Por causa dos apelidos, xingamentos, ofensas e discriminações por ser
gordinha, acabei me isolando. Cresci sendo uma criança insegura. Eu já
estava acostumada a não ser escolhida nos times de basquete na educação
física e a ficar sempre por último. A professora me colocava em qualquer
time e a reação era sempre a mesma: “Ah, não! A Kéfera não sabe jogar.
Troca ela de time, professora”. Eu ficava meio puta e me vingava da maneira
mais inofensiva possível, que era: não fazendo nada. Quando me colocavam
em um time, eu me mexia na velocidade de uma tartaruga com reumatismo.
Quando a bola (por acaso ou por um milagre) chegava até mim, fingia que
não via e chutava ela para longe (sim, eu chutava a bola em um jogo de
basquete: ops!). Sei que eu poderia ter tentado ganhar e deixar o meu time
orgulhoso. Quem sabe eles começariam a gostar de mim, né? Mas preferi ser
do contra e fingir que não me importava.
Parecia que se eu tentasse conquistar os inimigos seria pior. Como dar
o braço a torcer. “Vocês me odeiam? Então vou dar motivo.” Era mais ou
menos o que eu pensava na época. Foi um jeito de tentar me defender da
chuva de zoações. Tentei fazer essa linha fortona por um tempo, mas acabei
me rendendo à ideia de tentar ganhar os jogos de basquete, futebol, vôlei,
xadrez, peteca etc., o que não funcionou do mesmo jeito. Eu não era boa em
nada. Fui uma criança meio burra e molenga.
Não era boa em matemática, logo não podia passar cola para ninguém
para tentar me tornar a nerd querida da turma. Era mais ou menos boa em
português, mas não sabia, por exemplo, as regras para usar “por que” e
“porque”. Não era boa em história, porque nunca entendi a diferença, se é
que existe (tá, sei que existe), entre a Revolução Francesa e a Revolução Inglesa. Nunca soube dizer direito o que um príncipe fazia. Eu sabia que
fazia tempo que a escravidão tinha sido abolida e que uns caras tinham
arrastado blocos de cimento para construir as pirâmides no Egito. Malditas
pirâmides, aliás. Aquela pirâmide de Quéfren sempre foi motivo de piadinha
por causa do meu nome. Cacete, Quéfren, tinha que ter dado esse nome
para a porra da pirâmide? Não podia ter sido, sei lá, “Alcides”? Inferno.
Mas tinha uma matéria na qual eu era muito boa: artes. “Grande
bosta”, muita gente vai dizer. Ninguém dava importância de verdade para
artes. Ninguém fazia os trabalhos. Todo mundo tinha nojo de pegar em
argila e ninguém sabia que existiam cores primárias. Eu sabia. Só que
ninguém conseguia ser popular e legal em um colégio por entender de artes.
Ou seja: para os outros alunos, eu simplesmente não era inteligente, nem
magra, nem bonita. Eu estava fodida.
Sempre era elogiada pela professora de artes, que me incentivava,
então eu me interessava mais pelas aulas. Ficava muito feliz quando tinha
aula de artes. Era só uma vez por semana, sendo que matemática eram umas
cinco vezes ou mais. O que eu achava, e ainda acho, muito errado. O sistema
escolar ainda considera mais importante sabermos mais sobre números do
que sobre Picasso. Por quê? Qual o problema se você não nasce com vocação
para achar o “x”? Sempre senti falta de incentivo a qualquer tipo de arte
enquanto estive na escola. A aula de artes era vista apenas como “a aula do
tempo livre”. Cada um fazia o que queria, e por mais que a professora fosse
meio brava, o pessoal não a levava muito a sério.
Nos trabalhos em grupo em que fazíamos apresentações para a turma
toda, independente da matéria, eu sempre arrasava, modéstia à parte. Tinha
facilidade para falar em público. Sempre rolava aquele nervosismo antes de
o professor chamar o meu grupo para ir até a frente do quadro-negro, lógico,
mas passava quando eu começava a falar e via que ele estava com aquele
sorrisinho bobo no rosto de quem está pensando: “Olha só quem estudou a
matéria e realmente prestou atenção no que eu estava falando!”. Na maioria
das vezes, claro, eu não fazia ideia do que estava falando. Só tinha facilidade
para decorar e abusava desse meu incrível “talequando Não estou dizendo que a escola é uma coisa inútil. Muito pelo
contrário. Lá você vai aprender lições importantes até mesmo para a
construção do seu caráter e da sua personalidade. Também pode, quem
sabe, descobrir qual é a sua vocação. :)
Eu não lembro o que fiquei fazendo durante um ano na primeira série
do ensino fundamental. Aprendi a colorir desenhos e tentei fazer letra de
caligrafia. Mas não funcionou. Hoje, quando escrevo, minha letra é pior do
que quando eu tinha oito anos, que era a minha idade na época. E sobre
colorir desenhos, prefiro não comentar. Fica a dica caso você esteja
pensando em me contratar para pintar desenhos para pendurar na parede
da sua casa.
Foi na segunda série que tive uma das professoras mais legais da
minha vida. Ela tinha mau hálito, mas continuava sendo uma ótima pessoa
(apesar do cheiro de gente morta que saía da boca dela). Essa professora
sempre deixava recados na minha agenda, me entupia de adesivos de
estrela e frases bonitas. Eu desabafava com ela sobre me sentir o patinho feio
da turma, e ela me entendia, porque também se sentia assim.
Minhas amiguinhas estavam começando a se interessar pela ideia de
ter um namoradinho. Aqueles famosos namoros de colégio, nos quais se o
menino encostasse na nossa mão a gente saía correndo. E era só isso mesmo,
até porque nessa idade nem sabíamos o que era namoro direito. Nem selinho
rolava, porque tínhamos nojo de imaginar nossas bocas encostando na de
um menino (imagina se contassem para a gente naquela época que um dia
nossas bocas encostariam em coisas piores).
Nunca entendi o jeito esquisito como o amor se manifesta quandas somos crianças. Os meninos nos xingavam e nos perseguiam e nós saíamos
correndo atrás deles até conseguirmos dar um soco na boca do estômago
daqueles projetos de homenzinhos babacas. Não faz sentido expressar amor
dessa maneira, faz? Talvez. Se a gente parar para pensar, hoje em dia isso
também acontece de certa maneira.
Antes os meninos nos xingavam e nos perseguiam. Os caras hoje
falam barbaridades sobre a gente para os amigos, sobre o que fariam caso
tivessem a oportunidade de ficar sozinhos com a gente. Nada parecido com
“queria muito beijar a fulana!”. Dizem coisas pesadas, e nas conversas parece
que somos gado. Sabe boi que se vende em leilão? Tudo bem que nós,
meninas, não somos santas e também falamos dos meninos.
Eu disse que “saíamos correndo atrás deles até conseguirmos dar um
soco na boca do estômago”. Hoje também acontece algo parecido. Mas na
verdade não somos nós que chegamos dando um soco na boca do estômago
de ninguém, e sim a vida. Ela vem, faz você se apaixonar e te dá um belo
murro na barriga. Porque, cá entre nós, isso de se apaixonar é uma das coisas
mais difíceis e dolorosas que existem. Ainda mais na adolescência, porque
ainda não estamos calejados o suficiente para saber fazer o relacionamento
dar certo.
Paixões, paixonites, paixões platônicas, paixões (supostamente)
eternas... Qualquer paixão faz a gente sofrer. Mas vamos deixar para falar
sobre quanta raiva eu sinto de me apaixonar daqui a pouco.
Voltando aos meus oito anos, eu não fazia sucesso entre os meninos
da escola. Não demorei muito para descobrir isso. Por exemplo, acontecia
muito de um garoto perturbar e infernizar uma menina por um tempo, para
logo depois assumir que gostava dela. Mas no meu caso a zoeira nunca tinha
fim. Ou seja, eles estavam me zoando porque realmente não estavam
interessados. Eles me achavam diferente das outras meninas. Foi aí que
comecei a achar que, para agradar os outros, precisava me encaixar nos
padrões que faziam sucesso entre os meninos da minha escola e,
consequentemente, de outras escolas também.
E foi uma grande cagada. Ser maria vai com as outras é uma das piores coisas que você pode fazer com você mesma. Não faz sentido ficar
imitando os outros. E eu sei que é completamente normal, mas acho que não
precisamos passar por essa fase. A única vantagem de fazer isso nessa idade
é que é bom errar quando a única preocupação da nossa vida é chegar em
casa a tempo de assistir desenho e comer os nuggets que nossa mãe
prometeu fazer.
Nessa fase, com uns oito anos, você começa a perceber que existe um
certo tipo de beleza que se destaca, porque é do gosto comum. E isso é um
grande choque. E aí ou você muda completamente até se adaptar ou chegar
perto de ser essa pessoa, custe o que custar, ou tenta convencer a si mesma
que o legal é ser você e ponto. EU FUI PELO CAMINHO MAIS DOLOROSO.
TENTEI SER OUTRA PESSOA ANTES DE SER EU MESMA.
Todo ano tinha a menina mais popular e bem aceita da escola, e era
esse o exemplo do qual eu ia atrás. Mas sempre acabava dando errado.
Eu queria ser loira, ter cabelos lisos, olhos claros, cílios compridos e um
corpo que começasse a chamar a atenção. E também queria um Nike Shox.
QUE FASE, HEIN?
Já começou tudo cagado: eu não era loira, tinha oito anos e minha mãe
jamais deixaria eu mudar a cor do meu cabelo com aquela idade. E ela estava
certa. Imaginem uma criança de oito anos com a cabeça inteira descolorida?
Eu precisava fazer escova todos os dias para tentar deixar meu cabelo
liso, e imaginem a habilidade e a coordenação motora necessárias para
segurar uma escova e um secador pesado quando você tem oito anos de
idade. Sobrava para minha mãe, mas ela quase nunca tinha tempo. Ou seja,
eu sempre estava com o cabelo meio vassoura de palha.
Ganhei meu primeiro sutiã com quatro anos, mas foi só charme,
porque não tinha nada que preenchesse aquilo. Na verdade, eu nem me
lembro quando ao certo eu teria que ter começado a usar sutiã. Era
apertado, me deixava irritada e era megadesconfortável. Também botei na
cabeça que usar sutiã me dava calor. Pois é, não faz o menor sentido, eu sei.
Mas demorei para me acostumar. Até hoje odeio usar e choro. Mas precisa,
né? Se não eu ficaria com o peitinho murcho de uma índia que amamentou
vários filhos desde os catorze anos de idade.
Sobre já ter desejado ter um Nike Shox, prefiro não falar nada a
respeito. O fato de algum dia eu já ter achado legal aquele negócio com
molas me deixa tão chocada que não consigo me explicar.
Resumindo, não querer ser eu mesma estava transformando minha
vida em um inferno.#comente e #sigam pra ficar por dentro de tudo !😊❤