Desde a década de vinte analistas e pensadores vêm percebendo a rápida e profunda transformação da sociedade. Há praticamente um consenso sobre as origens dessas transformações: o desgaste dos antigos valores morais e espirituais que, bem ou mal, sustentaram a sociedade até então. As duas grandes guerras ocorridas em nosso século são evidências desse processo de transformação, ao lado dos demais desarranjos observados no convívio de indivíduos e nações.
Chegou o momento de estabelecer-se novos princípios éticos para as relações interpessoais. Mas, o que é ética? Comentamos anteriormente que a moral dominante atua sobre o indivíduo de fora para dentro. É o conjunto de valores, normas, preceitos e preconceitos da sociedade num dado momento histórico. A ética consiste um processo de auto-educação, de autoadministração, de controle de nossa vontade através da razão. Portanto, a ética é um conjunto de princípios, de normas de vida voluntariamente assumidas pelo indivíduo. Ao contrário da moral, é algo que atua sobre nós de dentro para fora.
O filósofo grego Epicuro, tantas vezes mal compreendido e até distorcido em seus conceitos, desenvolveu uma ética que muito se aproxima daquela que nos apresenta o Espiritismo. Na sua pobreza e doença - Epicuro sofria de cálculos renais - desenvolveu um processo de busca do prazer e da felicidade através de mentalizações positivas, tiradas da memória, e usadas como contraponto em momentos de dor ou infelicidade. Ao contrário do que muitos pensam, Epicuro não defendia o prazer do corpo e sim o da alma. O prazer advindo da criação de um modo de vida que independesse da realidade exterior. Segundo ele, o homem está destinado ao prazer e à felicidade. Mas essa felicidade não lhe será dada pelos deuses ou outorgada pelos homens que compõem a sociedade; será o resultado de seu próprio esforço, da sua luta em obtê-la.
Para esse filósofo do século III antes do Cristo, é importante distinguir os espaços sobre o qual vive a criatura humana. O espaço público, que é aquele do convívio social, e o espaço privado, em que consiste nossa vida particular. O espaço público é ambiente de conflitos e antagonismos, e dele não podemos esperar a felicidade almejada. Esta só pode ser obtida no espaço privado, onde criamos nossas próprias regras. A felicidade pode ser construída e usufruída nesse espaço, nesse lugar íntimo, e em nenhum outro. Epicuro nos legou uma espécie de receita para o bem-viver no seu tetraphármakon; quatro posturas diante da vida que nos possibilita o alcance da alegria, do prazer e da felicidade. Essa "receita" pode ser sintetizada nas quatro seguintes frases que expressam seu pensamento. A primeira, "não há nada a temer quanto aos deuses"; a segunda, "não precisamos temer a morte"; a terceira, "a felicidade é possível" e a quarta, "podemos evitar a dor". Atualizadas e devidamente contextualizadas, isto é, adaptadas ao nosso cotidiano, veremos que essa receita é perfeitamente aplicável ao nosso viver. Deixaremos ao leitor o prazer de refletir sobre essas frases e aplicá-las à sua própria vida. Isso porque ninguém mais poderá fazê-lo em seu lugar.
Outro pensador da Antigüidade, também grego, e que se preocupou com essa questão foi Aristóteles. O seu livro A Ética, que chegou até nós, embora algo fragmentado, é um texto de orientação para o estabelecimento desse autocontrole tão necessário para uma vida feliz. Quanto ao método para vencermos nossos vícios morais eis o que o sábio nos recomenda: "O melhor conselho que se pode dar é o de estudar as inclinações que nos arrastam mais fortemente para um extremo, e então arrojarmo-nos para o extremo oposto: não sendo nós outros levados a este, mais facilmente alcançaremos o meio. Assim fazem aqueles que querem aprumar a nave. De resto, os conselhos são sempre insuficientes, porque, versando as ações acerca das coisas em particular, jamais podem ser exatos".
Os gregos antigos, com muito acerto, fizeram uma analogia entre o viver e o navegar. Assim como desenvolveram uma excelente técnica de navegação, acharam possível desenvolver uma técnica para o bem-viver. Nesse sentido, a ética tem na vida humana a mesma finalidade que o leme tem para a embarcação. Uma feliz analogia que ainda hoje, mais de dois mil anos depois, nos pode ser igualmente útil. A sabedoria grega continua se derramando sobre a humanidade, como uma fonte infindável de recursos para se compreender o homem e a vida. Se o presente é caótico, devemos e podemos buscar no patrimônio do conhecimento universal, os recursos para lutar corretamente, e com possibilidades de sucesso, pela felicidade pessoal, que se refletirá numa felicidade coletiva.
Por que tantas referências sobre a ética num capítulo sobre o estabelecimento de um projeto de vida? Simplesmente porque não há projeto de vida que dê certo se não for bem escorado em normas que estabelecemos, para nós e por nós mesmos, para executá-lo. O projeto de vida é o traçado consciente de nossos propósitos durante a reencarnação e mesmo para depois. É a definição das questões relativas à vida profissional, familiar, social e particular. O jovem pode e deve pensar nessas coisas. As mutações normais da puberdade e adolescência são por demais passageiras para que nos liguemos unicamente a elas e esqueçamos porque estamos aqui. A definição de um projeto de vida não é coisa que se faça de um momento para o outro. É a retomada, de forma mais consciente, de metas anteriormente traçadas, ainda nas esferas espirituais. Nesse contexto, até as pessoas às quais nos vinculamos têm sua parcela de colaboração ou de influência sobre nós e nossas vidas. Buscando na antiga Grécia, especialmente em Epicuro, mais uma analogia, diremos que essas pessoas constituirão o nosso jardim, o nosso ambiente grupal espiritual e terreno, com todas as suas características, boas e más.
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Adolescente, mas de passagem
Espiritual(Um ensaio espírita sobre a adolescência e a juventude) Paulo R. Santos Este livro é dedicado aos jovens espíritas. Que sirva como elemento incentivador da vida moral sadia e para a edificação do homem do terceiro milênio. A nova geração tem a...