Hoje acordei com um despertador incomum: PA-RA-PA-PA-PÁ! Como no Rap das Armas, que chegou a ser conhecido internacionalmente, pareciam tiros. Escutei uma movimentação maior vinda da rua. Um falatório. E eu ali na cama, em meio a preguiça, pensando se seria prudente ir até a janela. Continuei deitada, mas logo veio a confirmação no grito de um rapaz: - "Foi tiro! Foi tiro! Cuidado aí que os caras ainda estão ali na rua de trás." Não sabia se ele se referia a polícia ou a bandidos. Levantei correndo e fui até a janela. As pessoas andavam apressadas, mas não pareciam desesperadas. Não foi possível ver nada, entretanto tudo parecia já ter terminado.
Escutar tiros para mim não era algo novo. Morei perto do Morro do Dendê. Aquele da Ilha, no bairro do Cocotá, em que você encontra alegria para sempre recordar. Teve época até em que foi possível ver as balas traçantes no céu, como nas imagens da Guerra do Iraque que passavam na TV. Mesmo na zona sul, área da cidade considerada nobre, já havia escutado alguns tiroteios da Ladeira dos Tabajaras antes de terem pacificado a região, afinal o Rio de Janeiro é um pedaço de terra cercada de morros por todos os lados. Hoje estas tais pacificações parecem estar ficando para trás.
E apesar dos conflitos terem retornado à rotina, eu estranhei aqueles disparos pela manhã. Tiros secos, pontuais, no asfalto, tão perto de casa? Tive que esperar por uma hora até que as notícias começassem a sair na internet. O chefe do jogo do bicho que morava pelas redondezas havia sido executado. Jogo do bicho... essa coisa que eu só associava à minha infância e ao subúrbio.
Parece mesmo que Copacabana é cenário de "certas" atividades. Lembro que, há uns cinco ou seis anos, ao caminhar para casa, vi carros da Polícia Federal parados na frente de um edifício residencial. Os agentes haviam estourado um bingo, onde centenas de velhinhos estavam jogando.
Contudo a criminalidade não fica só às escondidas. No primeiro mês que passei trabalhando em casa, fiz uma descoberta. Por pelo menos três vezes escutei gritos de "pega ladrão, pega ladrão" e vi a rua se transformar em corre-corre. Realmente não sabia que os assaltos eram tão frequentes por aqui. Não havia escutado qualquer comentário e nunca havia acontecido nada comigo. Não que eu tenha ilusões. Sei que a violência está em todo lugar. Mas os pontos mais comuns sempre foram outros como o calçadão, especialmente entre o Réveillon e o Carnaval, quando recebemos mais turistas. Então comecei a prestar atenção. Algumas vezes os criminosos eram pegos pela própria população, que os impedia de fugir enquanto aguardavam a polícia aparecer. Outras vezes, o menor que havia praticado o furto fugia e seus cúmplices continuavam circulando livremente pela rua, assustando os pedestres. Uma rotina que eu não conhecia.
É claro que da minha janela não vejo só violência. Vejo o cabelo branco de quem retorna da caminhada no calçadão antes das nove da manhã e ouço o barulho das rodinhas dos skatistas no asfalto à meia noite. Sinto a alegria dos que vêm curtir a praia e ouço o silêncio das folhas da amendoeira nos dias cinzentos. Assisto as bicicletas de carga passando com galões de água pela manhã e o senhorzinho do milho vindo buscar sua carrocinha no depósito para começar a labuta no fim de tarde. Posso ouvir os shows da nova Galeria 80 e a empolgação da plateia que ocupa o parklet recém-instalado. E também ouço DRs de baixo nível com casais gritando de uma ponta a outra da quadra, gringos voltando bêbados pela madrugada e prostitutas discutindo alto ao voltar da jornada.
Já escutei as musiquinhas nada católicas dos peregrinos da JMJ com suas inesquecíveis mochilinhas coloridas e o contagioso "chi-chi-chi, lê-lê-lê" dos orgulhosos chilenos. Já teve ônibus lotado de hermanos argentinos comendo joelho na lanchonete durante a Copa e carros de bombeiro com escada Magirus no prédio em frente. Apareceu gente maquiada na Zombie Walk e também mascarados Black Blocs nos protestos de 2013. Teve gente vindo para o show da atração internacional nas areias e teve gente vindo para a manifestação contra o impeachment.
Vivo na travessia entre o metrô da Arco Verde e o Copacabana Palace. E nesse palco há um misto de tudo. Um lugar democrático e também caótico. Uma Copacaótica que guarda algo da história e que talvez retrate um pouco do que vive nossa sociedade: trabalho duro, violência e alegria. Ainda assim, alegria!
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Crônicas Urbanas
غير روائيHistórias de quem vive e sobrevive na cidade, contadas por duas amigas que moram em diferentes cantos do Rio de Janeiro.