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O cartão deslizou suavemente no leitor da porta do escritório, que se abriu com um clique.

Ela parou por uns segundos à entrada, depois de ligar a luz da divisão, enquanto estudava o espaço e se tentava lembrar do que precisava e onde podia ser encontrado. Por fim entrou e fechou a porta atrás de si.

A doutora tinha um lugar de prestígio na corporação, o que era possível notar só pelo aspeto do seu espaço pessoal no edifício.

Tinha facilmente o triplo do tamanho do quarto onde Annalise vivera toda a sua vida, com as suas decorações sem graça e a falta de personalidade, e encontrava-se ricamente decorado com pinturas modernas por emoldurar fixadas nas paredes, vasos minimalistas embelezados com flores artificiais amarelas e azuis, uma secretária, um confortável sofá vermelho a um canto...

Ela olhou o sofá e sentiu uma náusea com as memórias do que a pobre peça já tivera de suportar nos seus estofos.

Atirou a mala para cima dele e tocou-lhe num tom de simpatia, como se precisasse de conforto. Depois encaminhou-se até a secretária.

Três computadores, cada um ligado a uma torre diferente, encontravam-se a dormir sobre a superfície de vidro. Puxou a cadeira almofadada e fê-la girar rapidamente para ficar de frente para o mais a sua esquerda.

Ao ligar o ecrã, um pequeno teclado holográfico formou-se sobre o tampo da mesa e o computador ganhou vida automaticamente.

Ela clicou num dos dois botões que adornavam o seu relógio dourado e este abriu-se como uma janela, mostrando um pequeno compartimento secreto no seu interior onde uma pen drive do tamanho da unha do dedo mindinho da mão descansava.

Tirou a pen cuidadosamente e colocou-a na entrada USB do primeiro computador.

Automaticamente um monte de ficheiros foram abertos em simultâneo e uma barra saltou diretamente para o centro do ecrã indicando a percentagem a que ia.

Annalise era suposto copiar todos os ficheiros pessoais de Jessamine Witschi e os do seu laboratório, e instalar um vírus que apagaria completamente tudo e deixaria o sistema inevitavelmente offline. Anos de pesquisa perdidos, avanços na ciência aniquilados, o trabalho era simples e limpo.

Ela olhou para o monitor, a primeira parte acabara já de transferir. Tirou a pen colocou-a no segundo monitor, repetiu o processo uma e outra vez até ter tudo.

Mal removeu o dispositivo do último computador, os ecrãs ficaram automaticamente raiados de vermelho e as palavras 'ERRO FATAL' ocuparam toda a largura dos monitores.

Ela sorriu e levantou-se, apressando-se a pegar no seu quase saco de viagem e sair porta fora.

Olhou para o seu relógio, dentro de dez minutos acabava o seu tempo limite para ir até ao gabinete de Carlisle. Eventualmente ele perceberia que esse não era o plano dela e iria começar à sua procura. Se não conseguisse escapar até lá o seu trabalho iria ficar ainda mais complicado.

O laboratório ficava ao fim do corredor, numa porta automática com um sinal de 'Entrada Restrita', onde ela entrou da mesma maneira de antes.

Desta vez não fechou a porta, apenas a encostou ao passar cuidadosamente.


O vírus precisaria de duas fontes em duas localizações distintas para afetar completamente o sistema de todos o edifício, mas a partir do momento em que era injetado na primeira a sua reprodução tornava-se logo ativa. Até estar tudo completo nada de grave poderia acontecer mas breves quebras de eletricidade podiam ser um desses efeitos. Se isso acontecesse a porta seria automaticamente selada até a energia retornar.
Não tendo fechado a porta ela esperava ser uma maneira de evitar ficar trancada no caso de falhas.

Ao contrário do gabinete de Jessamine, o laboratório era um local estéril e frio. As paredes estavam desprovidas de cores e a luz fluorescente branca fazia todo o espaço parecer uma enorme morgue sem corpos. Mesas de metal encontravam-se encostadas às paredes e uma pirâmide de ecrãs decoravam um canto ao lado de uma porta.

Imagens passaram-lhe pela cabeça. Confusas, frias, verdes e escorregadias. Uma dor de cabeça tomou conta dela. A crueldade da pessoa de quem adotara a forma a ser direcionada para fosse o que fosse que se encontrava do outro lado da porta.

Annalise caminhou a passos largos até à entrada e encostou o ouvido à superfície.

Não conseguiu distinguir nenhum som do outro lado.

Agarrou a maçaneta da porta com ambas as mãos e tentou forçá-la mas tudo o que conseguiu foi fazer com que estas começassem a doer.

Lembrou-se de uma chave. Precisava dela. Onde estava? Gaveta. Mas qual?

Algo na mente de Jessamine não queria que ela a encontrasse. As suas têmporas começaram a latejar mas ela abanou a cabeça e tentou superar essa dor.

Cedendo finalmente à vontade da sua mente e ignorando a sua curiosidade, ela virou a sua atenção para o trabalho em mãos.

Ligou o computador e o teclado apareceu à sua frente. Mas uma password era necessária desta vez.

Fechou os olhos e pensou, rapidamente se recordou duma sequência de números e letras e teclou-o o mais depressa que pôde.

'PASSWORD ERRADA!'

As palavras piscaram no ecrã à sua frente. Mas não podia ser, tinha utilizado a password exata que Jessamine colocara...

Tentou outra vez.

'PASSWORD ERRADA!'

Bateu com os punhos na superfície.


"Merda!", exclamou frustrada e nesse momento ouviu a porta fechar-se atrás de si. Olhou sobressaltada para o local de onde viera o som e pela segunda vez naquela noite algo no seu plano falhara. "Oh, merda!", repetiu desta vez surpreendida.

"Minha querida, realmente acreditava que me conseguia enganar com esse disfarce?", inquiriu ele com uma voz trocista. "Não seja tonta, a verdadeira Jessamine já não existe."

OlharesOnde histórias criam vida. Descubra agora