Muito se tem visto em termos de introdução e prefácios aobras de filosofia. Alguns tradutores, eivados de boasintenções, mas sem formação filosófica mínima, confundemfilosofia com a explanação das biografias dos autoresfilosóficos e apenas nisso vêem utilidade. Como se o conceitode útil tivesse grande força filosófica! Como diz o próprioNietzsche, há demasiadas profundidades atrás de um livro,cavernas que se pospõem aos planos frontais, um requinte emmáscaras e subterfúgios — precisamente, a nosso ver, paraapartar as aves domésticas dos altos vôos destinados às aves derapina.Ouçamos o que diz Nietzsche a respeito deste seu livro em"Ecce Homo"; parte III, "Porque escrevo bons livros".I"As minhas finalidades para os anos seguintes estavamfixadas com a máxima precisão. Terminada a parte afirmativade meu objetivo, surgia agora a meta negativa, quer na palavra,quer na ação: a inversão de todos os valores que tiveram cursoe vez nesse período, a guerra suprema, a evocação de um diadecisivo. Neste período efetiva-se a busca de caracteressemelhantes ao meu, pesquisa lenta e demorada, deindividualidades transbordantes de energia que pudessemajudar-me no mister de destruição. A partir de então, todas asminhas obras assemelham-se a anzóis: tenho a pretensão deentender melhor que qualquer outro dessas coisas relativas acaniços... Se a isca não foi abocanhada, a culpa não é minha.Não havia peixe... IIEsta obra (l886) é, na essência, uma crítica da modernidade— não excluídas as ciências ditas modernas, as artes modernase até a política moderna — indicando também um tipo oposto,muito mais que moderno, um tipo nobre, afirmativo.Neste sentido, o livro é uma "escola do cavalheiro",considerando-se esse conceito de modo mais intelectual eradical do que tem sido até agora. É necessário ter coragem nocorpo, ainda que simplesmente para aceitar esta interpretação, épreciso desconhecer o medo. Todas as coisas de que se ufananossa época são consideradas como contrárias a este tipo, quase"modos nocivos", por exemplo, o famoso "objetivismo", a"compaixão pelos sofredores", o "sentido histórico" com suasubmissão ao gosto exótico, com sua banalidade diante dospetits laits, o "espírita científico".Considerando que este livro é posterior em publicação ao"Assim falava Zaratustra", talvez se chegue mesmo adeterminar o regime dietético a que deve sua origem. Os olhosacostumados por um longo constrangimento a olharagudamente para longe — Zaratustra vê mais longe que o Tzar— vê-se forçado a lançar uma vista de olhos aguda às coisaspróximas, às circunvizinhas. Em todos os detalhes e sobretudoem termos formais verificar-se-á um idêntico e voluntárioalheamento dos instintos que tornaram possível a criação doZaratustra. Nota-se a figura da forma, das intenções, da arte decalar, a psicologia é tratada com dureza e crueldade,preconcebidas, não há, em todo o livro, uma única palavra debondade... Repouso, que poderia adivinhar que tipo de repousoexige uma dissipação de vontade como a do "Zaratustra"?Teologicamente falando — escutai, não é fato comum que euadote a voz do teólogo! — foi deus mesmo que, acabado seutrabalho e assumida a forma de serpente pôs-se ao pé da ciência — assim descansou do cansaço de ser Deus. Fez bem... O diabonada mais é que o ócio de deus a cada sete dias..."Seria preciso mais?
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Além do bem e do mal - FRIEDRICH WILHELM NIETZSCHE
RandomDo Original Alemão: JENSEITS VON GUT UND BÖSE © Copyright 2.001 by Hemus S.A. Todos os direitos adquiridos e reservada a propriedade literária desta publicação pela HEMUS LIVRARIA, DISTRIBUIDORA E EDITORA S.A. Visite nosso site: www.hemus.com.br Ped...