O cinema
O casamento de Ernesto com Maria da Nazaré na capela da Srª da Nazaré foi religioso como era de se esperar, e com um pequeno almoço entre as famílias, sem grandes alaridos e no meio do seio familiar.
Eram muito jovens e não havia dinheiro para grandes festanças, isso era para as gentes ricas e ali aquela era uma terra de gente pobre.
Ficaram inicialmente a viver na casa de Ernesto. Sendo filho único, havia mais espaço.
Rosa recebeu Nazaré como se de uma filha se tratasse e passaram as duas a sair para a praça juntas e esperavam com grande devoção a chegada dos seus homens do mar.
Ernesto foi amealhando dinheiro e aos poucos os dois conseguiram dinheiro para alugar uma casinha que seria o lar de ambos.
Nazaré decorou a casa com o mínimo e indispensável, viviam modestamente sem nunca passarem fome.
Eram um casal unido e quando Nazaré engravidou, Ernesto ficou delirante de alegria. Iria ter a sua própria descendência e isso deixava-o muito feliz.
A pescaria ia bem, mas o dinheiro só assim era pouco para as ideias de Ernesto.
Este queria que a sua vida fosse boa, que o filho tivesse todas as oportunidades do mundo e começou a pensar que secalhar tinha que fazer mais do que ir só apanhar peixe e Nazaré vende-lo ali mesmo nas ruas.
Com o tempo tiveram dinheiro para uma banca na lota, recém inaugurada e Nazaré passou a ficar lá.
Vendia-se bem, mas com um filho para criar e com outros planos de futuro Ernesto dava voltas e mais voltas à sua cabeça para encontrar mais o que fazer para trazer dinheiro para casa.
Enquanto não tinha ideias continuava na sua vida.
Na Nazaré tudo funcionava rotineiramente. A dura batalha diária travada entre os pescadores e o mar, com a coragem suicida de um amanhã marcado pela tragédia de ontem. As mulheres que descalças esperam os seus homens e os seus filhos na praia, enquanto desfiam lágrimas amargas por aqueles que perderam ou no temor antecipado de quando chegará a sua hora de sofrer. Ao alívio da chegada dos barcos sucede-se o descarregar do peixe e dos utensílios da faina. Os homens remendam as redes que os prendem àquela vida enquanto as mulheres vão vender o peixe.
E nisto tudo se vão passando os dias.
Ernesto estava no auge dos seus vinte anos e queria aventura.
Mesmo com o mar revolto, enfrentava-o sem medo, e Nazaré rezava para que regressasse em segurança e para que tivesse mais juízo.
Num dos dias em que regressava do mar, foi abordado por uns indivíduos que andavam ali na rua a perguntar quem queria ganhar mais alguns tostões.
Ernesto curioso como era quis saber do que se tratava.
- Ganha uns tostões e participa como figurante numa pelicula cinematográfica que estávamos a levar a cabo aqui na Nazaré representativa do vosso trabalho, caro pescador- referiu-lhe o homem que o tinha abordado.
- E o que é preciso fazer? – perguntou Ernesto.
- Basta estar a fazer o seu trabalho, mas deixar-se filmar.
- Oh então mas assim é canja, é para já, é só dizerem que eu faço, mas quero adiantado que nunca se sabe se me pagam no final.
- Fique descansado- disse-lhe o homem.
E foi assim que Ernesto participou como figurante no cinema por Leitão de Barros no filme Maria Mar, da década de 40.
A sua Maria também foi convidada e participava como varina. Mais do que um trabalho, acharam que era uma coisa engraçada de se fazer e não se importaram de aparecer na tela gigante.
Percebiam que assim o seu trabalho iria ter visibilidade e quem sabe não trazer mais gente à Nazaré.
***
- Muito me conta você, senhor Ernesto. Com que então, até figurante de cinema já foi...- disse-lhe Ricardo.
- Sim meu bom rapaz. Aqui o Ernesto sempre foi aventureiro, e aquelas câmaras e andarem atrás de mim não me fez confusão nenhuma. Havia quem dissesse que eram coisas do Diabo, que aqui tudo sugava a alma às pessoas, mas isso era coisas de gente ignorante, que não tinham visão à frente e eu sempre fui muito à frente p'ro meu tempo caro Ricardo.
- Estou a ver que sim. E como se sentiu quando se viu na grande tela do ecrã?
- Não me reconheci quase, o papel era quase tão insignificante que aparecia lá bem ao fundinho.- disse rindo-se.
- Deixe mas ao menos já pode dizer que foi figurante. Olhe eu cá nunca me meti nessas andanças... Ernesto e hoje sobre o que me quer contar?- perguntou Ricardo.
- Hoje vou contar qualquer coisa, deixa lá ver sobre o que será hoje... - disse Ernesto pensativo.
- Já sei, vou-te contar como é a vida na Nazaré, acho que não sabes bem como é que se sente um homem em pleno mar e as tormentas por que passa. Mas não te contei é como é que se vive o verão na nazaré e com os banhistas que chegam
- Então força Ernesto, conte-me tudo.
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O velho lobo do mar
General FictionO lobo do mar conta a história de um idoso que se vê afastado da sua vida de pescador e fica entre quatro paredes num centro de dia. Nesse local conhece um jovem psicólogo que tem tempo para ouvir as suas recordações e amores. O que Ernesto Cotovia...