Eram dez da manhã quando entrei no vagão do metrô. Logo consegui um lugar para sentar, afinal não era horário do rush. A minha frente havia dois homens. Um mais velho e bem arrumado e outro mais jovem e despojado. Comecei a ler meu jornal gratuito como de costume. Duas estações depois, observei que o grisalho tentava falar com o jovem a seu lado, que estava imerso em seus fones de ouvido. Ele pedia ao rapaz que diminuísse o volume da música no celular, pois o som estava vazando. O rapaz, que havia tirado um dos fones para escutá-lo, perguntou se o som estava muito alto, conferindo se realmente havia entendido aquele pedido. — "Sim, está muito alto" – o mais velho confirmou. O mais novo então se desculpou, dizendo que não havia percebido, reduziu o volume e todos seguiram a viagem felizes para sempre.
Eu estava em Londres e aquela cena foi inimaginável para mim. Passei o resto da viagem tentando entender o que havia acontecido ali.
Lembrei de certa vez em que estava no ônibus a caminho da faculdade e passei pelo que qualquer cidadão que utiliza o transporte público no Rio de Janeiro já viveu ao menos uma vez. Estava sentada na janela e me ofereci para segurar a bolsa de um jovem que estava em pé. O trânsito estava parado e o ônibus lotado. Quando a pessoa a meu lado liberou o assento, o rapaz o ocupou e pegou de volta suas coisas. Logo ele foi abrindo um dos bolsos da mochila e retirou seu telefone. Em menos de um minuto eu já não conseguia me concentrar na revisão dos meus cadernos para a prova que faria dentro de uma hora. Ele havia ligado o som no celular, compartilhando seu "tunt tunt" com todos os passageiros.
Pensei em algumas alternativas: abandonar o assento e passar o restante da viagem em pé no lado oposto do ônibus; oferecer meu único fone de ouvido intra-auricular com controle de volume integrado; ligar U2 alto no meu celular para competir com ele, na esperança dele se tocar da sua falta de respeito; ou simplesmente pedir que ele desligasse o som, apontando para as advertências de proibição que existem dentro do veículo.
Entre tantas opções, não fiquei com nenhuma delas. Fiz o que a maioria dos cidadãos faz nesses casos. Nada. Na realidade fiz pior. Eu, que havia sido gentil aliviando o peso que aquele rapaz carregava, passei o restante da jornada incomodada, com raiva e corroendo minha mente com possíveis diálogos que poderia travar com aquela criatura. Porém não tive a coragem de iniciar por não conseguir prever o tipo de reação que ele poderia ter. Talvez ele me respondesse com um suave "os incomodados que se mudem". Talvez com algum xingamento ou, quem sabe, com alguma grosseria extremamente machista.
O mais inacreditável foi que, naquele mesmo dia, retornando para casa, uma senhora de quase 50 anos entrou no ônibus com um rádio portátil pendurado por uma alça no pescoço. Um som em volume altíssimo. E nem vou comentar sobre o gênero musical, já que isto se refere à questão de gosto. O ônibus estava vazio e os poucos passageiros olharam na direção da mulher e, em seguida, se entreolharam. Mudos. Mas com olhares de recriminação que diziam tudo: "É sério mesmo? Ela irá perturbar o sossego da nossa viagem com o som alto?". Estava visivelmente alcoolizada e seria inútil se dirigir a ela com qualquer tipo de pedido ou reclamação. Novamente, nem eu, nem qualquer dos companheiros da viagem tomamos atitude alguma. O auge de nossa manifestação foram dois ou três muxoxos no ar. Sofremos no silêncio das nossas irritações e nos sujeitamos àquela balada particular.
Tempos depois soube que este tipo de situação também ocorria nos metrôs e que era uma das questões com maior nível de reclamação nos trens urbanos. Tanto a Supervia, do Rio, quanto a CPTM, de São Paulo, há cerca de cinco anos, realizaram campanhas educativas incentivando que seus usuários utilizassem fones de ouvido para escutar música em celulares, MP3 players e rádios portáteis. Não tenho informações sobre o resultado da campanha. Não sei se a ocorrência desta prática diminuiu. Mas com certeza não desapareceu.
O fato é que muitos desconhecem o significado da palavra cidadania, que, em resumo, é a prática dos direitos e deveres de um indivíduo. O respeito e o cumprimento de ambos contribuem para uma sociedade mais equilibrada e justa.
Por isso é preciso criar a cultura de que o bem da coletividade está acima de nossas liberdades individuais. A cultura de que, se alguém reclama com outro sobre algo que incomoda ou atrapalha, ele não está sendo chato ou implicante. Ele está apenas intervindo em prol da boa convivência e do bem-estar do coletivo.
Isso torna admiráveis aqueles dois indivíduos anônimos do metrô de Londres. O primeiro porque teve a coragem de exigir respeito, expondo seu incômodo de forma absolutamente educada. O segundo, por compreender que sua atitude estava causando desconforto aos demais passageiros, ainda que estivesse usando fones de ouvido. Ambos foram exemplos de cidadania. Ambos sabiam ser cidadãos.
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Crônicas Urbanas
Non-FictionHistórias de quem vive e sobrevive na cidade, contadas por duas amigas que moram em diferentes cantos do Rio de Janeiro.