Capítulo 2 Ernesto

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Ernesto

Nascido a 2 de Fevereiro de 1925, num dia abonado pela chuva e frio, Ernesto nasce na Nazaré, numa parca casa numa família de pescadores. A mãe era varina e o pai era considerado o melhor da sua época, pelo que naquele dia tinha partido para o mar, e quando chegou não só trazia uma boa pescaria, como lhe estavam a dar a boa noticia que o seu primogénito tinha nascido.

Para César, tinha sido um bom augúrio, se o mar tinha sido generoso era porque o rapaz seria também ele um bom pescador, seguidor do pai.

Foi ver o seu rebento, e tal como havia prometido subiu a encosta e foi agradecer as boas graças à Senhora da Nazaré, na pequena capelinha da sua devoção. Bem lá no alto, estava a pequena capelinha antiga da Senhora da Nazaré, uma imagem da Virgem de adoração das gentes da Nazaré e arredores e onde César foi acender uma velinha em forma de agradecimento. Posteriormente foi até à Capela subiu a escadaria e entrou na nave principal, foi até ao altar mor e ajoelhou-se agradecendo mais uma vez as bênçãos recebidas.

O padre Inácio reparou naquele cenário e pensou que tinha ocorrido alguma desgraça.

- César, o que aconteceu meu filho?

- Sr. Padre Inácio, a sua bênção. Já nasceu o meu primogénito. Vou-lhe chamar Ernesto e vim agradecer à Srª da Nazaré por tudo estar a correr bem.

- Fazes bem meu filho, não é só pedir é também saber agradecer. Tu és um bom homem, vou rezar um terço por ti e pelos teus para que tudo continue na santa paz de Cristo.

- Obrigada padre Inácio. E para quando baptizamos o rapaz? – perguntou César.

- Daqui por uma semana já poderá ser.

- Sim é boa ideia, a minha Rosa precisa recuperar e conseguir subir a encosta. Que seja então no domingo da próxima semana porque não vou ao mar, é dia do Senhor e espero trazer na véspera bastante peixe bom para a festividade.

- Fala com a tua Rosa e felicita-a por mim, fico muito feliz por vocês. Imagino a felicidade do mestre Ernesto que a esta hora deve estar a ver o neto, quando lhe disseres que tem o seu nome, o nome de um mestre na pesca vai ficar muito orgulhoso. És um bom filho e bom homem, vai com Deus meu filho.

- Obrigado padre Inácio.

Regressando a casa, César foi abraçar o seu pai e dar-lhe a novidade que de chamaria ao seu filho Ernesto como o grande mestre que era o seu pai.

O mestre orgulhoso olhou o menino e disse-lhe:

- Que Ernesto sejas, abençoado pelo teu avô serás também tu um grande mestre nos mares da Nazaré.

No domingo seguinte tal como combinado, Ernesto neto foi batizado na capela da Senhora da Nazaré e assim entregue a Ela para estar sempre sob a sua proteção.

O pequeno rebento ainda mal tinha dentes já esperava junto com a sua mãe pela chegada do pai e do avô. Depois ou seguia com a mãe pelas ruas apregoando o peixe fresco ou ficava na lota junto com a avó enrolado numas mantinhas e dentro de uma cestinha de verga.

O cheiro do peixe era para si desde sempre tão familiar e a maresia, o azul daquele mar e o som das ondas o embalar do seu berço improvisado.

Ernesto neto crescia a olhos vistos, quando tinha seis anos já ajudava a arranjar as redes de pesca que todos os dias havia a remendar.

Aos oito anos começou a acompanhar o pai no barco quando a maré estava de feição, porque a mãe Rosa não o queria em dias de mar revolto nem com avisos de tempestade.

O Esmeralda, era a sua segunda ou até mesmo primeira casa. Ali passava os seus dias a aprender as lides do ofício junto com o seu pai e avô.

Um dia chegaram a terra firme e Rosa estava em casa num pranto, tinha nascido o irmão de Ernesto, mas era um nado morto e César ficou desesperado, terá a Srª da Nazaré abandonado a sua fortuna?

Mais uma vez correu encosta acima, mas desta vez perguntou-se porquê, o que teria feito de mal para que tal acontecesse.

Consolou como pôde a sua Rosa e deixou-a entregue aos cuidados de sua mãe, aquilo eram assuntos para mulheres. O desgosto levava-o ele para o mar, para lá se perder e deixar afogar.

Ernesto tudo via e nada dizia, sempre ouvia o avô dizer quando não se tem nada de interessante para dizer, mais vale estar calado e era o que ele achava naquele mesmo momento.

A nuvem passou com o tempo, Rosa não mais foi a mesma, mas com o tempo começou a ser mais zelosa com o seu único filho. Outras gravidezes tinham surgido mas nenhuma tinha ido seguido um bom curso, pelo que o seu Ernesto era o seu bem mais precioso.

Voltou a apregoar o seu peixe fresco, vestia as sete saias das varinas, junto com o seu avental e a capa, os seus tamancos de pele preta com sola de madeira, cachené de lã de algodão preto atado atrás e chapéu de feltro preto cilíndrico de aba revirada de lado ornamentado com um pom pom de lã e era vê-la andar de um lado pro outro com a canastra na cabeça e uma mão na cintura.

Ernesto dava-se bem com os filhos dos outros pescadores e uns com os outros lá conseguiam fazer duelos a ver quem arranjava mais depressa as redes, ou quem vendia mais depressa o peixe fresco.

Depois iam todos brincar com uma bola de trapos e ao berlinde e ao peão. Eram felizes nas suas brincadeiras, mas quando era chegada a hora do descanso para depois regressarem ao trabalho acabava-se até tudo recomeçar no dia seguinte.

Quando já adolescente, Ernesto passou juntamente com os outros moços da sua idade, por um grupo de pequenas varinas que imitando as suas mães e também ajudando-as vendiam o seu peixe.

Mas houve uma com belas formas, e saias e saiotes mais bonitas que as outras, um rosto arredondado, cachené preto e avental bordado, vinte fios ao pescoço, olhar amendoado e um sorriso de cortar a respiração que chamou a atenção de Ernesto.

Envergonhado não abordou a rapariga nem na primeira, nem na segunda, nem à terceira oportunidade, foi preciso a insistência dos comparsas e de muito treino em casa para se decidir a perguntar o nome à rapariga.

- Olá varina, como é a sua graça?- perguntou Ernesto meio encavacado.

- Chamo-me Maria da Nazaré.

- Que bonito nome. Eu chamo-me Ernesto e foi um prazer conhecer uma varina tão formosa.

Pronto, estava feita a conjuntura perfeita para que este futuro casalinho se fosse conhecendo e admirando. Ernesto e Maria da Nazaré apenas tinham catorze anos, mas quis o destino que se juntassem e a Srª da Nazaré lá sabia o que fazia.

O velho lobo do marOnde histórias criam vida. Descubra agora