Abadia suspirou quando chegou ao último parágrafo da história.- "... E eles viveram felizes para sempre..."! - A velha serva ergueu seus olhos do livro grosso e desgastado. - Acabou.
Khiera se dignou á um rolar de olhos enquanto rolava pela cama, para ter um melhor ângulo ao entortar os olhos para Abadia.
- Acabou. É claro que acabou. E você quer saber como eu sei que acabou, Abadia? Por que é exatamente assim que acabam todos os raios de histórias que você me conta!!! - ela crocitou para a serva, que a observava com um olhar divertido, pendurada na cadeira de balaço ao lado de colchão - Alguém devia avisar á quem perde tempo escrevendo essas histórias, que nem todos os finais podem ser felizes. Muito menos "para sempre". Sabe, a menos que a ciência do mundo das fadas tenha descoberto algo á se fazer sobre isso, as pessoas costumam morrer a uma determinada idade... e isso definitivamente não é para sempre...
Como de costume, Abadia jogou a cabeça envelhecida para trás, gargalhando baixo. Khiera estava tão acostumada com essa cena, que quase sentia vontade de se unir á velha serva.
Quase.
- Por certo, Vossa Alteza... por certo...
Khiera enviou uma careta em sua direção.
- Urgh...! Sabe como eu odeio quando você me chama assim! - ela voltou á cair sobre os lençóis dourados de seda - Esses contadores de histórias deveriam todos se afogar em algum lago encantado... ou virarem sapos. Eu ficaria contente em aprisioná-los em alguma lâmpada, também...
- Ora, Khiera... nem todo para sempre precisa ser em vida para ser válido.
- Você não está falando realmente sério, está, Abadia?
As janelas abertas permitiam que a suave brisa noturna se desprendesse pelo quarto, acariciando a pele exposta de Khiera quase como uma carícia. Ela fechou os olhos. Mas não conseguia se concentrar o suficiente nisso para se acalmar e esquecer. As imagens de seu vestido de casamento ainda eram claras em sua mente, como se tivessem sido carimbadas ali com ferro quente. Ela enrugou o cenho ao se lembrar disso novamente.
"Esqueça, Khiera... apenas esqueça..."
O quarto exageradamente amplo estava iluminado com o tom perolado da luz da lua misturado com a luz amarelada dos lampiões á gás presos pelas paredes.
Era costume que Abadia lhe fizesse companhia até que o sono viesse, algo que se mostrava arredio dela naquela noite. A questão, era que as histórias que antes ela ouvia com tanta curiosidade, agora a estavam irritando de uma forma bem transparente.
Ela apenas não queria pensar em casamentos, e esse era todo o detalhe.
Abadia fechou o livro e o repousou no criado mudo almofadado ao lado da cama alta com dossel. A velha serva era magra, e diferente da mãe, tinha camadas extras de pele caindo por sobre as têmporas, as mãos repuxadas em ossos que pareciam grandes demais para a mão calejada.Os cabelos castanhos pareciam secos como uma esponja gasta e áspera pelo uso, e os olhos da mesma cor pareciam borrões cavados no rosto cansado. Abadia e Jullien tinham quase a mesma idade, mas eram absurdamente diferentes em aparência e em modos. E mesmo que Jullien fosse sua mãe e obviamente, a Rainha, ás vezes Khiera se pegava pensando que preferia a presença de Abadia. A achava reconfortante de um jeito que não conseguia ver Jullien.
Não achava estranho seu favoritismo pela serva. Afinal de contas, Khiera havia sido criada sob os cuidados dela. Não seria espantoso se deparar com esse sentimento de compaixão toda vez que Abadia sorria em sua direção.
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Meu Príncipe Nada Encantado _ DEGUSTAÇÃO
Historical FictionDisponível completo e revisado na Amazon! Khiera odeia o principal ponto que a torna uma princesa: ter de se casar com um príncipe desconhecido, pelo qual nem mesmo é apaixonada, mas que lhe é prometido desde o berço inescrupuloso. No entanto, sua...