Capítulo#1

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Desde cedo tenho uma ligação forte com arte. Qualquer tipo de arte. Começou
quando eu era criança (mais criança do que ainda sou). Eu desenhava e por
um longo período (de três meses) acreditei que um dia seria desenhista, uma
pintora incrível, conhecida no mundo inteiro pelos meus desenhos (que
eram uma bosta, para ser sincera). Eu fazia desenhos e entregava para a
família toda. Presenteava meus familiares com meus desenhos como se
fossem algo que eles realmente quisessem. E todos mentiam para mim,
dizendo que o desenho era bonito e que eu tinha muito talento. E eu acabei
acreditando.
Mas logo esse sonho de ser uma renomada pintora foi aquarela abaixo.
Minha mãe até que tentou me incentivar a fazer aulas de desenho, porque,
segundo ela, eu realmente tinha traços muito bons. Mas sabe como são as
mães, né? Não dá para confiar cegamente em alguém que te elogia até
quando você faz cocô (dentro do penico). E minha mãe sempre me elogiava
muito (mesmo quando eu não acertava dentro do penico). Minha mãe
sempre gostou de qualquer merda (literalmente) que eu fizesse.
Logo, no entanto, comecei a perceber que eu não desenhava tão bem
quanto as minhas coleguinhas da escola. E aí o desenho acabou virando só
um hobby. Um hobby bem inútil e que eu só chamo de hobby para não me
parecer tão vergonhosa a constatação de que eu desenhava tão mal. Chamar
o que você não sabe fazer direito de hobby pega bem. Fica a dica.
E fica também um beijo para dona Zeivanez, minha mãe, que tem
esse nome horrível. E que descontou a raiva de ter um nome esquisito em
mim, me chamando de Kéfera. Aliás, prazer: Kéfera Buchmann.
Eu me lembro da minha vida mais ou menos a partir dos cinco anos.
Deve ter acontecido alguma coisa legal antes, mas não lembro. Desculpem.
Bom, com cinco aninhos já tinha conhecido minha amiguinha Josiéne. (Que,
aliás, também tem um nome bem esquisito, assim como o meu. Sim, nossos
pais estavam a fim de nos sacanear, como você já percebeu.) Na verdade,
conheci a Josie quando tinha três anos. Bem, isso é o que os nossos pais nos
contam, porque com três anos de idade eu nem sabia que existia. Ainda não
estava muito ligada nessa parada chamada vida. Você, por exemplo, com
três anos ainda estava mamando na teta da sua mãe. Certo? Só estou te
lembrando para você se sentir meio mal.
Eu e a Josie brincávamos de ser alguma cantora gostosa do momento
(QUE FASE, HEIN?). Tínhamos nossas bonecas e a história era sempre a
mesma. Nossas Barbies namoravam um cara gostoso e rico e eram famosas
(cantoras ou atrizes), felizes, realizadas, magras, gostosas, desejadas e meio
vagabundas. Porque ser desejada e não sair por aí de piranhagem não tem
muita graça, né? Era mais ou menos como eu e a Josie imaginávamos que
seria nossa vida aos catorze anos. (Precoces para cacete, pois é, mas a gente
acabou desistindo da ideia de ser meio vagaba quando descobrimos que isso
não era algo tããão legal assim.) O sonho de ser artista e bem-sucedida,
porém, continuou vivo, bem mais que o fogo no rabo das nossas Barbies.
Contei toda essa besteira para reforçar que sempre me imaginei trabalhando
no ramo artístico. Só não sabia direito onde.
Com sete aninhos, lá estava a menina Kéfera entrando na primeira
série do ensino fundamental. O primeiro dia foi um desastre. Fui de
condução (junto com a Josie!) e logo de cara encontramos uns palhaços mais
velhos que começaram a nos zoar. Porque primeiro dia de escola sem sofrer.
bullying não é primeiro dia de escola. Aliás, quem diz que criança é um ser
inocente não sabe o que está falando. Crianças podem ser as criaturas mais
demoníacas que existem, por mais que digam o contrário. Sabe por quê?
Porque são sinceras demais. Criança olha para uma velha com o peito caído,
aponta, dá risada e diz que “ela vai tropeçar na própria teta”. E ainda
chamam de anjo? NUNCA! Adultos também não são seres puros e cheios de
luz, mas pelo menos evitam ser sinceros demais, porque sabem que a gente
tem uma coisa chamada coração e que existem outras chamadas problemas-
de-autoestima.
Voltando para os capetas que começaram a me zoar na saída do
ônibus, um deles era um loiro e, infelizmente bonito. Infelizmente porque
eu estava com ódio de ele ser bonito, porque ele estava me xingando. O
outro tinha uma carinha comum de criança demoníaca, então dane-se. Na
hora das ofensas gratuitas, não entendi muito bem o que estava
acontecendo e por que eles estavam sendo sacanas comigo. Eles me
chamavam de “bolinha” e “quatro olhos”. Se fosse hoje, mandaria eles
tomarem no cu, mas naquela época eu nem sabia o que era cu direito, então
acabei ficando quieta. Meus olhos começaram a se encher de lágrimas e
senti a primeira escorrer pela minha bochecha. A Josie também estava
assustada, me olhando sem entender o que estava acontecendo. Foi um
longo caminho de vinte minutos até finalmente chegarmos à nova escola.
Quando desci da condução, além dos capetas, vi um monte de
crianças abraçando os pais, chorando, rindo, se batendo. Vi pais correndo
atrás dos filhos, que pareciam ter cheirado alguma substância estranha,
tamanhas eram a insanidade e a energia que tinham. Logo me perdi da Josie.
Pensei: “Fodeu!”. Mentira. Não pensei “fodeu”, não. Afinal, eu tinha sete
anos. Mas fiquei muito chateada na hora, e com raiva dela por ter se
afastado de mim, dando a chance de nos perdermos uma da outra.
Primeiro dia em uma escola nova é como o começo do Big Brother
Brasil. Todo mundo se ama e fica amigo e uma semana depois estão se
odiando e fazendo macumba para os coleguinhas.
Conheci umas meninas que foram legais comigo e achei a maioria dos meninos feios. Os que eram bonitinhos já estavam de olho nas loirinhas
magras da sala. Foi com sete anos que eu comecei a perceber que eu era
meio diferente das outras garotas da classe. Elas tinham o cabelo liso e
comprido, enquanto o meu parecia uma vassoura de palha. Eram loiras, eu
tinha o cabelo castanho. Elas tinham olhos claros e eu, escuros. Elas eram
mais baixas, eu, mais alta. Elas eram magras, eu estava acima do peso. Elas
usavam produtos de marca, eu, minha caneta que tinha comprado na
lojinha de R$ 1,99.
Não preciso dizer que logo as loirinhas magras se tornaram as
populares, cheias de meninos correndo atrás, né? O que acontece sempre
nos filmes adolescentes americanos. Se eu pudesse determinar quem seria
escolhida a bonitinha da escola naquela época, teria indicado uma mulata
delícia meio Globeleza, para sair desse maldito padrão das loirinhas magras.
Mas éramos criancinhas sebosas que não sabiam direito o que estava
acontecendo.
Não demorou muito para o pessoal da minha classe me escolher como
objeto de zoeira. E em pouco tempo eu já odiava a escola inteira e vice-versa.
Sempre fui o tipo de garota que atrai treta. Talvez fosse porque eu fazia
muita besteira. Os meninos começaram a me perseguir, passando a me dar
apelidos muito “carinhosos”, como: balão, rolha de poço, saco de areia,
balofa, pneu de trator, bolo fofo, pudim de banha, baleia, barril
destampado, bujão, Free Willy, porpeta, polenta, almôndega, chupeta de
baleia, saco de banha e por aí vai... O povo era criativo, preciso admitir.
Relembrando agora, é engraçado. Mas na época doeu bastante. Tipo, muito
mesmo. Eu odiava ir para a escola. Chorava todos os dias. E me culpava por
estar crescendo (tanto cronologicamente quanto para os lados). Achava que
se eu não estivesse ficando mais velha, não precisaria enfrentar a escola.
Desejei ficar no jardim de infância para sempre. E olha que eu nem sabia o
que me esperava.
Bullying é coisa séria
É comum crianças se ofenderem e até se xingarem na escola. É assim
desde que o mundo é mundo. A diferença é que alguns meninos e meninas
levam numa boa e deixam os xingamentos que ouviram para trás. Outros
carregam isso para a vida toda. Sou assim. Levei para a vida todos os
xingamentos que recebi, como conto neste livro.
Para quem ainda não sabe, na definição de Cleo Fante, pioneira no estudo
desse assunto no Brasil, bullying é “quando um estudante (ou mais), de
forma intencional, elege como alvo outro (ou outros) contra o qual desfere
uma série de maus-tratos repetitivos, impossibilitando a defesa”.*
Eu sempre fui gordinha e sofri muito com isso. Passei por todo tipo de
humilhação possível na época da escola e isso foi o motivo da minha
infelicidade por anos. Não é fácil consertar a cabeça de um ser humano que
foi tão ridicularizado, digo do fundo do coração. Então é preciso combater o
bullying.
“Ah, mas é só brincadeira”, vai ter gente insistindo. Se existe a menor chance
de a pessoa ficar muito chateada, triste mesmo, então não é mais piada,
brincadeira. Se você sofre bullying ou conhece alguém que passe por isso,
peça ajuda aos seus pais, amigos ou professores. Tem vergonha? Não é para
ter. É enfrentar a vergonha ou correr o risco de arrastar o fantasma da
humilhação pelo resto da vida.
* Entrevista ao Portal do Professor disponível em:
http://portaldoprofessor.mec.gov.br/conteudoJornal.html?idConteudo=930.
(n. a.) .

#comente #sigam 😘😄😘❤
Capitulo 2 posto amanha !.

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