Voltando ao colégio católico, minha mãe estudou no mesmo lugar. Então tinha
todo um significado para ela eu estar matriculada lá. E o colégio era perto da
minha casa. E eu me acostumei com o bullying que rolava naquela escola (é,
também sofri bullying no colégio católico). Se mudasse para outra, uma
terceira, teria que passar por tudo aquilo de novo, esperar para ver quem
seria o babaca da vez. Sem falar que eu estaria sem nenhum amigo por
perto. Tudo bem que eu não era a pessoa mais enturmada do mundo, como
já disse, mas tinha um ou outro amigo que realmente gostava de mim.
Não era a mais enturmada, mas isso não era culpa minha. Eu até que
era bem empenhada em tentar fazer amigos. Sempre fui a gordinha alegre
que chegava puxando assunto e sendo legal, compartilhando um brinquedo
ou oferecendo um pouco do lanche. Tinha dias em que (não sei como) eu
acordava feliz e de bom humor, disposta a fazer bem a quem estivesse perto.
Eu sabia guardar segredo, por exemplo. Isso já é algo legal, não?
Aliás, sei guardar segredo até hoje. O que é bom para os outros, que
podem confiar em mim (modéstia à parte), e para mim, que sou
extremamente curiosa e adoro ficar sabendo de tudo sobre todo mundo.
Sou tipo a vizinha fofoqueira, mas sem a parte da fofoca. Eu só gosto de
saber das coisas. Não para usar a informação contra a pessoa um dia, mas
por gostar de saber o que se passa na vida dela, como ela se sente em relação
àquilo, o que a levou a fazer tal coisa e não outra… É um lado meio psicóloga.
Sempre fui muito fissurada no cérebro humano. Gosto muito de estudar a
respeito e aprender nomes técnicos, que parte do cérebro é responsável por
tal coisa. Fiquei viciada nisso porque muitas vezes acabei desvendando meus
problemas íntimos assim, estudando e entendendo a causa do que estava acontecendo.
Mas eu estava contando sobre como também tive minha época capetinha
na escola. Eu era uma peste e os amigos que fiz se tornaram pestes também.
Perdi a conta de quantas vezes fui expulsa de sala por causa de “conversa
paralela” (essa era a expressão mais usada pelos professores quando
estávamos falando ao mesmo tempo que eles). A gente achava que estava
conseguindo disfarçar, que ninguém ia ouvir e, de repente… Oi, de novo,
coordenadora!
Tive uma professora de espanhol que era muito querida. No começo
eu não ia muito com a cara dela, nem ela com a minha, mas depois de
alguns anos convivendo, a gente começou a se gostar. Ela percebia que não
tinha muito domínio sobre mim na sala, que era difícil eu prestar atenção na
aula dela, até porque eu odiava espanhol e achava aquela língua superdifícil.
Mas ela foi esperta. Se não pode contra seus inimigos, junte-se a eles. Não era
isso que dizia o ditado?
Então ela começou a me tratar muito bem e eu tentei passar a prestar
atenção na aula dela. Não deu muito certo, mas muito por conta do meu
déficit de atenção, que é bem acentuado. E eu continuei indo mal em
espanhol. Uma vez ela confessou que se sentia em uma aldeia indígena
quando dava aula para a nossa turma. Como se ela fosse uma intrusa que
ninguém respeitasse e de quem ninguém gostasse. Disse que nos via como
pequenos indiozinhos com flechas apontadas enquanto ela tentava
simplesmente fazer o trabalho de professora. Ela riu quando me contou isso,
mas eu percebi que estava triste de verdade.
O episódio me deixou com uma pontada no peito e eu parei de ser
babaca e fazer zona na aula dela. Desrespeitar um professor enquanto ele
dá aula é uma coisa tenebrosa se pararmos para pensar o mínimo. Ele está lá
tentando ensinar. Ou seja, está tentando fazer o bem pra você, e não o
contrário.
E digo mais: você pode achar a matéria chata, mas o professor
considera o assunto legal. E ele acha legal a ponto de ter dedicado boa parte
da vida dele a estudar aquele tema, enquanto nós ficamos agindo feito gorilas famintos em sala de aula. Mas é normal a gente não enxergar as coisas
dessa maneira quando é criança. Refletindo sobre isso, fica a dica: respeite o
seu professor independente de ele ser bonzinho ou não. Quando você
crescer e tiver um emprego, não importa o ramo, pense quão infernal será
sua vida se as pessoas te desrespeitarem gratuitamente e você não conseguir
ter o controle da situação.
Bem, lição de moral dada, vamos continuar com as minhas
traquinagens! (Traquinagens? Quem usa essa palavra? Me senti com oitenta
anos.)
Tinha um professor de português que me odiava muito. Ele nem
entrava na sala direito e já me expulsava. Uma vez perguntei por que ele
estava me expulsando se tinha acabado de chegar e eu (ainda) nem estava
fazendo zona. Ele respondeu que sabia que eu ia atrapalhar a aula dele em
algum momento e que estava me expulsando para garantir que eu não
fizesse nada de errado enquanto ele ensinava os outros alunos.
Também já fui pega diversas vezes mandando bilhetinhos ou
desenhando enquanto o professor escrevia no quadro negro. Já joguei bola
de papel amassado nos outros quando ninguém estava olhando, já fiz
barulho de pum com a boca e culpei o colega ao lado. Mas uma coisa que
tentei nunca fazer foi dormir em aula. Eu achava que se dormisse alguém ia
enfiar um bicho morto na minha boca ou algo assim. Exagero, eu sei. E era
bizarro porque, como todo adolescente, eu sentia muito sono quando a aula
estava chata e era difícil manter os olhos abertos, por mais que tentasse. Eu
me colocava no lugar do professor e me sentia mal. Eu me sentiria uma
bosta. Então, por respeito (que eu tinha sim, juro!), tentava não dormir.
Piscava demorado, bocejava muito, sentia minha cabeça pesar para a
frente. Meus olhos tentavam se fechar sozinhos. Mas eu sempre evitava
dormir. Não vou dizer que nunca dormi em aula. Uma vez aconteceu. E eu
nem era tão nova assim. Terceiro ano, dezessete anos, época de vestibular.
No cursinho em que eu estudava tinha uns trezentos alunos na minha sala.
E não estou exagerando: eram trezentos alunos por sala MESMO. Surreal, né?
Aula de matemática, professor meio chato. Ele começou a explicar alguma coisa cheia de “x” com fórmulas com nomes tão difíceis quanto o
meu, falando do cara que tinha enfiado 45 graus não sei onde no triângulo e
do “y” que a gente estava tentando achar. Ou alguma coisa parecida com
isso. E eu, como sempre odiei matemática e não levo o menor jeito para a
coisa — tenho dificuldade até de fazer uma conta de divisão com números
com vírgula —, acabei ficando sonolenta.
O cursinho era intenso, mais de cem exercícios de múltipla escolha
por dia como lição de casa depois de seis horas de aula. Eu estava me
empenhando e tentando ser alguém na vida, juro. Tentava fazer os
exercícios, mas quando chegava na parte de matemática só conseguia bater
com a minha própria cabeça na mesa e perguntar a Deus por que aquilo era
tão difícil e quando foi que ele achou que matemática deveria fazer parte
das nossas vidas. Não poderia ter criado a calculadora antes da matemática
em si? Cacete.
De volta ao dia da tal aula, meus olhos pesavam e eu estava rezando
para que alguma parte do prédio do cursinho explodisse e tivéssemos que
abandonar urgentemente o lugar para que eu pudesse deitar na minha
cama e hibernar pelo próximo mês. Mas nada explodiu. Só senti uma
cotovelada na minha costela e ouvi algumas risadas. Eu estava sentada no
fundo e acordei com 299 pessoas olhando para minha cara de sonsa
dormindo. Pois é, peguei no sono. E os professores desse cursinho não
perdoavam. Chamavam a nossa atenção na frente de todo mundo mesmo e
tiravam sarro. Eu dormi sem querer, não foi por desrespeito. Juro.
Mas, sinceramente, danem-se as risadinhas. Eu pagava a mensalidade
do curso como todo mundo que estava ali e quase todos os alunos se
achavam uns espertinhos. Mas na hora de fazer os exercícios
(principalmente os do vestibular) contavam com a quase infalível técnica de
assinalar a opção “c” (de certo) ou “d” (de Deus).TDAH também é coisa séria
Gente, o TDAH, transtorno do déficit de atenção e hiperatividade, é um
assunto sério. Um lugar legal para aprender mais sobre o tema é o site da
Associação Brasileira do Déficit de Atenção, www.tdah.org.br.✌😘