Dois

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Acordei ansiosa. Há muito tempo não era assim, há muito tempo eu estive sozinha e sem a menor vontade de me comunicar com outro ser humano. Mas naquele dia foi diferente. Peguei o celular apressada pensando que ele poderia ter me enviado alguma mensagem. Não ter visto nada me desapontou. Mas o que eu estava esperando?
O dia aconteceu normalmente. Levantei, fiz uma meditação matinal, tomei café e fiquei sentada na porta da varanda brincando com os cachorros. Minha avó acordou um pouco depois, perguntando como tinha sido ontem. Conversamos um pouco. Depois, subi e comecei a minha saga na internet. Escrever mil histórias, procurar livros e ver coisas legais no tumblr. Mais um dia vazio numa vida vazia.
À tarde fui à psicóloga. Minha avó me obrigou a levar guarda-chuva. Considerei um exagero no primeiro momento, depois entendi. O céu estava realmente esquisito naquela tarde.
Quando saí do consultório, parecia que o mundo estava caindo e desejei ter um carro. Abri o guarda chuva meio desajeitada, e meu celular vibrou. Fui para casa sem olhar, correndo contra toda aquela chuva e com medo dos malditos trovões.
Quando cheguei, estava molhada, com frio e me sentindo bem suja de todas poças que atravessei. Tomei um banho, fui para o quarto e então, vi que a mensagem era de um número estranho. Seria ele? Meu Deus.

"Oi, Ana! Cuidado com esses trovões. :("

Eu ri da mensagem fofa.

"Oi, Vicente! É você, certo?"
"Não sei. Você anda dando seu telefone para muitos rapazes?"

Na verdade, ele foi a primeira pessoa para quem eu dei meu telefone.

"Não, na verdade."
"Podemos conversar?"
"Claro. Como está sendo seu dia?"
"Hmm. Estou num escritório desde de manhã estudando. Daí começaram os trovões e eu fiquei nervoso. Decidi dar uma pausa e bater um papo."
"Hahaha, medo de trovões?"
"Fobia na verdade. Bem sério :/"
":( que droga"

Fiquei meio sem saber o que dizer. Meio com medo do assunto morrer. Eu ria feito uma idiota olhando a tela do celular.

"Você quer fazer alguma coisa hoje a noite? Tomar um sorvete, sei lá. "

Me arrependi depois de ter enviado. O que eu estava pensando? Meu Deus. Pronto. Agora ele sabe que eu tô na dele. Socorro.

"Seria ótimo. Posso te pegar em casa, se for o caso. Às 7?"

Eu corei. Tremi. Perdi o ar. Meu Deus. Aquele menino lindo, inteligente e legal quer MESMO sair comigo? Eu? Cara.

"Pode ser. :)"

"Mas me conta mais coisas... preciso me distrair."
"O que você quer saber?"
"Hm... Você tem irmãos? Namorado? Mais amigos? Se quiser chamar amigos, fique à vontade. Seria ótimo conhecer pessoas novas"
"Ahn.. não tenho irmãos. Na verdade, moro com a minha avó. Eu nao tenho muitos amigos. Tive uma adolescencia incomum, e Fernanda foi a única amiga que eu realmente soube manter. Er... mais o quê? Namorado! Também não tenho. E você?"

"Por que você mora com sua avó? E sua adolescência foi conturbada?"
"Acho um pouco precipitado te contar isso agora, Vicente. Desculpe, só nào estou pronta."
"Tudo bem. Obrigado por ser sempre tão sincera. Bom, eu tenho uma irmã mais nova, Gabriela, e um irmao mais velho, Francisco. Tenho outros amigos, mas nao quero sair com eles hoje. E... não tenho namorada. Mas você já namorou? Eu não estou dando em cima de você, tá? Não quero te assustar. Só nao sei direito como puxar assunto."

Queria que ele estivesse dando em cima de mim, confesso que fiquei meio triste.

"Hm. Nunca namorei. E você ? E pode ficar tranquilo, tudo bem. Haha. Depois me fala do teu gosto: uma musica, uma série , um livro, um filme e uma obra de arte."

"Eu já tive uma namorada, mas não rolou. Eu... gosto e The Scientist, Coldplay. Série, HIMYM, livro... O Apanhador no Campo de Centeio, uma obra de arte? Céu estrelado (ou noite estrelada?), Van Gogh. Sua vez. "

Fiquei curiosa sobre a namorada. Mas não sabia se era a hora certa de perguntar. Mas qual seria? Eu amei os gostos dele. Assim, de cara. The Scientist já foi minha música favorita.

"Por que vocês não deram certo? :/ Bom, Imagine Dragons, Radioactive. Série, TBBT, livro: A Menina que Roubava Livros. Uma obra de arte: O Pensador, de Rodin."

"Nós namoramos por 3 anos, e então ela foi embora. Tentamos namorar à distância, mas acabou não dando certo. Terminamos alguns meses depois. Agora faz mais de um ano que a gente mal se fala. Mas já passou. Gostei do seu gosto, só não conheço essa música/ banda esquisita. Vou ouvi-la. A chuva diminuiu, vou voltar ao trabalho. Até mais tarde, Aninha."

"Até :)"

ELE ME CHAMOU DE ANINHA. Eu fiquei parada olhando para o teto com um sorriso que nada tiraria dos meus lábios. Ai Deus, como é fácil deixar uma menina caidinha.

Fui ajudar minha vó a montar a árvore de natal. Às 18:55 meu telefone tocou.

"Ei, estou aqui embaixo. Sei que cheguei um pouco antes, então, não se preocupe comigo."
"Ahn, ok. Já estou pronta. Só 1 min."

Fui avisar a minha avó que ia sair.

"Namorado? Enfim!"
"Não vó, somos só amigos."
"Começa assim mesmo. Divirta-se e juízo!"
"Obrigada, vó."

Vicente estava muito bonito naquela noite. E cheiroso. Usava uma camisa preta, uma calça caramelo e os cabelos divinamente arrumados.

"Você é rápida." Ele sorriu.

"Ah. Desisti há muito tempo de tentar ser bonita."
"Você ja é".

Eu ri. Corei. Gelei. Engoli em seco e tentei soar natural:

"Claro."

Foi divertido tomar sorvete com ele. Nós rimos, sujamos um ao outro. E então, de repente, me senti à vontade de perguntar poque ele queria ir embora. Porque me doía. Eu estava prester a me apaixonar por alguém que estava prestes a ir embora.

"Por que você quer ir embora?"
"Eu odeio essa cidade. E, bom, não há nada aqui pra mim. E eu sempre fui apaixonado por Londres."

"E quem não é?"

Sorrimos.

O tempo passou muito rápido. Cheguei feliz a casa. Cantarolando.
Ah, como era bom!

AtravessamosOnde histórias criam vida. Descubra agora