Capítulo 1 A casa de repouso

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Capitulo I

A casa de Repouso

Ernesto Cotovia, era pescador desde que se lembrava da sua existência. Sempre viveu junto daquele mar grandioso, revoltoso nos dias de tempestade e dias frios e ameno naqueles dias quentes de verão quando chegavam os estrangeiros.

Naquele dia estava particularmente melancólico. Não havia ninguém que o ouvisse naquele bem dito centro de dia, onde o filho o deixava todos os dias para assim passar um dia inteiro a ouvir lamentos de outros como ele que para ali estavam.

Havia já dois anos que a sua Maria havia partido e desde essa altura com medo que o pai ficasse sozinho na Nazaré, António resolveu trazer o pai Ernesto para junto de si no Montijo.

Mas as horas enfiado em casa nunca foram bem aceites por Ernesto e quando este começou a ter momentos em que se perdia no caminho para casa quando ia dar uma volta, o filho decidiu que estava na hora de o colocar num centro de dia ali perto que olhariam por ele de dia e vinha dormir todos os dias a casa.

A vida agitada do filho que nunca sonhou em vir a ser pescador, levou-o para longe da Nazaré transformando-o a grande capital num arquiteto conceituado com muitos afazeres e com pouco tempo para ouvir o pai.

O filho arquiteto era casado e tinha dois filhos, uma rapariga de vinte anos e um rapaz de trinta anos. Brincaram muito quando o avô estava por perto e lhe fazia barcos de papel, explicando mesmo sem perceberem como era trabalhar e quase viver dentro de um barco que se aventura mar adentro, esventrando ondas e debatendo-se com elas quando ultrapassam os seus limiares.

Dava-se bem com a nora, uma advogada ali mesmo no Montijo oriunda da Nazaré também ela conhecedora daquelas terras, daqueles cheiros de maresia e das saudades que tudo aquilo devia provocar em Ernesto.

O pai de Aurora também ele tinha sido companheiro de pesca de Ernesto, mas após uma saída para o mar não mais regressou. A mãe que não era adepta do mar e muito menos depois de a ter deixado viúva e com duas filhas para criar, deixou a Nazaré e foi viver com a irmã para Lisboa.

Quis o destino que António e Aurora próximos em idade tivessem amigos em comum e um dia se apaixonassem um pelo outro revelando assim um passado em comum na Nazaré terra onde gostaria de regressar na altura da reforma se tal fosse possível.

Eras-lhe difícil trazer Ernesto para o Montijo, mas as circunstâncias assim o ditavam e sem mais remédio, mas com muito consideração pelo velho pescador ali o acolheram na sua casa geminada, igual a tantas outras do bairro. Todas iguais em formato, mas tão diferentes das que António idealizava nos seus projetos e das que pertenciam aos sonhos de Ernesto, as velhas casinhas térreas da sua Nazaré.

Ernesto não aceitou bem a ideia inicial de centro de dia e não a aceitou de todo, até ao dia em que no centro apareceu um rapaz que se dizia ser psicólogo e lhe disse ter tempo para o ouvir.

Ernesto inicialmente desconfiou do jovem, mas aos poucos foi ganhando a sua confiança e todas as semanas, mais precisamente quartas-feiras cerca das onze da manhã, ali estava aquele rapaz simples no vestir, com jeans e uma camisola sempre com camisa por baixo, blaser se estava frio, sempre com um sorriso no rosto.

Naquela manhã trazia óculos novos e uma camisola azul que lhe fazia sobressair os olhos azulados, que Ernesto comparava ao mar nos dias quentes de verão.

- Bom dia senhor Ernesto, preparado para a nossa conversa?- perguntou Ricardo.

- E porque não rapaz, já cá estava à tua espera.- disse-lhe Ernesto.

Deslocaram-se para uma sala pequena que não possuía mais do que duas cadeiras, uma mesa de apoio e um armário. Era o gabinete da assistente social, que era cedido nestas ocasiões para que Ernesto e Ricardo tivessem a oportunidade de ali conversarem mais calmamente.

De início as conversas eram formais e com parcas palavras Ernesto não se alongava muito, dizia que não tinha o dom de falar bonito e que não havia nada a contar àquele rapaz da cidade.

Ao longo do tempo a resistência foi desaparecendo, o rapaz parecia bom rapaz, perto dos seus trinta anos, um jovem calmo, pacato, bem arranjado e que nunca faltava à hora combinada. Ernesto começou a simpatizar com ele e quando ele lhe perguntava da sua vida profissional em novo, pronto foi encontrado o motivo porque se reuniam todas as semanas à mesma hora.

Ricardo olhava aquele homem já velho em idade, mas jovem de espirito, arrancado da sua terra natal pelas circunstâncias, mas que via nele um amigo e quando sentiu essa responsabilidade deu voltas e mais voltas à cabeça até chegar à conclusão de que havia mais a fazer por aquele homem e propôs-lhe que escrevessem como que um diário de bordo tal como havia nas embarcações.

Ernesto preferia chama-lo de livro de memórias para os meus netos para que um dia não se percam as memórias deste velho pescador, como costumava dizer.

E assim era, todas as vezes que se reuniam contava um pouco da sua história e mantendo o interesse no velho pescador, Ricardo apontava tudo. Havia muitas histórias dignas de registo.

- Então e hoje do que iremos falar?- perguntou Ricardo.

- Hoje vou falar da minha infância ou daquilo que me lembro e que talvez se possa chamar infância porque aos seis anos já andava dentro de um barco e ajudava a remendar as redes.

- Conte-me então Ernesto, como foi a sua infância?

O velho lobo do marOnde histórias criam vida. Descubra agora