Certa vez havia um casal que, de tão apaixonados que eram, atraía olhares invejosos. O amor do casal era tão grande que se decidiram por casar pouco depois de se conhecerem, ao pôr do sol, perto do imenso carvalho.
Não haviam muitos convidados, mas isso não era o que mais importava ali. Estavam diante do sacerdote que realizaria o evento e nada parecia que atrapalharia aquele momento tão único e especial - ledo engano.
Oculto pela sombra de um tronco, um convidado não esperado espreitava a tudo.
Antes da consumação da união do casal com o beijo que representaria a felicidade eterna, a noiva levou a mão ao coração. Nada o amado pôde fazer. Sua amada prostrara-se, arfava, o fitou desesperadamente nos olhos e encerrou seu ato da vida.
Não é preciso descrever o quão desesperado esse homem ficara. Passou dias tentando punir seu corpo e mente a fim de buscar por uma anestesia que, sabia, jamais viria.
Ouviu então a respeito de uma feiticeira que habitava na floresta negra. Em seu desespero correu para o encontro da mesma, para conseguir de seu auxílio, não importando com o que tivesse de dar em troca. Chegando a cabana, antes mesmo de bater na porta, ela se abriu e antes mesmo de algo dizer, a feiticeira, de costas, foi-lhe dizendo:
- Sei o que deseja e tenho o que você precisa.
Nada conseguia ver de fato daquela pessoa. Ela usava uma capa escura e parecia ser mais alta do que a média das pessoas. Sua voz era afetada, rouca, entrecortada, indicando talvez, sua avançada idade. Olhou em volta da cabana e reparou que haviam muitos papéis, vidros, frascos com conteúdo líquido e... sólido. Haviam insetos, répteis e outros animais, das quais nunca havia visto, todos mortos. A feiticeira prosseguiu, sem que ele tivesse chance de lhe dizer qualquer coisa:
- Pegue esse frasco com líquido azul. – disse estendendo-lhe, sem se virar. Reparou que a mão da feiticeira era extremamente enrugada e embranquecida. Ao estender a mão para pegar o conteúdo, retirou bruscamente e disse-lhe, sem entregar o conteúdo: - Isso trará o que o seu coração deseja. Mas, se você não fizer o que lhe pedirei e cumpri-lo até o próximo pôr do sol, receberá uma maldição e será condenado a viver na solidão.
- O que você quer?
Sua face oculta não permitira ver, mas o esboço de seu sorriso maligno foi refletido pelas sombras de sua cabana.
- O coração de um rei.
Aquilo era impossível, mas sua determinação não poderia ser detida. Havia um rei na região vizinha. Por meio de sua espada e de ações furtivas, tinha certeza de que poderia abordá-lo.
Ele não tinha muito tempo, teria de fazer em meio a claridade. Sua determinação era tanta que empossou-lhe os pensamentos e ele matou 30 guardas até entrar no palácio. Ninguém poderia deter um exímio guerreiro e apaixonado ser – ledo engano.
Após ultrapassar sete torres, ouviu um choro de uma garotinha. Tentou se concentrar em seu objetivo, mas o choro da menina estava lhe perfurando mais do que qualquer espada afiada. Foi até os aposentos da pequenina e notou que não passava de uma jovenzinha de uns dois anos. Ela tinha os cabelos ruivos e estava em um cercado. Aparentemente o seu brinquedo de pelúcia estava longe de seu alcance. Pegou e entregou a garotinha que parou de chorar no mesmo instante e deu-lhe um sorriso. Aquilo lhe tocou e não foi a única.
Rapidamente se dobrou de dor ao receber uma flechada. Sua distração entregara sua vida, estava certo disso. E quando pensava que morreria, estava sendo carregado por guardas que o depositaram em um calabouço.
Faltava pouco para o pôr do sol, mas já havia desistido. Não poderia tirar a vida do homem que abrigava a angelical criança, então, sua vida estaria acabada. A flechada apenas atingira-lhe o ombro e já havia sido extraída, mas a maldição viria.
Amparou-se perto da pequena janela em grades que havia em sua cela e fechou os olhos quando o sol se foi, a maldição estava chegando.
Olhos humanos não poderiam contemplar todas as cores que se formaram cercando aquele jovem tão apaixonado. Tantas cores eram que, o que os guardas contemplaram foi apenas uma luz branca muito forte. Mas eu contei! Eram 235 cores. Uma mais viva do que a outra.
Ao se esvair dela surgiu um gato alaranjado que foi tomado pela tão grande habilidade felina. Correu dali tão rápido, passando por entre as grades e pelos portões do palácio que nenhum deles percebeu. O homem havia sumido!
O outrora homem apaixonado, assustado com suas novas habilidades correu ao encontro da feiticeira quando a ouviu conversar com algum ser místico. Ela gargalhava! Aproveitando-se de sua mansidão felina e sua fácil habilidade de se esconder se pôs a ouvi-la, ainda não a vendo, e ela dizia:
- Como é bobo aquele homem! – Gargalhava a feiticeira para alguém ou algo. – Ele nunca conseguirá trazer o que peço. Enquanto isso eu ganho mais poder por conseguir enfeitiçar e corromper um coração que amara verdadeiramente.
Ela fez uma pausa e disse, como se respondesse a algum ser invisível e inaudível:
- Ah claro que ele já está enfeitiçado. Mas o que um pobre gato poderá fazer contra uma tão poderosa feiticeira? O quê? Ele está aqui?
Ela retirou a capa e o gato pôde ver uma majestosa mulher, alta, sem uma falha na pele, cabelos brancos como a neve e lisos que pendiam até o chão. Seus olhos eram de azuis tão claros e cintilantes que eram capazes de cegar qualquer um que os encarasse diretamente.
- Eu sei que está aí, – falou a feiticeira, agora com a voz mais angelical que já ouvira – apareça!
Não se moveu, então a feiticeira continuou:
- Você foi muito tolo. – Riu angelicalmente e mudou para um tom sereno de voz. – Eu matei a sua amada, destruindo um genuíno amor a fim de recuperar minhas forças. Você me deu esse presente, por isso mesmo não vou mata-lo. Pode aparecer... Farei de você meu ajudante, posso até te entregar a poção que te prometi, mas a maldição não será quebrada! Kya Kya Kya – riu mais uma vez, enquanto exibia o frasco com líquido azul.
Como se acordasse naquele instante o, agora gato, pulou, assustando a feiticeira sobre ela, empurrando-a no caldeirão fervente e despejando o líquido azul no rosto dela, desfigurou-a até que ela evaporou. Os gritos da feiticeira puderam ser ouvidos a dezenas e dezenas de quilômetros de florestas. A tudo o gato observou e mantinha um olhar frio. Alguns minutos depois de todo o barulho cessar, algo atraiu a atenção do gato. Um par de botas estava depositado em uma espécie de trono no local para o qual a feiticeira outrora se dirigia. Pulou e velozmente pegou as botas e a capa que tanto cobria aquela velha bruxa e ocultou-se nas sombras da noite.
Muitos foram atraídos pelos gritos que, ao chegarem e arrombarem a entrada daquela cabana, pela qual sabiam que vivia uma criatura má, a ninguém encontraram. Tudo o que observaram era um líquido branco luminoso que se espalhava pela madeira e a tudo levava como um ácido. Logo o líquido explodiu, mas todos conseguiram escapar com vida, pois um valente gato jogara uma capa mágica que os protegeu em meio a destruição da cabana.
Em agradecimento ao seu gesto heroico o rei, que outrora ele tentara matar, o convidou a viver no palácio e, embora fosse um animal, seria honrado como a um dos seus mais queridos e fiéis servos.
Ao chegar no palácio, a pequena menina de cabelos ruivos, que não estava no cercado, apressou-se a acolhê-lo e, reparando que o gato usava botas disse suas primeiras palavras:
- Bota... Gato de Botas!
A partir daquele dia ele foi conhecido como o valente "Gato de Botas".
E assim tem sido...
xxLCordeiroxx
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CONTOS DA FLORESTA
FantasyE se as histórias que conhecemos dos contos de fadas, heróis medievais e contemporâneos fossem contados pelo ambiente em que ocorreram? Acompanhem esses contos de histórias recontadas e recriadas em meio a uma floresta encantada.