17/11/2009
21:34Era mais uma uma noite fria perdida dentre tantas, a lua opaca se escondia por detrás das nuvens deformadas que cobriam o céu chuvoso dos arredores da Flórida, local para onde Johnny e Sophie retornavam. Tinham feito uma viagem em comemoração à um ano de namoro do casal, no lugar mais estranho para se comemorar qualquer coisa que seja: o sítio do avô de Johnny, Sr.Edgar. O local não era habitado por ninguém há muito tempo, e longe de qualquer vizinhança.
Por motivos que somente o velho parrudo e sinistro sabia, ninguém podia entrar no último quarto do segundo piso da grande casa antiga, que era mantido fechado desde tempos remotos, sem conhecimento de outras pessoas a não ser Sr. Edgar. E o erro dos futuros de malditas vidas foi de não cogitarem ou estranharem o bastante o motivo que levava o velho à essa restrição enfática e sem precedentes.
A viagem continuava de maneira tranquila, Johnny dirigia um Strada preto, coberto por terra nas rodas clássicas e mais ainda de poeira nos vidros. Sophie era levada no banco de carona, entediada, sem trocar muitas palavras com o namorado, já cansada e visivelmente sonolenta, o que a fez descuidar-se por um momento repentino, marcado pelo som do seu aparelho celular com a chegada de uma mensagem. Ela leu sem deferir nenhum som e em seguida respondeu, sem se preocupar, deixando escapar um sorriso. Johnny perguntou o motivo, intrigado, ainda pelo entusiasmo inesperado da mesma, mas de forma inocente.
Ela não soube responder de imediato, não foi capaz de usar uma desculpa instantânea, o que acabou por gerar desconfiança no jovem homem inquieto e amaldiçoado pela curiosidade. O mesmo puxou o celular de sua mão sem muita dificuldade, impulsionado pela curiosidade e ainda que de forma inocente, sem muito histórico de casos parecidos, e pro azar de sua história, conseguiu ler o conjunto de palavras presentes na tela do aparelho:
Lucky - Está perto de chegar? Queria poder te encontrar ainda hoje.
Sophie - Acredito que no meio do caminho, mas não sei se consigo te ver hoje.
Johnny aponta seu olhar cerrado e de visível agonia para Sophie, os olhos já marejam de encontro ao dela, enquanto a moça desistia de tentar pegar o celular da sua mão, com um fracasso na disputa de força no breve espaço de tempo em que ele leu, e para dilacerar a sanidade do jovem uma outra mensagem chega no aparelho:
Lucky - Já tem uns dias que não nos vemos. Posso ir te buscar em casa na madrugada.
Johnny àquele momento derramou toda sua fúria sobre o rosto cínico de Sophie, enquanto apertava a ponto de amassar o celular com seus dedos e a direção do veículo com a outra mão. Se desprendeu da pouca tristeza que existiu por um milésimo de segundo e deu todo o espaço ao frenesi da nova descoberta desastrosa. Praguejou alto palavras à Sophie enquanto seus sentidos se descontrolavam, e decidiu matá-la, mesmo que fosse preciso tirar sua própria vida também.
Era possível sentir o cheiro do enxofre, da morte mais grudada que a pele nos ossos no interior daquele carro, se quisessem senti-lo, e a condição de uma desprovida loucura e da falta, maldita, do poder de distinguir o que pode ser uma decisão sábia ou não, os deixou à mercê da sorte. Johnny pisou fundo no acelerador, mesmo tendo consciência da estrada molhada e escura daquela região, o que não era estorvo visto suas vontades. Sophie gritava desacreditada, deferindo socos à Johnny, com a esperança falha de que ele desistisse de fazer o que estava perto.
Enquanto mais acelerava, um outro carro grande se aproximava, na outra via da estrada, também em alta velocidade, e Johnny mirou para que o atingisse. Sophie desistiu de socá-lo e puxou a direção do carro, já de olhos fechados pelo medo que a consumia. Já à aquela altura, nem o mais eficaz dos freios seria suficiente para poupá-los, no entanto, pela tentativa de Sophie não bateram no outro carro, mas foram na direção oposta, onde só um acostamento de madeira protegia a estrada de um penhasco, e a batida agressiva os levou à queda, e logo à perder os sentidos. E para o azar de um futuro, talvez nem longínquo, mas além daquela noite.
18/08/2009
08:42•Sophie•
Percebi a notoriedade da minha consciência quando abri os olhos, demorando alguns segundos até que minha visão se acostumasse com a luz. Estava em uma sala pequena, as paredes tinham um tom de amarelo claro e o chão branco um tanto sujo. Olhei em volta e estava sozinha naquele espaço, tão silencioso que me deixava com uma sensação de tortura, quando um ruído feito pela porta se abrindo se espalhou por todo o quarto, o que levou minha visão, pelo susto, até a mesma. Esfreguei os olhos na tentativa de melhorar o embaçado que ainda era presente no meu campo de visão, e percebi que quem entrava era Lucky, se aproximando da cama em que eu estava deitada.
- Como você está se sentindo? - falou, com a visão assustada, encarando-me.
- Onde estou? - disse, sem dar tanta importância para a pergunta, mesmo que minha cabeça ainda doía como nunca antes, e as lembranças foram surgindo como flashes atemporais na minha memória. - Onde está o Johnny?
- Você sofreu um acidente Sophie - deu uma pausa, suspirou e olhou para mim com um par de olhos que parecia analisar minha alma. E tudo pareceu voltar a ter lógica na minha mente; consegui lembrar. - Johnny não resistiu, morreu na hora. - completou, passando a mão em seus cabelos, agora fitando o chão.
Minha mente estava bagunçada, senti uma pontada de culpa e dei espaço para que uma lágrima caísse por meu rosto, deixando a minha pele ainda mais gelada. Não tinha mais nada para falar, àquele momento meu vocabulário parecia ter se retraído à nada. Eu não o amava mais, era por Lucky que meus sentimentos teimavam em resistir, mesmo que nós dois estivéssemos sendo injustos com Johnny; eu por ainda namorá-lo, e Lucky por ser seu melhor amigo. Mas nem isso era capaz de anular o contato forte de carne e sentimento que tinha pelo dono do corpo à minha frente.
Eu estava esperando o momento para terminar com tudo, mas ainda tinha o anel que me dera apertando o meu dedo, ainda que vazio de significado. O que me deixa agora triste é sua morte, e a culpa que levo sobre ela, mas não é muito diferente de perder alguém noticiado na tv, que mesmo por compaixão entreguei uma lágrima.
Naquele momento, antes de dirigir qualquer palavra que seja para Lucky, tive a consciência de que somente eu sabia o que aconteceu antes do carro ir de encontro ao penhasco, e de que não foi um acidente. Johnny pretendia me matar, mas agora é ele que plana gelado na mesa de um necrotério.
E sua pele tinha cheiro de enxofre.
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O Sítio Macabro
HorrorDentre todas as possíveis questões sem resposta lógica que passavam pela cabeça de qualquer ser saudável, a que mais me deixava cismada desde minha solene e atormentada infância era quanto a existência do sobrenatural, e da pior maneira descobri que...