A morte Mora Em Minha Alma

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São cinco horas da manhã. O relógio a acordou gritando. Seu barulho estridente encheu o quarto vazio. A mão de Vera se esticou e o desligou. Olhou pela janela. Ainda estava escuro. Mais uma segunda-feira gelada de inverno a esperava lá fora. O sol há muito tempo fora embora de sua vida.É Perséfone vivendo eternamente no Hades. Sem direito a conhecer a terra fértil e transformar a aridez de sua alma invernal numa primavera ensolarada. Os ciclos da natureza esqueceram-se dela.

Levantou-se. Preparou-se e saiu. Vera caminhava lentamente pela rua esburacada. Seus pensamentos caminhavam a sua frente. Desbravavam a escuridão de dentro e a de fora.

Viam os fantasmas perdidos na noite de chumbo que teimavam em não quererem ir embora. Sozinhas, lágrimas escorriam queimando o seu rosto marcado por tantos sofrimentos, por tantas noites e dias solitariamente vividos. Sabe que cada um carrega dentro de si dores, infelicidades, problemas, amarguras, sonhos, desejos, alegrias. Todos.

Ninguém estava a salvo. Bastava estar vivo ou tentando sobreviver para que os fatos tristes caiam sobre nós. Atravessou a rua. Já via a estação do trem. Sentiu o cansaço costumeiro tomar conta de sua alma. Não se importava. Nada podia fazer.

Dizem que o tempo cura as feridas do coração, da alma, do corpo. Enquanto ele age, as emoções se tornam opacas. No entanto, quando a dor da perda de si mesmo toma conta de todo o ser, o tempo para e a vida se torna o vazio dentro do nada e do vácuo. A jiboia das nossas emoções se enrola em nosso coração e aperta até fazer você chorar desconsoladamente. É um choro interno, dolorido, silencioso. Choro da alma, do coração partido em mil pedaços. Passamos a mendigar carinho, atenção, olhares. Necessitamos da companhia de pessoas que nos ouçam com o coração e digam coisas para o nosso coração, não para a razão, ou se calem em respeito à dor. Queremos nos cercar de pessoas que adivinhem nossas dores, nossos sentimentos desencontrados. Porém, a viagem através da dor sempre é solitária. E as estações são sofridas e marcantes. Dentro da nossa solidão, temos que enfrentar os espinhos e ferir as mãos do desejo se quisermos escapar do labirinto cheio de caminhos com pesares. A vida fica paralisada e hesitamos diante de novos caminhos, novas pessoas e novos amores. O medo de errar e sofrer mais ainda toma conta da razão.

Às vezes, o coração deseja se libertar da dor e não teme arriscar. Ele quer compartilhar a única coisa pela qual vale a pena viver de verdade: o Amor. Mas as pessoas são agiotas.

Dão pouco ou quase nada e querem receber de volta com altíssimos juros. Usam as palavras como moedas de troca valorizadas e desvalorizam os pequenos gestos de carinho. A ideia geral é a de que devemos ser o que não somos para conquistar o que desejamos para depois destruir as emoções, bem devagar, menosprezando, esquecendo o que disse ou negando, através das ações.

Os dias, com esse sentimento preso na alma, passam lentos, como os trens quando esperam um pelo outro no mesmo trilho. No entanto, a rapidez das horas vazias nos aproxima da morte. A insensatez toma conta dos minutos e se a senhora das horas. A fraqueza cede lugar à robustez da hora final.

Os sonhos dormiam sob as escadas das estações aguardando a sua vez de viajarem para bem longe. Nos jardins em frente às estações, jardineiros arrancavam avencas, lírios, rosas, dálias e plantavam ervas daninhas. A alma cansada se refugia silenciosa e cabisbaixa na caverna do esquecimento. A desvalorização dos sentimentos e das emoções se completa.

A vida será muito melhor aproveitada quando as pessoas se conscientizarem que, diante da fragilidade, das ilusões e das frustrações, existe algo que nos liberta, que nos faz viver plenamente todos os dias. Aprendemos com ele a valorizar o que tem valor e a menosprezar as coisas fúteis que só desbaratam a nossa existência. É o Amor que nos liberta das amarras, das prisões que a sociedade nos encarcera. Ela nos faz conhecer apenas um amor sensual, egoísta. Amar é fazer para o outro o que queremos que façam para nós, mas sem esperar a reciprocidade. Quando amamos deixamos de ser o que somos para sermos o complemento do outro, na tentativa desesperada de abrandar a dor da nossa solidão de seres vagando pela existência. A dor do conhecimento de que seremos poeira esquecida no tempo é resgatada pelo Amor que nos faz perpetuar no outro o nosso ser. No âmago do amor cessaremos de morrer e alcançaremos a eternidade dentro do outro ser. O amor nos reconcilia com a vida e com a nossa fragilidade perante o tempo e a morte.

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