Quando eu era criança, sempre passava as férias em Guaratuba, uma praia do
Paraná. Todas as vezes que eu ia para essa praia era um parto. Conforme fui
tendo problemas com a minha autoestima, ficar seminua não era o meu
passatempo favorito. Eu via e convivia com meninas da minha idade que já
estavam ficando gostosinhas.
Vivia me escondendo, usando blusas e camisetas largas ou me
enrolando em toalhas de banho e, às vezes, cheguei ao ponto de evitar ir à
praia (o que fazia sempre com minha mãe e minha avó) e ficava em casa
chorando por não me sentir igual às outras. Chorava também por perder
possíveis momentos legais em que poderia me divertir. E em vez disso, estava
em casa reprovando o que via no espelho. Era um saco.
Eu tinha vizinhas de casa de praia. Eram quatro meninas: três delas
tinham onze anos e a quarta, treze. Eu era uma criança muito gente boa e
me esforçava para me entrosar (modéstia à parte), então aproveitei para
fazer amizade com elas. Mas minhas vizinhas usavam roupas curtas e justas,
e eu, bem… Usava roupas compridas e largas. Lembro que quando íamos
para a piscina e uma delas colocava uma blusa minha depois de se secar,
parecia que estava usando uma roupa de uma tia gorda e velha. E eu
reparava, lógico. Mas até aí nada de mais: pessoas têm tamanhos e alturas
diferentes. O maior problema mesmo era ficar de biquíni perto delas, tão
magrinhas e esbeltas enquanto eu não estava na minha melhor forma. Nós
íamos até a sorveteria e os meninos sempre lançavam olhares e piscadelas.
Para elas. Para mim? Nada. Eu era a amiga gordinha gente boa que fazia a
ponte entre o menino bonitinho e a vizinha gatinha.
Existe sempre essa menina que ninguém quer pegar, mas de quem todo mundo é amigo e que todo mundo usa como exemplo de desgraça.
— Para de reclamar da vida, Suzana! Ele nem te merecia. Você tem
amigos que te amam… Olha a Kéfera, por exemplo. Tadinha. Ela sim tem
problemas de verdade.
Na maioria das vezes a pessoa nem termina a frase. Só cita seu nome
como objeto de pena e pronto.
Voltando às minhas vizinhas, elas eram bem “maduras” para a idade.
Lembro que sentávamos na calçada para conversar e elas ficavam falando
como tal garoto era gostoso e como queriam beijar o outro etc.
Eu ficava com aquela cara de figurante de Malhação, fingindo que
estava entendendo o que estava acontecendo e sobre o que elas estavam
falando. Mas a verdade é que demorei um certo tempo para compreender o
que significava chamar alguém de “gostoso”. E nem vem você, leitor, rir da
minha cara dizendo que eu era virjona (o.k., eu realmente era). Não estou
querendo me fazer de santa, mas eu pensava: “Por que estão dizendo que ele
é gostoso? Alguém já lambeu essa pessoa para saber se ela é realmente
gostosa?”. Até elogios meio sexuais eu relacionava com comida.
Minhas vizinhas já estavam ligadas na malandragem e estavam
pegando geral com ONZE ANOS DE IDADE. ÉÉÉ! VAI, BRASIL!
EU acho meio precoce, mas está cada vez mais normal isso de a
criançada beijar mais pessoas do que uma senhora de setenta anos já beijou
na vida. Isso enquanto ainda nem tomaram a vacina para catapora.
Não vou dizer se acho certo ou errado. Se a menina quer ser precoce,
ela que beije quem quiser. (Tá, na verdade, acho errado para cacete ser
precoce e transar cedo.) Mas entendo que existam crianças precoces. E isso
acontece porque falar sobre sexo ainda é um tabu para os pais, mesmo
sendo óbvio (para mim) que é melhor iniciar a conversa cedo em casa. Para as
crianças não ficarem totalmente perdidas e acabarem se informando com os
amigos.
Sei que devem existir meninos e meninas que ainda não passaram
pela experiência de perder a virgindade e que estão lendo este livro, mas
acho que é um assunto que vale ser tratado aqui. Tem muitos pais que ainda ensinam para os filhos que fazer sexo é uma coisa feia e errada. Mas não é.
Quase todos somos fruto do sexo que nossos pais fizeram. Esquece esse
negócio de cegonha. Descobrimos logo cedo que não fomos trazidos por um
pássaro gigante.
Tudo bem que sou nova e não tenho filhos, mas prefiro passar aqui o
que minha mãe me ensinou em vez de deixar que muitos meninos e
meninas acabem indo atrás de informações erradas. Lembrando que essa é a
minha opinião e que não sou a dona da verdade, o.k.? Mas eu sinto que os
“jovens de hoje” (nossa, Kéfera, que tiazona, hein?) parecem que nasceram
ansiosos, com a necessidade de pular etapas da própria vida. E a falta de
informação aumenta essa ansiedade.
E é uma pena essa pressa. Eu acho a infância uma coisa deliciosa.
Morro de saudades de brincar de boneca. Queria voltar uns anos só para
achar graça novamente nisso. Até poderia pegar umas bonecas e tentar
brincar de novo, mas algumas coisas perdem o encanto depois de um
tempo. Parei de brincar aos onze anos, que é aquela época chata em que
você está entupida de hormônios e saindo da fase criancinha para entrar na
pré-adolescência. E por mais chato que seja esse período, sinto falta do
“encantamento” de muitas coisas.
Com o passar dos anos, as coisas legais vão ficando chatas. Então
vamos parar com isso de querer ser adultos logo. Ser adulto é um saco. Eu sou
nova, mas posso dizer isso a vocês porque já tenho responsabilidades e
tarefas que me exigem muito para a pouca idade que eu tenho.
AMADURECER PODE SER UM SACO.
A vida exige que você cresça e assuma diversas responsabilidades das
quais não pode fugir (contas a pagar, trabalho para fazer, dinheiro para
controlar, reuniões etc.). Então dá um desespero de ver tanta criança virar
gente grande logo, porque eu sinto saudades de quando a minha única
reclamação na vida era ter que estudar para uma prova de matemática.
Chega uma hora em que você percebe que a sua infância passou e aí bate
um vazio. Algo do tipo: “Merda, eu cresci”.
Minhas vizinhas já armavam esquemas e combinavam de sair com os
meninos escondidas da tia delas. Não sei se essa tia fingia acreditar nas
mentiras deslavadas que contavam para ela ou se era realmente burra e não
enxergava o que estava acontecendo. Rolava bullying comigo (novidade!)
porque eu não beijava meninos aos onze anos. As meninas me pressionavam,
dizendo que eu já estava na idade de beijar na boca e que precisava fazer
isso logo com alguém para contar para elas.
Então topei ir em frente. Com onze anos, não tinha personalidade
nem cérebro suficiente para entender que estava sendo manipulada pelos
outros. Por isso acabei concordando que trocar saliva com um garoto era uma
boa ideia. Esquema armado. Arranjaram um menino para eu beijar. Eu
estava sem minha mãe na praia: dona Zeiva tinha voltado para Curitiba para
trabalhar enquanto eu fiquei lá para torrar minha bundinha no sol. Sem
mamãe, tendo por perto apenas tias meio lerdas demais para perceber que
eu estava prestes a fazer uma minimerda, pensei: “VAMO QUE É O QUE
TEM PRA HOJE!”. Na noite anterior ao meu primeiro beijo, minha mãe me
ligou.
— Oi, filha, tudo bem aí?
— Tudo.
— Tudo mesmo?
— Tudo.
— Mesmo?
A bruxa já sabia que eu ia aprontar alguma coisa e não queria contar
para ela. Insistiu tanto em perguntar se eu estava bem de verdade que
acabei desembuchando. Disse que as minhas amiguinhas me zoavam
porque eu nunca tinha beijado um menino na boca. Minha mãe concordou com elas e disse que eu era muito burra e que deveria ir lá e cuspir dentro da
boca do menino de uma vez.
MENTIRA!
Lógico que ela não disse isso! Se ela fosse uma mãe tão “vida loka”
assim, provavelmente eu já estaria grávida do meu segundo filho.
Na verdade, dona Zeiva disse que aquilo era bobagem e que eu não
deveria dar atenção para esse tipo de zoação. Ela disse que o meu primeiro
beijo tinha que ser algo que eu lembraria para sempre, e tinha que ser com
alguém que eu gostasse.
Eu me senti mais aliviada por ter contado toda a situação, que era
bem idiota, por sinal, mas na época parecia algo importante. No dia
seguinte, falei para as vizinhas que não queria mais levar aquilo adiante e
elas ficaram decepcionadas com a minha falta de sem-vergonhice.
No mesmo ano, um menino quis me beijar no cinema. Fui ao banheiro ligar
para a minha mãe e perguntar se podia dar um selinho nele. Dona Zeiva
disse que não. Dei meu primeiro beijo com quase quinze anos e foi muito
nojento. Na minha cabeça, o primeiro garoto que eu ia beijar era a pessoa
com quem ia me casar, porque acreditava em príncipes encantados. Mas fui
descobrindo que isso de beijar não funcionava bem assim. Em uma festa de
quinze anos de uma amiga, conheci o primo dela, que tinha a mesma idade
que eu.
Conversamos a festa inteira e eu fiquei angustiada o tempo todo,
porque estava “flertando”, demonstrando interesse e vendo o interesse dele em mim. Aquilo era totalmente novo, nunca tinha sido normal até essa
época ter garotos a fim de mim. E tudo que é novo me deprime um pouco
(porque sou esquisita, não tem nenhuma explicação lógica).
Conversa vai, conversa vem, minhas amigas ficavam dando risadinhas
pelas costas dele e me mandando beijinhos de longe. Elas estavam me
incentivando a beijar o primo da aniversariante. Eu não sabia como me
comportar e como agir. Era meu primeiro beijo e o mais próximo que eu
tinha chegado de uma língua até aquele momento tinha sido de uma língua
de boi que tentei comer e quase vomitei de tão nojenta que é a consistência.
(Também chorei em cima do prato de comida porque fiquei com pena do
boi. Quando descobri que é normal as pessoas comerem e GOSTAREM de
língua de boi, chorei mais ainda. Que galera esquisita. Tadinho do bicho e
que nojo, porra! É uma língua, você não sabe o que o boi lambeu enquanto
estava vivo.)
Eu estava sentada em um sofá e o garoto ia se aproximando cada vez
mais de mim, e eu ia instintivamente para trás. Mistura de medo com “não
quero lamber sua língua, sai daqui”. Mas uma hora pensei: já fui corajosa o
suficiente para um dia ter encostado a minha língua em uma língua de um
boi (que estava morto). Por que não encostar minha língua na língua desse
cara? E aírolou meu primeiro beijo.
O qual dei de olhos abertos, enquanto olhava com nojo para a boca
dele colada na minha. Foi babado e eu não sabia se parava para cuspir ou se
começava a chorar. Na dúvida, fiz os dois. E ainda dei um tapa na cara do
garoto. Por quê? Também não sei, mas tive meus minutos de fama durante a
festa e fiquei conhecida como “a trombadinha beijoqueira”.
Louca, eu sei. Depois disso, chorei uma semana e não queria sair do
meu quarto. Minha mãe tentava me explicar que beijar pessoas era normal e
que o primeiro beijo sempre era estranho porque era uma experiência nova.
Mas eu fiquei chateada de verdade porque o cara não era um príncipe
encantado, eu não ia e nem queria me casar com ele e, além de tudo, ainda
meti a mão na cara do coitado. Demorei, mas superei o trauma.P.S.: Nunca mais dei tapa na cara de ninguém que me beijou depois dessa
vez. Eu me acostumei com a ideia do beijo de língua e hoje em dia não saio
dando tapa em mais ninguém.