II - ALMA, PRINCÍPIO VITAL E FLUIDO VITAL
Há outra palavra sobre a qual igualmente devemos entender-nos porque é uma das chaves de toda doutrina moral e tem suscitado numerosas controvérsias, por falta de uma acepção bem determinada; é a palavra alma. A divergência de opiniões sobre a natureza da alma provém da aplicação particular que cada qual faz desse vocábulo. Uma língua perfeita, em que cada ideia tivesse a sua representação por um termo próprio, evitaria muitas discussões; com uma palavra para cada coisa todos se entenderiam.
Segundo uns, a alma é o princípio da vida orgânica material; não tem existência própria e se extingue com a vida: é o puro materialismo. Nesse sentido e por comparação dizem de um instrumento quebrado, que não produz mais som, que ele não tem alma. De acordo com esta opinião a alma seria um efeito e não uma causa.
Outros pensam que a alma é o princípio da inteligência, agente universal de que cada ser absorve uma porção. Segundo estes, não haveria em todo o universo senão uma única alma, distribuindo fagulhas para diversos seres inteligentes, durante a vida; após a morte cada fagulha volta à fonte comum, confundindo-se com o todo, como os córregos e os rios retornam ao mar de onde saíram. Esta opinião difere da precedente em que, segundo esta hipótese, existe em nós algo mais que a matéria, restando qualquer coisa após a morte; mas é quase como se nada restasse, pois não subsistindo a individualidade não teríamos mais consciência de nós mesmos. De acordo com esta opinião, a alma universal seria Deus e cada ser uma porção de Divindade; é esta uma variedade do Panteísmo.
Segundo outros, enfim a alma é um ser moral, distinto, independente da matéria e que conserva a sua individualidade após a morte. Esta concepção é incontestavelmente a mais comum, porque sob um nome ou outro a ideia desse ser que sobrevive ao corpo se encontra em estado de crença instintiva, e independente de qualquer ensinança, entre todos os povos, qualquer que seja o seu grau de civilização. Essa doutrina, para a qual a alma é causa e não efeito, é a dos espiritualistas.
Sem discutir o mérito dessa opiniões, e não considerando senão o lado linguístico da questão, diremos que essas três aplicações da palavra alma constituem três ideias distintas, que reclamariam cada uma um termo diferente. Essa palavra tem, portanto, significação tríplice, e cada qual está com a razão, segundo o seu ponto de vista, ao lhe dar uma definição; a falha se encontra na língua, que não dispõe de mais de uma palavra para três ideias. Para evitar confusões, seria necessário restringir a acepção da palavra alma a uma de suas ideias. Escolher esta ou aquela é indiferente, simples questão de convenção, e o que importa é esclarecer. Pensamos que o mais lógico é tomá-la na sua significação mais vulgar, e por isso chamamos alma ao ser imaterial e individual que existe em nós e sobrevive ao corpo. Ainda que este ser não existisse e não fosse mais que um produto da imaginação, seria necessário um termo para designá-lo.
Na falta de uma palavra especial para cada uma das duas outras ideias, chamaremos:
Princípio vital, o princípio da vida material e orgânica, seja qual for a sua fonte, que é comum a todos os seres vivos, desde as plantas ao homem. A vida podendo existir, sem a faculdade de pensar, o princípio vital é coisa distinta e independente. A palavra vitalidade não daria a mesma ideia. Para uns, o princípio vital é uma propriedade da matéria, um efeito que se produz quando a matéria se encontra em dadas circunstâncias; segundo outros, e essa ideia é mais comum, ele se encontra num fluido especial, universalmente espalhado, do qual cada ser absorve e assimila uma parte durante a vida, como vemos os corpos inertes absorverem a luz. Este seria então o fluido vital, que, segundo certas opiniões, não seria outra coisa senão o fluido elétrico animalizado, também designado por fluido magnético, fluido nervoso, etc.
Seja como for, há um fato incontestável, - pois resulta da observação, - e é que os seres orgânicos possuem uma força íntima que produz o fenômeno da vida, enquanto essa força existe; que a vida material é comum a todos os seres orgânicos, e que ela independe da inteligência e do pensamento; que a inteligência e o pensamento são faculdades próprias de certas espécies orgânicas; enfim, que entre as espécies orgânicas dotadas de inteligência e pensamento há uma, dotada de senso moral especial que lhe dá incontestável superioridade perante as outras, e que é a espécie humana.
Compreende-se que, com uma significação múltipla, a alma não exclui o materialismo, nem o panteísmo. Mesmo o espiritualista pode muito bem entender a alma segundo uma ou outra das duas primeiras definições, sem prejuízo do ser material distinto, ao qual dará qualquer outro nome. Assim, essa palavra não representa uma opinião: é um Proteu, que cada qual ajeita a seu modo, o que dá origem a tantas disputas intermináveis.
Evitaríamos igualmente a confusão, mesmo empregando a palavra alma nos três casos, desde que lhe ajustássemos um qualificativo para especificar a maneira pela qual a encaramos ou a aplicação que lhe damos. Ela seria então um termo genérico, representando ao mesmo tempo o princípio da vida material, da inteligência e do senso moral, que se distinguiriam pelo atributo, como o gás, por exemplo, que se distingue ajuntado-se-lhe as palavras hidrogênio, oxigênio e azoto. Poderíamos dizer, e talvez fosse o melhor, a alma vital para designar o princípio da vida material, a alma intelectual para o princípio da inteligência, e a alma espírita para o princípio da nossa individualidade após a morte. Como se vê, tudo isto é questão de palavras, mas questão muito importante para nos entendermos. Dessa maneira, a alma vital seria comum a todos os seres orgânicos: plantas, animais e homens, e alma espírita pertenceria somente ao homem.
Acreditamos dever insistir tanto mais nestas explicações, quanto a Doutrina Espírita repousa naturalmente sobre a existência em nós de um ser independente da matéria e que sobrevive ao corpo. Devendo repetir frequentemente a palavra alma no curso desta obra, tínhamos de fixar o sentido em que a tomamos, a fim de evitar qualquer engano.
Vamos, agora, ao principal objetivo desta instrução preliminar.
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O Livro dos Espíritos
SpiritualResolvi disponibilizar para aquelas pessoas que têm curiosidade de conhecer a doutrina espírita (espiritismo), mas não têm condição de comprar o livro por motivos diversos. Como percebi, aqui na plataforma existem outras edições desse livro, mas que...