O Jogador

Capítulo 3 - Almaz, a Cidade de Ouros

- Ai, ai... - disse James, já desanimado pela tempestade que ele via pela janela. Ele esperava que a tempestade não aumentasse, mas ela simplesmente dobrou de intensidade nos últimos quinze minutos, tornando impossível sua saída do hotel.

James não perdeu tempo: pegou logo o primeiro sofá vago que encontrou no hall do hotel e se deitou, se preparando para tirar uma soneca. Mas quem disse que ele conseguiria uma coisa dessas com Desmond por perto? Foi o que ele se perguntou quando ouviu Desmond perguntar:

- James, posso te perguntar uma coisa?

- Essa já foi a pergunta, né? - Disse James, já sabendo que não adiantaria indiretas com Desmond. Ele nunca as entendeu.

- James, como você sabia que Patrick parou de puxar cartas em nossa luta? Eu não tive tempo de contar nada pra você até que ele apareceu na janela do quarto...

- Desmond: a única maneira de você ter vencido Patrick seria se ele parasse mesmo de puxar cartas. Não sei porque razão ele fez isso, mas era o único jeito, afinal, da mesma maneira que eu, ele é um Valete da Casta de Copas.

Desmond assentiu, conformado com a análise de James e de como ele pode ver tão a frente apenas pela pequena conversa que eles tinham tido. Na verdade, o dom de James era algo que ele guardava a sete chaves (ser um onironauta já havia lhe dado muitas vantagens, mas também muita dor de cabeça). Ele sempre tivera sonhos que na verdade eram cenas reais, mas só tomara consciência disso depois dos sete anos de idade, quando passou a precisar mesmo deles para poder ter uma vantagem e sobreviver a confrontos de outros que queriam lhe matar. Seus sonhos lhe salvaram diversas vezes, mas também já haviam se mostrado muito traiçoeiros, lhe pregando peças que ele jamais esquecera.

Desmond se acomodou no sofá em frente a James e começo a reler o Manual Oficial dos Jogadores. James insistia que ele lesse sempre que possível, para assim absorver todo o conteúdo das regras do Jogo em todos os seus aspectos, fazendo assim com que tivesse toda a desenvoltura possível nas disputas, evitando assim sua morte por desconhecimento de regras. Não a toa James era o Valete da Casta de Ouros, já que ele era um dos melhores nisso.

- Já fechou a conta do hotel, Desmond?

Desmond levantou os olhos de sua leitura e respondeu: - Sim, mas eles cobraram uma taxa extra pela limpeza do carpete... - E lá vinha outro tapa na nuca. - Ei, porque você me bateu?

- Eu sabia que você só ia me criar problemas saindo sozinho para buscar algo para roubar. E ainda mais, você roubou o artefato que eu estava procurando, e eu não entendi patavinas do porque você fez isso.

- Eu queria te impressionar e ajudar ao mesmo tempo, só isso. Se eu trouxesse o item que você estava procurando e desse a você, eu pensei que você ia ficar feliz... - Outro tapa na nuca. Desmond não parava de pensar que James estava quebrando as próprias regras, utilizando cartas a torto e a direito apenas para lhe bater, mas ele achou melhor não questioná-lo. Ele sabia que tomaria uma surra muito grande de James, assim como nos treinamentos de combate corpo a corpo.

- Da próxima vez que eu precisar de um psiquiatra que me diga como eu devo me sentir sobre alguma coisa, eu te chamo. - James disse com ar aborrecido, mas no fundo se sentindo orgulhoso de que Desmond tenha conseguido se virar sozinho e não morrer nas mãos de outro jogador. James sabia que iria ter outro companheiro morto em suas mãos se não fosse a sorte de Desmond. Ele poderia ser desastrado em quase tudo, mas sua sorte era algo descomunal. "Uma habilidade muito importante para um Jogador, e que eu nunca tive..." disse James para si mesmo, As chances de Patrick fazer o que fez durante a sua batalha com Desmond eram mínimas, mas ainda sim aconteceu, e Desmond conseguiu se ver livre dos seus problemas depois de chegar no hotel e encontrar James ainda na cama. Geralmente naquele horário James já estaria de pé mas, por alguma razão, ele não acordou. "Na verdade, eu sei por qual razão eu não acordei..." Pensou James, rindo da situação. Ele estivera sonhando com a batalha de Desmond e Patrick, e sempre que ele tinha esses sonhos, ele tentava se manter o máximo possível neles, para que assim ele pudesse ter a maior quantidade de informações possível. Ele aprendeu isso com o tempo, e essa atitude sempre foi de grande ajuda. E também fez com que ele dormisse mais. Se ele tivesse se levantado no horário de sempre e fosse tomar café da manhã, Desmond não o encontraria no quarto, mas Patrick sim, e ele acabaria com Desmond em um minuto, sem dó nem piedade, pois nunca saberia que Desmond era um Jogador Oficial em treinamento. Se essa situação acontecesse, haveria um conflito entre as Castas,  e James seria chamado a defender a Casta de Ouros, haveriam confrontos por vingança entre outros Jogadores, e etc... James se cansava só de pensar no que a sorte de Desmond evitou. Se não fosse por ela, Desmond jamais estaria capacitado para ser um Jogador. "Sorte a dele..."

James estava pensando de olhos fechados sobre o assunto mas, quando os abriu, viu Desmond, que até agora pouco era só curiosidade, dormindo sentado no sofá, babando por cima do livro de Regras. "Ah, ele está cansado porque passou a madrugada inteira trabalhando, né?" - pensou James para si, com uma certa dose de piedade.

- DESMOND!!! - gritou James. Desmond deu um pulo tão alto que James quase sorriu com a cena. Quase, já que ele tinha que manter a fachada de durão.

- Livro de História das Castas. Fale sobra a cidade em que estamos.

Desmond se recompôs para começar a falar, já que quase tinha caído do sofá. Fecou o livro de Regras (o que não foi uma boa idéia, já que ele estava babado por dentro, o que só fez a umidade passar para outra páginas), e começou a responder a pergunta.

- A cidade de Almaz é a Cidade-Sede da Casta de Ouros. Aqui se encontra a Central, local onde todos os Jogadores pertencentes a Casta de Ouros aprendem sobre o seu dom e como usá-lo em favor da Casta. As escolas para Jogadores aceitam os jovens (que sempre são filhos de outros Jogadores) a partir dos doze anos, que é quando eles começam a manifestar os seus dons. Até hoje na história da Casta de Ouros apenas um jovem quebrou esse tabu, entrando para a escola com sete anos, e ele está sentado bem na minha frente. - Desmond balançou o braço apontando para James. James pensou "Eu acho que ele sabe que eu sei que sou eu, né?"

- Tá bom, tá bom. continue.

- Tá. A Central só pode ser acessada por acendentes da Casta de Ouros, e por mais ninguém. É impossível que outros Jogadores de outras Castas ou até mesmo pessoas comuns entrem na Central por vontade própria. A única maneira disso acontecer é conseguindo uma permissão sumária do Rei Theodor, atual regente da Casta de Ouros, da Dama Anette, atual Dama da Casta de Ouros, ou do Valete James, atual Jogador Principal da Casta de Ouros.

James já estava de saco cheio de ouvir essas afirmações, mas no final das contas era verdade. Por ser o Valete da casta de Ouros, ele tinha privilégios, mas também muitas obrigações, o que sempre o deixava ranzinza durante boa parte do tempo. Ele há muito tempo almejou ser Rei. Mas, viver dentro da Central o tempo todo era uma prisão voluntária que James aprendeu a não gostar. Ele ficou muito agradecido pela Dama Anette tê-lo escolhido como Valete e Theodor como Rei, mesmo sendo este mais novo que James. Ele simplesmente disse "Não se preocupem, vai dar certo. " E deu certo. James estava feliz no lugar que estava e Theodor estava feliz no lugar em que estava. Ambos eram brilhantes jogadores, mas Desmond não conseguiria viver confinado em um lugar só, enquanto que Theodor nunca se acostumaria com a vida de viagens de um Valete, visto que ele nasceu e viveu a vida inteira nos arredores da Central de Almaz. Já James, viera de Pesok, extremo norte do País e local árido, onde viver se movimentando pelo deserto era a única maneira de sobreviver. "No fim das contas, aquela velha coroca estava certa..."

- James, veja.

James olhou para onde Desmond estava apontando. A janela estava mostrando uma nova imagem: a neve caía devagar e pesadamente, e já era possível ver pessoas andando pela rua.

- Vamos. - Disse James. - Seu teste final te espera.

Desmond engoliu em seco. Já não gostava que James fizesse piadas com ele, mas quando ele falava sério desse jeito, era porque a coisa ia ficar preta...