Monstro

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"Quem luta com monstros deve velar por que, ao fazê-lo, não se transforme também em monstro. E se tu olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti."

Friedrich Wilhelm Nietzsche

[Para Além do Bem e do Mal]


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Um Monstro! Todos me olhavam como uma espécie de ser estranho que os devoraria se me zangasse. O que será que eu sou? Por mais que olhasse para o nada, perguntasse para o vento, as respostas não viriam de graça. Me sentia mais isolada agora do que nunca, ninguém queria treinar comigo, falar comigo ou nem mesmo respirar o mesmo ar que o meu.

Fiquei sabendo que o Igor continuava em tratamento, mesmo depois de semanas seu braço não tinha se curado nem um pouco. Eu até tentei visitá-lo, mas fui impedida, disseram que só iria piorar a situação.

Meu único refúgio era me afastar das pessoas do centro de treinamento. Não sei quantas vezes vim para este mesmo ponto na floresta, por mais que tomasse caminhos diferentes sempre acabava neste lugar. Aqui sinto-me em outra dimensão, como se o ar se dobrasse, como se a gravidade já não tivesse força e onde o céu estava à altura de minhas mãos. Eu estava totalmente conectada a este lugar.

Algo me chama a atenção, olho para o lado, não vejo nada a princípio, mas sei que aquele ponto em especial tem algo que não pertence a este lugar. Não estou com medo, não estou tampouco surpresa. Eu esperava por essa presença que vem me perseguindo há muito tempo. Um lobo negro, com seus olhos vermelhos aparece e caminha calmamente em minha direção, tudo nele grita a palavra perigo, mas não me sinto ameaçada. Quando chegou próximo o suficiente, abaixei-me e fiz um cafuné em sua cabeça, que foi bem recebido pela fera, pois ele virava sua cabeça em minhas mãos pedindo por mais.

- Eu sei que você não é apenas um lobo. O que você quer comigo? – Falei com ele e percebi um pouco de surpresa em seu olhar.

- Eu ainda não posso te dizer nem metade do que precisa saber. Metade do que posso te dizer a mataria antes dos seus inimigos. – Disse o lobo enquanto transformava-se em um homem belíssimo, tinha um porte militar, porém exibia um longo e liso cabelo preto que daria inveja a muitas mulheres, tinha um cavanhaque bem aparado e seus olhos azuis lembravam os da minha mãe. Não parecia ser mais velho do que eu.

- Quem é você? Porque não pode me contar se você sabe da verdade sobre mim?

- Sou seu avô, outrora chamado de Supremo Alfa ou coisa parecida. Nem mesmo eu entendo o que se passa com você Annie, mas posso ajudá-la a entender. Estive te acompanhando por muito tempo, finalmente você começou a revelar quem você realmente é.

- O quê eu sou? Um monstro?

- O que define um monstro para você? Não pode escolher sua raça, você simplesmente nasce. Mas um verdadeiro monstro, como eu, mata pessoas por prazer, engana e acabaria com qualquer um em seu caminho apenas por que estava enfadado. Você não é um monstro!

- Então porque eu aceitaria seus conselhos?

- Eu quero me redimir ao Mundo. Fazer uma coisa útil uma vez na vida. Você pode ser a chave para acabarmos de vez com essa guerra, de uma forma ou de outra. Em todas as vezes que sua mãe tentou me matar, por dentro eu desejava que ela conseguisse, mas vivo retornando do mundo dos mortos. Acredito que eu ainda tenha algo para fazer aqui. Pense nisso e se quiser minha ajuda, volte aqui amanhã, se não vier eu entenderei.

- Espera, avô... – Antes que eu pudesse falar alguma coisa, ele sumiu bem na minha frente. Eu estava novamente sozinha, todas as lembranças recentes caíram em minha mente de uma só vez, me fazendo chorar em silêncio. – Seu avô idiota! Isso é jeito de falar com sua neta? Bem que eu queria poder sumir também.

Quando retornei percebi que todos estavam correndo desesperados para a arena. Alguma coisa realmente séria estava acontecendo. Meu tio estava bem no centro tentando acalmar a todos, pedindo para sentarem-se. Percebi seu triste olhar quando me viu chegar.

- Acalmem-se! Todos já chegaram? – ele tentava gritar mais alto que o falatório.

- Você soube o que aconteceu? – Falava um garoto à minha frente.

- Não! Eu vim correndo quando tocou o alarme. – Respondeu o outro.

- Os vampiros atacaram uma cidade perto daqui.

- Quietos! – Gritou meu tio, dando um tiro para o alto com sua pistola. Até eu levei um susto. – Como alguns de vocês já sabem, os vampiros atacaram uma cidade perto daqui, aparentemente foram embora depois. O alto conselho pediu para que a nossa unidade de treinamento averiguasse o que eles pretendiam atacando esta cidade em especial. Vou escolher os melhores dentre vocês para me acompanharem, será uma ótima oportunidade para mostrarem o que aprenderam.

Ouvi meu tio chamar meia dúzia de alunos, entre eles a Bianca. Eu já pretendia me retirar quando ouvi o meu nome.

- Annie, apresente-se.

Fui em sua direção, pude ver as pessoas saindo da minha frente como se eu tivesse uma doença grave. Me olhavam com uma mistura de raiva, medo e inveja por ter sido escolhida.

- Porque eu tio? Quero dizer, porque me escolheu senhor? – Corrigi-me a tempo de não levar um sermão.

- Você é uma de nossas melhores guerreiras quando a luta não envolve transformações e quero manter um olho em você até descobrir mais sobre seus novos poderes. Eu já enviei uma mensagem para sua mãe, ela está vindo nos encontrar.

Senti-me muito feliz em saber que minha mãe estava vindo, peguei minhas armas anti-vampiros, dei uma última afiada em minha adaga e parti com a equipe sem saber de fato o que nos esperava, mas com uma esperança bem lá no fundo de que tudo seria explicado em breve.

Senti aquela sensação estranha de estar esquecendo alguma coisa...

... Detesto quando isso acontece!


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