Com o carnaval chegando, não tem como. Há quem goste há quem não goste. Porém, gostando ou não, a maioria sempre se rende a aproveitar o feriado, afinal não é sempre que se pode ter uma folga de quatro a cinco dias. Eu me incluo no grupo dos que não pulam o carnaval, mas procuram fazer algo pra se divertir durante esse período.
E assim foi. Sem grana pra viajar, me equilibrei entre as folgas do marido e aproveitei para fazer um programa de menina e visitar minha amiga que tinha retornado de uma viagem ao exterior. Ainda não havíamos nos encontrado.
Gosto de ir a casa dela por vários motivos. Um deles é o fato de que, como moro na zona oeste e ela na zona sul, posso desfrutar de um dos transportes públicos disponíveis pra quem vive no Rio: o trem.
Mesmo existindo há tempos, pra mim é uma novidade, já que fui criada em um bairro desprovido dessa condução e, desde que o descobri, passei a integrar o grupo dos que gostam de andar de trem (se é que isso existe).
Talvez você que já experimentou essa viagem, pense que eu tenho algum problema, mas vou explicar. Apesar de ter um funcionamento bastante parecido com o do metrô, acredito que uma das grandes diferenças está nele alcançar áreas mais proletárias. Talvez esta tenha sido a razão de ter, por muitos anos, sofrido certo descaso, tanto da empresa responsável quanto pelas autoridades competentes, tornando-se até mesmo mal visto pela sociedade. Mas, ironicamente, o meu amor veio exatamente por esse motivo. A malha ferroviária é um sistema perfeito para ajustar ou pelo menos, tentar equilibrar a mobilidade da nossa cidade super lotada de carros. Os motoristas que conseguem sobreviver por horas presos em trânsitos caóticos ainda precisarão de um verdadeiro milagre para encontrar uma vaga em local minimamente seguro, próximo ao destino desejado e com um preço que caiba no bolso. Não vou nem comentar sobre o valor da gasolina, fica para uma outra história.
Voltemos ao meu passeio de carnaval. A ida:
Ao chegar na estação, escuto o alto-falante informar: - "O trem com destino a Central do Brasil chegará em aproximadamente 30 minutos". Eu ouvi bem? Em pleno feriado de carnaval, que o trânsito da cidade muda completamente com algumas ruas fechadas e rotas de ônibus alteradas? Em dias que a recomendação é para utilizar o transporte público, o trem, com alcance de vários bairros e com capacidade para transportar um enorme número de pessoas por viagem, levará todo esse tempo de espera?! Fiquei ali sentada, confusa com esse absurdo paradoxo urbano. Abri o meu livro e, sem muita alternativa, folheei algumas páginas para me concentrar em outra coisa.
Como era de se esperar, trem cheio, vendedores de água, de balas, de chocolate, de fone de ouvido...e por aí vai. Cheguei ao meu destino e passei um ótimo dia de menina conforme imaginado.
Feliz da vida, me despedi. A volta:
Na Central do Brasil, me dirigi ao guichê para comprar minha passagem e já ouvia o alto-falante proferindo mais uma sentença. Aquilo ali só serve pra dar notícias ruins: - "Os trens com destino Belford Roxo encerraram os serviços". Fiquei chocada! O sol tinha acabado de se por. Não era justo com as pessoas daquela região. No mesmo instante pensei que se fosse o meu destino, eu não saberia como voltar para casa em pleno domingo de carnaval com as escolas de samba se preparando para entrar na avenida. Em vão, ocorreram algumas discussões por desinformados que chegavam na estação e queriam apenas um meio de locomoção disponível que a propósito é direito de todo cidadão, assegurado pela Constituição Federal (ou deveria ser), mas tudo ficou por isso mesmo. Vida que segue.
Passagem em mãos caminhei até o meu trem que, para minha felicidade, já se encontrava na plataforma. Mas como diz o ditado, alegria de quem pega trem dura pouco. Os primeiros vagões já estavam com pessoas em pé. Então fui andando até o último vagão, com esperança de conseguir algum lugar vago. Deu certo.
Sentei, me acomodei e retirei da bolsa meu acompanhante para retornar a leitura quando, mais uma vez, ela roubou minha atenção. A voz do alto-falante: - "O trem com destino a Santa Cruz sairá em aproximadamente 40 minutos". Inacreditável! Fazendo as contas, eu iria gastar, no total, uma hora e dez minutos do meu passeio parada esperando o transporte público. Isso pode transformar uma diversão em angústia, uma alegria em tristeza. Mas vamos evitar dramatizações, afinal essa é a vida real. Vamos ser otimistas e mentalizar o copo sempre cheio: pelo menos há uma condução. O outro ramal nem isso tinha para as pessoas voltarem aos seus lares.
Com esse tempo todo de espera, o vagão antes vazio foi enchendo com poucas pessoas comuns como eu, mas sim com muitas voltando da folia no clima do carnaval. A princípio o fato de ser cedo e as pessoas estarem, supostamente, indo embora me chamou a atenção, o que foi explicado por mais uma notícia ruim. Dessa vez, não pelo alto-falante, fomos poupados pelo propagador de más notícias. Algum folião gritou: - "Entra que é o último trem!". Sem aviso prévio, em um período em que as pessoas também precisam muito deste transporte, a empresa e o governo simplesmente, além de não aumentarem a quantidade de locomotivas, não estenderam o horário de funcionamento.
Trem lotado, o retorno prometia. Com foliões gritando e cantando o ambiente foi ficando mais tenso. Pessoas se entreolhavam insatisfeitas com a situação quando, de repente, um cheiro inesperado tomou conta do ar: cigarro. Nada contra fumantes, mas dentro de um local fechado, com ar condicionado, incomoda. Não é permitido fumar. Todos sabem. Mas o que "todos" entendem por respeito hoje em dia? O que entendem pelo "meu direito começa onde termina o seu"? Ou por simples atitudes razoáveis e proporcionais para se viver em comunidade?
Neste ponto, o copo já estava vazio. Os agitadores começaram a pular e empurrar quem estivesse próximo, o que não era difícil evitar, tendo em vista a falta de espaço no vagão. Essa "nova brincadeira" deixou o clima entre os passageiros pior do que já estava. Aquela sensação de que a qualquer momento uma bomba iria explodir. Eu estava sentada perto da algazarra. Olhei para a moça em pé espremida ao meu lado. Ela tinha a feição cansada de quem trabalhou o dia inteiro, mas também de que não estava satisfeita com aquilo. Ela sorriu e disse: pelo menos você está sentada. Refleti rapidamente: a minha paz não vale um assento. Sem pensar muito, levantei e, em meio a "com licenças", escapei para o mais longe possível dali.
Finalmente cheguei ao meu destino. Um pouco desanimada, subi as escadas da estação rumo a saída. Lá do alto pude ver aquela máquina de ferro forte e sempre nos trilhos seguindo sua viagem. Ela não tem culpa pelos abusos que sofre dos usuários. Abri um leve sorriso: "Que bom que você existe" - pensei.
Apesar desta experiência com vários aspectos negativos, ainda defendo a malha ferroviária. Concluo apenas com a incerteza se a falta de melhorias se deve somente a um governo omisso, que não cobra da concessionária responsável, ou se infelizmente a maior parcela de culpa seja mesmo da própria população, que por não compartilhar o mesmo sentimento que eu, se contenta com o bom e nunca alcança o melhor. A propósito, qual será a data do próximo feriado?
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Crônicas Urbanas
Non-FictionHistórias de quem vive e sobrevive na cidade, contadas por duas amigas que moram em diferentes cantos do Rio de Janeiro.