou também ter esses genes. Mas nesse momento Jessamine interrompeu os seus pensamentos. Mais imagens a passar-lhe pela cabeça.
A sua dor nas têmporas voltou e levou uma mão à cabeça na tentativa de a acalmar.
Não era apenas uma experiência qualquer, o que se encontrava dentro daquele tanque era na verdade uma arma para uso militar.
"Tentou criar um soldado?!", exclamou ela lançando-lhe um olhar de incredulidade.
"Ele é muito mais do que isso! Ele é um soldado quase perfeito. Capaz de sobreviver em várias condições das mais árduas.", os seus olhos representavam uma anormal luz de orgulho. "Brilhante, não é?"
Ela estava escandalizada. Levantou-se furiosa.
"Brilhante...?! É barbárico!", gritou-lhe aproximando-se apressadamente dele para o poder confrontar.
A sua expressão mudou drasticamente. "Por favor, aquilo nem sequer é humano. É criado em laboratório. É artificial!", cuspiu a palavra 'artificial' como se fosse veneno e isso foi a última gota.
Annalise encontrava-se já a meio da ação quando notou o que ia fazer.
Sentiu o embate dos nós dos seus dedos no rosto enrugado dele e rangeu os dentes com a dor. Com o impacto ele recuou um par de passos, olhando-a com os olhos arregalados.
"Ele tem um coração. Ele respira! Não é uma coisa, está vivo!", passara toda a sua vida a ser estudada, presa dentro de um quarto como uma prisioneira, mas aquilo? Aquilo era ir longe de mais.
Criado em laboratório ou não ele tinha direito a ser livre não a ser tratado como um objeto.
Foi nesse momento que no meio da sua raiva notou que Carlisle se ria.
"Deveras curioso a maneira como te importas com o que não é humano. Será apenas solidariedade, ou haverá algo que estejas a esconder? ", ele tinha voltado a si, já não parecia surpreendido apenas desapontado.
O seu sexto sentido gritava que ela estava em perigo e que tinha de fugir. Mas a consciência dela obrigava-a a libertá-lo daquela prisão.
"Gostarei imenso de te estudar, minha querida. Guardas! Imobilizem-na, eu quero-a viva."
Ela cometera um erro fatal ao irritá-lo. Esquecera-se por momentos dos homens que se encontravam à porta.
Recuou quando os dois entraram no quarto e bateu com as costas no tanque.
Naquele momento, desejou ser ela dentro do aquário. Suspirou e sentiu os seus músculos a retesarem-se com a adrenalina.
As probabilidades não pareciam estar muito a seu favor.
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Olhares
Science FictionAlguns segredos devem-se manter escondidos. Há olhares que nunca devem ser trocados. Verdades jamais reveladas. Ela sabe! Ela procura! Ela imita! Ela destrói! Contra todas as regras alguma vez criadas.