Capítulo 5 O cinema

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O cinema

O casamento de Ernesto com Maria da Nazaré na capela da Srª da Nazaré foi religioso como era de se esperar, e com um pequeno almoço entre as famílias, sem grandes alaridos e no meio do seio familiar.

Eram muito jovens e não havia dinheiro para grandes festanças, isso era para as gentes ricas e ali aquela era uma terra de gente pobre.

Ficaram inicialmente a viver na casa de Ernesto. Sendo filho único, havia mais espaço.

Rosa recebeu Nazaré como se de uma filha se tratasse e passaram as duas a sair para a praça juntas e esperavam com grande devoção a chegada dos seus homens do mar.

Ernesto foi amealhando dinheiro e aos poucos os dois conseguiram dinheiro para alugar uma casinha que seria o lar de ambos.

Nazaré decorou a casa com o mínimo e indispensável, viviam modestamente sem nunca passarem fome.

Eram um casal unido e quando Nazaré engravidou, Ernesto ficou delirante de alegria. Iria ter a sua própria descendência e isso deixava-o muito feliz.

A pescaria ia bem, mas o dinheiro só assim era pouco para as ideias de Ernesto.

Este queria que a sua vida fosse boa, que o filho tivesse todas as oportunidades do mundo e começou a pensar que secalhar tinha que fazer mais do que ir só apanhar peixe e Nazaré vende-lo ali mesmo nas ruas.

Com o tempo tiveram dinheiro para uma banca na lota, recém inaugurada e Nazaré passou a ficar lá.

Vendia-se bem, mas com um filho para criar e com outros planos de futuro Ernesto dava voltas e mais voltas à sua cabeça para encontrar mais o que fazer para trazer dinheiro para casa.

Enquanto não tinha ideias continuava na sua vida.

Na Nazaré tudo funcionava rotineiramente. A dura batalha diária travada entre os pescadores e o mar, com a coragem suicida de um amanhã marcado pela tragédia de ontem. As mulheres que descalças esperam os seus homens e os seus filhos na praia, enquanto desfiam lágrimas amargas por aqueles que perderam ou no temor antecipado de quando chegará a sua hora de sofrer. Ao alívio da chegada dos barcos sucede-se o descarregar do peixe e dos utensílios da faina. Os homens remendam as redes que os prendem àquela vida enquanto as mulheres vão vender o peixe.

E nisto tudo se vão passando os dias.

Ernesto estava no auge dos seus vinte anos e queria aventura.

Mesmo com o mar revolto, enfrentava-o sem medo, e Nazaré rezava para que regressasse em segurança e para que tivesse mais juízo.

Num dos dias em que regressava do mar, foi abordado por uns indivíduos que andavam ali na rua a perguntar quem queria ganhar mais alguns tostões.

Ernesto curioso como era quis saber do que se tratava.

- Ganha uns tostões e participa como figurante numa pelicula cinematográfica que estávamos a levar a cabo aqui na Nazaré representativa do vosso trabalho, caro pescador- referiu-lhe o homem que o tinha abordado.

- E o que é preciso fazer? – perguntou Ernesto.

- Basta estar a fazer o seu trabalho, mas deixar-se filmar.

- Oh então mas assim é canja, é para já, é só dizerem que eu faço, mas quero adiantado que nunca se sabe se me pagam no final.

- Fique descansado- disse-lhe o homem.

E foi assim que Ernesto participou como figurante no cinema por Leitão de Barros no filme Maria Mar, da década de 40.

A sua Maria também foi convidada e participava como varina. Mais do que um trabalho, acharam que era uma coisa engraçada de se fazer e não se importaram de aparecer na tela gigante.

Percebiam que assim o seu trabalho iria ter visibilidade e quem sabe não trazer mais gente à Nazaré.

***

- Muito me conta você, senhor Ernesto. Com que então, até figurante de cinema já foi...- disse-lhe Ricardo.

- Sim meu bom rapaz. Aqui o Ernesto sempre foi aventureiro, e aquelas câmaras e andarem atrás de mim não me fez confusão nenhuma. Havia quem dissesse que eram coisas do Diabo, que aqui tudo sugava a alma às pessoas, mas isso era coisas de gente ignorante, que não tinham visão à frente e eu sempre fui muito à frente p'ro meu tempo caro Ricardo.

- Estou a ver que sim. E como se sentiu quando se viu na grande tela do ecrã?

- Não me reconheci quase, o papel era quase tão insignificante que aparecia lá bem ao fundinho.- disse rindo-se.

- Deixe mas ao menos já pode dizer que foi figurante. Olhe eu cá nunca me meti nessas andanças... Ernesto e hoje sobre o que me quer contar?- perguntou Ricardo.

- Hoje vou contar qualquer coisa, deixa lá ver sobre o que será hoje... - disse Ernesto pensativo.

- Já sei, vou-te contar como é a vida na Nazaré, acho que não sabes bem como é que se sente um homem em pleno mar e as tormentas por que passa. Mas não te contei é como é que se vive o verão na nazaré e com os banhistas que chegam

- Então força Ernesto, conte-me tudo.

O velho lobo do marOnde histórias criam vida. Descubra agora