Capítulo 3 Maria da Nazaré

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Maria da Nazaré

Nascida num dia de tempestade segundo lhe haviam contado. Maria da Nazaré tinha cabelos revoltosos como o mar e olhos negros como a noite.

A família era já grande, cinco filhos, com ela agora eram seis. Sendo a mais nova era a mais protegida. A mãe mimava-a muito, era a sua menina no meio de tantos rapazes.

O destino já lhe estava traçado, iria ser varina como a mãe e ajudaria os irmãos com as redes depois da faina.

Quando já adolescente tornou-se uma beldade de rapariga, sempre que era dia de festa vestia a blusa de chita com ramagens brancas com flores vermelhas, justa de modo a desenhar o busto que se ia avolumando com a idade dando um aspeto de elegância.

O decote apresentava uma pequena gola voltada de bicos arredondados, guarnecida com um folhinho estreito. As mangas eram curtas abaixo do cotovelo terminando numa renda bonita.

Usava a saia, o corpete de pano branco, saia de chita, rodada, guarnecida de veludo preto e as sete saias ou saiotes para tufar as saias. Avental de popelina bastante grande com rendas e bordados a matiz, lenço de decorações simples atado atrás, chapéu de feltro com o pom pom de lã e uma belíssima capa de lã preta ampla de forma circular usada pela cabeça sobre o lenço e sobre os ombros. E como era dia de festa calçava as chinelas de verniz preto com salto de sola e as polainas de lã branca atadas com uma fitinha debaixo do joelho porque fazia bastante frio.

Foram todos, pai, mãe e irmãos rezar à Srª da Nazaré, a sua padroeira e a quem devia o seu nome.

Foi numa dessas romarias que viu que um rapaz em especial lhe deitava o olho, já o tinha visto noutros dias, mas naquele dia sentiu mesmo o seu olhar pousado no seu rosto e nos brincos que tinham sido oferecidos pela madrinha.

Mas como estavam em família não ligou nenhuma importância, até porque com os irmãos por perto não tinha muita margem de manobra.

Maria da Nazaré gostava de ir passear junto à praia sempre que podia, sentir o cheiro a maresia e pensava que um dia também esperaria pelo seu marido como agora esperava pelo pai e pelos irmãos todos eles pescadores.

À medida que foi crescendo Maria da Nazaré foi sendo conhecida também como uma boa varina, tinha um vozeirão ao apregoar o seu peixe. Aprendera com a mãe, mas já tinha clientela que preferia comprar a ela, criando algumas invejas nas amigas que viam assim o negócio ameaçado.

No dia em que foi abordada por Ernesto, já tinha vendido todo o peixe e preparava-se para regressar a casa.

Que rapaz tão garboso, de olhos claros como o mar em dias de sol, contrastantes aos dela tão escuros como a noite. Pareciam duas azeitonas que enchiam os olhos de Ernesto.

Depois da conversa e de se terem apresentado, ficaram de se encontrar à mesma hora no dia seguinte, depois de ele terminar de arranjar as redes e de ela ter vendido o peixe.

Nessa noite, dormiram mal, tal era a excitação que os consumia. Sabiam interiormente que estavam destinados a ficar juntos, mas como é que Ernesto iria enfrentar a dureza dos irmãos e do pai de Maria da Nazaré?

Eram perguntas e mais perguntas que não lhe saiam da cabeça.

Ernesto por seu lado não tinha dúvidas, iria fazer tudo como um homem devia fazer.

Na tarde seguinte encontraram-se tal como combinado.

- Olá Maria da Nazaré. Como estás?

- Olá Ernesto. Estou bem e podes apenas tratar-me por Nazaré.

- Tu sabes que eu ando de olho em ti e és uma rapariga muito bonita e gostava de te perguntar se queres namorar comigo. Queres?

- Tu também me pareces um rapaz muito jeitoso, mas sabes que isso vai depender do meu pai.

- Sim, claro, mas primeiro acho que tenho que ter a certeza de que gostas de mim para o poder fazer. Quero que seja tudo feito como deve ser, descansa.

- Sim Ernesto, eu quero namorar contigo, fico muito contente por saber que és um rapaz honrado e não desses que só se querem aproveitar das raparigas.

- Não sou nada dessas coisas. Amanhã mesmo irei falar com o teu pai e pedir permissão.

- Ainda bem Ernesto. – e nisto deu-lhe um beijo na face direita, que soube a pouco a Ernesto.

Foi um gesto de pequena ternura, mas ele tinha sido tão fofo que Nazaré achava que o rapaz merecia.

Munindo-se de grande coragem e valentia, Ernesto foi falar com o seu próprio pai.

- Pai, foi boa a pescaria?- perguntou enquanto amanhava as redes.

- Hoje não foi dos melhores dias, mas amanhã será um novo dia e a Srª da Nazaré há-de ajudar como sempre.

- Tenho uma coisa importante para lhe falar.

- Diz filho, 'tás doente?

- Não pai, estou apaixonado por uma varina- disse deixando-se rir.

- Ai rapaz, onde tu te vais meter... as raparigas dão-nos voltas à cabeça. Mas conta-me lá quem é a sortuda? Como é que ela se chama?

- É a Maria da Nazaré, a filha mais nova dos Pereira ali da traineira Esperança.

- Ah muito bem escolhida. É filha de gente trabalhadora. Eu falo com o pai dela e depois vais lá tu pedir a mão da rapariga em namoro.

- Obrigado pai, pelo seu apoio.

- Não tens nada que agradecer, eu quando fui namorar com a minha Rosa a tua mãe, passei pelo mesmo e acho bem que queiras fazer as coisas como deve ser. Parece-me uma boa rapariga e uma bela varina. Temos casamento parece-me- disse sorrindo.

- Vá vai lá descansar, hoje mereces ir p'ra casa mais cedo, vai pensar no que vais dizer ao homem, olha que ele e os irmãos vão-te dar trabalho.

- Não há-de ser nada que eu não consiga superar.

- Até logo Ernesto.

- Até logo.

E o pedido formal foi concretizado. Combinaram que o namoro seria ao final do dia na casa da rapariga. E assim namoraram durante um ano e meio até se casarem com a bênção da Santa de devoção de ambas as famílias, a Srª da Nazaré.

O velho lobo do marOnde histórias criam vida. Descubra agora