Ando em uma rotina home office, trabalhando seguidamente em casa. Essa liberdade para me organizar apresenta muitas vantagens. Contudo, as vezes, me traz um certo incômodo: uma sensação de que a vida está passando lá fora e estou perdendo algo. Isso se torna ainda mais crítico quando o fundo de tela do meu computador me lembra que vivo a duas quadras da praia.
Hoje eu não estava a fim de passar mais um dia trancafiada. Então coloquei todo o equipamento e um caderno na mochila, enfiei a bike no elevador e desci rumo a ciclovia. Desta vez eu não iria ficar em algum café, como me acostumei a fazer durante minha falta de vida social no período em que fiz minha monografia. Queria respirar ar puro, ver o céu, mesmo que nublado, a ressaca do mar e o movimento da rua. Por isso resolvi ser mais ousada. Iria trabalhar com meu notebook em um quiosque a beira-mar.
Sim, exatamente isso. Trabalhar com meu notebook em um quiosque da orla do Rio de Janeiro, a cidade maravilhosa marcada por constantes assaltos e violência. Não, eu não estava louca. Tinha noção de que não era exatamente uma ideia razoável. E não, eu não estava confortável em fazer isso. Mas me coloquei este desafio.
Nas poucas vezes que circulei pela cidade carregando meu computador, tomei uma série de cuidados e ainda assim não me senti segura. Me certifiquei de que tinha tudo salvo na nuvem para o caso de ser vítima de algum roubo. Me preocupei se, por ser branco, meu Dell poderia ser confundido com um Mac, chamando assim mais atenção. Pensei até no tipo de mochila que deveria usar, procurando por um formato que não evidenciasse o que estava carregando.
Desta vez, além deste checklist paranoico precisei de um breve planejamento: eu buscaria um local que fosse um pouco mais reservado, faria um reconhecimento da área por um tempo e só então eu me acomodaria em um quiosque e começaria a trabalhar. E foi assim que aconteceu.
Pedalei em direção ao Leme, um cantinho que foi renovado e sobre o qual eu tinha certa noção do nível de segurança. Fui atenta durante todo o caminho, observando a cada quinhentos metros se havia algum movimento suspeito. Ao chegar lá, sentei na mureta e me coloquei a observar a paisagem e os que estavam a meu redor, sempre com um sentimento de desconfiança.
Depois de alguns bons minutos de averiguação, segui para o quiosque que tinha mesas menos expostas e pedi algo para beber. Não tinha Malzbier. Não tinha Ice Tea. Também não tinha Matte. Que escassez! Ao menos tinha a água de coco, uma desculpa para me sentar. Coloquei minha mochila na cadeira ao lado, ainda receosa. Olhei, olhei, observei... e a água de coco chegou. Então me acomodei melhor, puxei o notebook da bolsa e abri como se fosse a coisa mais natural do mundo. Transferi minha mochila para cima da mesa de forma a cobrir um pouco o equipamento.
Mesmo com o pouco movimento da tarde de um dia de semana, esperava que me olhassem como um ET, mas isso não aconteceu. Uma ou outra pessoa me olhou rapidamente, sem qualquer expressão de recriminação. Passei duas horas trabalhando e vendo a paisagem em meio aos que correm na areia, dão uma pausa no passeio de bicicleta e os que ultrapassam o cordão de isolamento para alertar sobre o risco de morte durante a ressaca. O quiosque até me brindou com músicas de Bruno Mars, Coldplay e Florence and The Machine. Foi ótimo!
Apenas não passei mais tempo por lá, pois os estabelecimentos no Rio ainda não recebem tão bem quem busca um espaço para trabalhar. Falta wi-fi e sobram interrupções para saber se iremos consumir algo mais. Sem internet, consegui focar nas tarefas e ser mais produtiva. Por outro lado, senti um certo nível de tensão e desconforto, dividindo minha concentração entre o trabalho e a observação do que ocorria a minha volta em termos de segurança. Receava que alguém pudesse estar me observando para me abordar quando eu resolvesse sair.
Após duas horas, deixei o local, destranquei minha bicicleta e pedalei para casa, mantendo o estado de alerta. No caminho, começou a chover bastante. E esta foi a ironia. Havia me preparado para um assalto, mas não para a possibilidade de chuva. Com medo do computador molhar, me abriguei sob a marquise de um hotel.
Foi então que percebi que estava feliz por ter provado que, ao menos por um dia, foi possível usar um computador numa área aberta do Rio de Janeiro. Um dia em que tive um ato de rebeldia contra a nossa falta de liberdade invisível. Rebeldia que desafiou o conformismo de viver em uma cidade linda, que não podemos aproveitar em sua plenitude devido a falta de segurança. Foi um ato de protesto de certa forma inconsequente, movido pela esperança de que todos os nossos dias possam ser assim.
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Crônicas Urbanas
Non-FictionHistórias de quem vive e sobrevive na cidade, contadas por duas amigas que moram em diferentes cantos do Rio de Janeiro.