Capítulo 3

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Aproximadamente dez anos antes...

Na sexta–feira desci correndo do carro do papai e entrei em casa para ver o Levi. Levei um susto quando vi que ele não estava na cama e achei que ele tinha fugido, mas logo o encontrei brincando de bonecos de guerra no quarto da mamãe e do papai. O nariz dele já não estava vermelho, foi clareando conforme os dias foram passando.

– Oi, Levi!

– Oi, Liz! Foi para a escola?

– Fui.

– Foi chato?

–Teve prova, não sei se na sua classe também, mas sua prova é facinha! Qualquer coisa eu te ensino as matérias que você perdeu.

Ele deu um sorrisinho.

Levi tinha seis anos e eu já tinha oito. Meu pai sempre disse que o Levi tem que me proteger, mesmo sendo menorzinho, mas a mamãe disse que um tem que proteger o outro e que eu tenho que estudar bastante para ajudar o Levi. Acho meio injusto, meu irmão nunca vai me ensinar nada desse jeito.

– Ah, hoje a Tia Esther veio aqui me ver. – Ele disse tossindo.

– Ah, eu queria que a Tia Esther viesse me ver também!

– Talvez ela venha quando você ficar doente, mas ela estava com um cara estranho.

– Estranho? Não é o Tio Pão?

– Que Tio Pão? – Ele perguntou já entre risos.

– O Tio Pão, um que tem os olhos pintados de azul.

– Então deve ser, porque eu acho que os olhos dele eram desta cor. – Ele apontou para o carrinho azul.

Dei risada.

– É ele mesmo! Você não lembra do Tio Pão? Ele estava no nosso aniversário, é o namorado novo da Tia Esther. Eu chamei ele assim, porque ele comia muito pão na festa e eu perguntei se ele só comia isso ou se era alguma dieta para emagrecer igual as que a Tia e a mamãe fazem. Eles acharam engraçado.

– Nem percebi, Liz, foi no nosso aniversário agora, que eu fiz seis anos?

– Foi.

– Tinha muita gente, não percebi. Mas eu gostava mais do Tio Cadu.

– Eu gostava também, mas acho que ele não era tão divertido com a Tia Esther quanto era com a gente. Lembra que ela chorava de vez em quando? Teve um Natal que ele brigou com ela e eu vi, fiquei triste e ela pediu para eu não contar para ninguém, aí depois no aniversário da mamãe, eu entrei no quarto em que os dois estavam conversando e ele deu um tapa no rosto dela! – Levi abriu a boca sem acreditar. – Verdade! Mas não é para contar para ninguém, só estou falando para você agora e no dia eu contei para a mamãe que ficou muito brava e foi falar com ela.

– Quando foi isso?

– Acho que eu tinha seis anos, como você.

Ele uniu as sobrancelhas e ficou olhando a minha cabeça de vários ângulos, apertando os lábios, pensando em alguma coisa.

– O que você olhando?

– Como cabe tudo isso na sua cabeça? Como você consegue lembrar sempre de tanta coisa? Eu esqueço até os nomes dos meus amigos da escola!

– Não sei, acho que sou mais inteligente que você.

–Vai ver é porque você come mais, e eu sou inteligente também! A mamãe já disse!

Ele já parecia bem, mas quando corremos um pouco pela casa percebi que ele ficou cansado e tossiu algumas vezes, mamãe ainda dava remédios de resfriado para ele, mas agora Levi já sorria mais e tinha voltado a quebrar meus brinquedos.

Lembrei de tudo isso naquele sábado, parada na porta da cozinha vendo Levi triste por não querer comer.

– O que foi, querida? – Minha mãe perguntou.

– Nada, queria que o Levi viesse ver umas nuvens lá fora.

Ela estava lavando a louça, mas olhou para o Levi que batia na comida, olhou para mim e depois para ele novamente.

– Vai Levi, vai brincar com a sua irmã, mas daqui a pouco eu vou te chamar para você terminar de comer.

Ele abriu um sorriso enorme e saiu correndo sem dizer nada. Corri atrás dele, mas antes vi minha mãe dar um sorriso e balançar a cabeça.    

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