A LENDA DE CACHINHOS DOURADOS

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Certa vez uma garotinha de pele muito clara e cabelos cacheados se desgarrou da mãe e não conseguiu mais encontrá-la. Tratava-se de uma garota peralta, que amava contrariar os que eram mais velhos que ela, mas acabou sendo punida severamente por esse comportamento. Por não ouvir sua mãe, distraiu-se com alguma espécie de filhote de ave desconhecida por ela e grotesca, e não pôde mais achar o caminho de volta.... Sua mãe também não a procurou, havia sido abandonada!

Condenada a vagar pela floresta, a pequena humana passava os dias procurando por água e comida e a noite, abrigava-se em cavernas e armações improvisadas.

Algum tempo se passou e, já não aguentando mais o estilo de vida que levava e totalmente arrependida de suas desobediências, a garota clamou, de todo o coração, para que encontrasse um caminho. Saiu da caverna em um rompante e percebeu um brilho longínquo. Um feixe de luz aparecera próximo da região de seu coração e parecia chama-la. Seguiu a luz, mas, quanto mais andava, mais distante parecia que ficava do local de onde o seu guia emanava.

Estava cansada, faminta, com frio e outra lua se aproximava. Desde que saíra da caverna passara-se duas luas e a distância de seu destino, o que a mantinha com esperança, parecia mais distante. Enquanto o feixe de luz ainda estava em direção ao seu órgão bombardeador, desfaleceu na árida terra da parte mais densa da floresta. O feixe de luz parecia que desistiria, assim como a pequena garota, e estava se apagando... Seria o fim da pobre jovem? Ainda não...

Repentinamente, uma luz muito mais forte do que aquele pequeno feixe fosforescente irradiou a pequena garota, que foi desperta, não apenas pelo estímulo visual, mas podia crer que, algum animal havia lambido sua testa. Ao despertar temerosa, pôde apenas ver uma pequena sombra que andava de modo bípede e... parecia usar botas! Devia estar imaginando coisas. Mas o que era aquilo? Estava coberta com alguma espécie de lençol ou capa e um prato de leite estava ao seu lado, junto com alguns biscoitos. Há quanto tempo não ingeria dessas iguarias? Embora o alimento não fosse o suficiente, sentiu suas forças renovadas e a capa não deixava que o frio noturno lhe sobrepujasse.

O sol despontava por entre as copas das árvores e, mesmo ele, não era capaz de ofuscar o seu não mais feixe de luz, mas agora, sua onda luminosa. Decidiu não deixar a capa ali, ela tinha uma belíssima cor rubra e, toda vez que se aproximava de alguma criatura indócil, ela acabava se afastando. Os seus passos também pareceram ficar mais rápidos e logo o seu destino chegaria. Seu coração agora estava aquecido e estava confiante. Talvez poderia reencontrar a mãe e viver feliz em casa novamente, reconquistando o amor dela e a obedecendo em tudo.

Cento e dezesseis passos depois, a humana chegou ao seu destino. Ou pelo menos, para onde a luz lhe guiou e apagou-se. Encontrou uma cabana bem jeitosa, convidativa. Estava amurada por pedras e barro, dispostos de modo bem sólidos, com uma porta e duas janelas em sua frente. Também tinha uma chaminé e, dela saia um vapor mais convidativo para o estômago pouco alimentado da pequena criatura perdida.

Sem muito pensar, a garota foi até a porta e a bateu por três vezes. De lá ninguém saiu... Decidiu abrir a porta de casa e, sorrateiramente seguir seu olfato. Chegou a cozinha e encontrou, dispostos a uma mesa, 3 pratos que continham uma sopa... Não, uma espécie de mingau amarelado, feito com leite, farinha de trigo e milho. A garota, animada, dirigiu-se ao maior prato, mas ele estava muito quente. O segundo prato, não era tão grande quanto o primeiro, mas também estava muito quente. Dirigiu-se ao terceiro que era o menor e parecia estar no ponto. Faminta, alimentou-se de tudo que ali havia. Agradeceu por ainda ser pequena, afinal, aquele alimento pareceu-lhe o suficiente para arrebatar-lhe a fome, pelo menos naquele momento.

Estava cansada e avistou três cadeiras. Tentou subir na primeira, que era muito grande e muito dura, lhe era desconfortável e lhe perturbava a região do cóccix. A segunda cadeira também era grande, mas menos do que a anterior. Esta era macia demais e sentia que não pararia de afundar. Por sorte, a capa que estava usando segurou-a no amparo de braço da cadeira e ela conseguiu sair de lá. Dirigiu-se para a terceira cadeira que parecia apropriada para si. Sentou-se nela, mas logo mudou de ideia.

Se ali era uma casa, deveriam haver camas e... Há quanto tempo não repousava em uma? Sentiu-se cansada de súbito e decidiu se dirigir a outro cômodo. Encontrara facilmente um quarto com três camas. Como era esperta, sabia o que a esperava nas maiores camas então, logo se dirigiu para a terceira – que era a apropriada para o seu tamanho. E dormiu, envolvida pela capa rubra que ganhara de alguma criatura bondosa da floresta...

Algum tempo se passou e, se nossa pequena criança estivesse desperta, teria visto que dois imensos ursos a estavam fitando e percebido o que estava lhe acontecendo. Acordou e assustou-se, encolheu-se no canto da cama a fim de se distanciar daquelas grandes criaturas, mas logo aliviou-se, mudando o modo do medo para o do questionamento. Os ursos não pareciam querer machucá-la, muito pelo contrário, fitando seus olhos pôde perceber um sinal de afeto. Um afeto tão grande da qual nunca recebera na vida, nem mesmo de sua mãe. Foi quando reparou em si. Olhou suas mãos e elas haviam se transformado em patas com garras, seu corpo estava envolto por pelos e, por meio do reflexo do impecável chão reparou em sua face predadora de urso. Assustou-se no primeiro momento, mas logo deixou a capa sobre a cama e tudo pôde compreender. Toda a casa estava ajeitada a sua espera, ali era o seu lugar e, aqueles ursos, seus verdadeiros pais.

Em um abraço acalorado, pôde receber todo o afeto pelo qual sempre esperou, mas uma coisa ainda não entendia. Por que seus cabelos de urso, que lhe envolviam todo o corpo, eram dourados?

E assim tem sido...


**LCordeiro**

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