As gêmeas

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Era um aposento grande, sem ao menos uma mobília, apenas uma porta ao fundo, quase imperceptível. Estava escuro, porém, iluminado o suficiente para dar importância a uma pessoa bem no centro, com o crânio pendido para o lado, insana, sentada de pernas cruzadas, cantando uma música. Sua voz emanava áspera, lenta e baixa.

-Boi, boi, boi,... boi da cara preta, pega essa menina que tem medo do Capeta.

Dado a última palavra, que soara alta e grossa, a sala já não era a mesma. Tudo se escureceu de uma vez e logo clareou.

Agora estava um corredor, as portas eram inexistentes. Se estendia tanto, que parecia não ter fim. As paredes eram forradas por um papel de parede florido, ornamentado e monstruoso. O garoto miúdo, modesto, da camiseta azul desbotada, com mais ou menos 8 anos e sem uma expressão concreta específica no rosto - talvez de dúvida -, andava encarando o ambiente, enquanto chamava:

-Vô? Vó?

No fim do corredor - se é que havia fim - duas meninas apareceram, gêmeas, uma era mais alta que a outra. Vestiam uma blusa listrada, azul, verde e branco, com um vestido rosa sobre, meias brancas até os joelhos, sapatos com fivela, e uma fita rosa nos cabelos encaracolados como de anjinhos, elas caminhavam no mesmo ritmo, como se fosse uma marcha para o inferno.

-Oi! Você quer brincar? - elas pronunciaram juntas, pouquíssimos milésimos de diferença, o que se aproximava de um disco de vinil arranhado, e pararam no meio do corredor. As vozes eram idênticas, esganiçadas, ligeiramente agudas e ríspidas como uma faca afiada. - Venha brincar conosco.

-Quem são vocês? - indaga o menino curioso, ele tinha várias perguntas e nenhuma resposta. - Minha vó não disse que tinha outros netos!

As duas meninas se olham com um sorriso demoníaco estampado no rosto, gostando da cena.

-Mas ela tem... - novamente elas dizem juntas, qualquer movimento que faziam, era perfeito, em total harmonia. - Tem muito tempo que moramos aqui.

"Aqui". Pressagiou o garoto. Estavam na casa de seus avós, como elas poderiam morar lá e ele nunca as ter visto antes. A casa podia ser descomunal, mas ele gostava de explorar cada centímetro daquele recinto, nada passava despercebido, muito menos primas. Como ele poderia ter outras primas, das quais nunca ouvira falar antes?

-Muito tempo que brincamos com os nossos primos - elas continuaram em uma sintonia azucrinante e abissal.

-Há quanto tempo vocês moram aqui? - questionou o menino.

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