Eu abri os olhos e nada estava no lugar. Pude perceber que o dia seria uma merda. Fernanda, uma das minhas amigas, estava na cidade e queria sair, e eu não queria ir. Parte por introspecção, parte por vergonha. Fernanda fazia uma das melhores faculdades do país, tinha um novo namorado, amigos super legais que fazem artes nas horas vagas, e eu não era ninguém. Por causa de mil e uma coisas complicadas, eu nem havia terminado o ensino médio, e a unica coisa q fazia era ler. Muito.
Não, minha familia não estava feliz com isso. Quem estaria? Mas não havia muito o que fazer sobre mim. Na verdade, quando digo família, isso se resume a uma mãe que nao mora comigo e não dá à minima, um pai que foi embora quando eu tinha 4 anos e me enche de dinheiro, mas nao me vê há 10 anos, e uma avó superprotetora. Mas a pior pessoa, no meio disso tudo, era eu mesma. Eu queria ser alguma coisa. Eu queria ser como as pessoas de vinte anos. Elas trabalham, estudam, têm casos amorosos. Enfim. Queria ter coisas para conversar com as minhas amigas além de coisas que vi na internet.Mas eu fui mesmo assim.
Quando eu cheguei à praça de alimentação, Fernanda estava conversando com um rapaz. Ela é o meu oposto: tem cabelos ruivos e longos, olhos verdes, tatuagens descoladas e se veste como uma dessas modelos de revista. Eu uso vestidos floridos, sapatilhas, e tenho cabelo castanho e curto. Ela, magra e alta, veio ao meu encontro, eufórica.
- Aninha! Linda! Que saudade de abraçar você!
Eu sorri. Eu gosto do jeito de Fernanda. Ela é uma dessas pessoas que contagiam você com tanta alegria. O rapaz, sorriu pra mim. E ele era tão bonito. Ele tinha o cabelo preto, e a barba tão preta quanto.
- Vicente, Ana. Ana, Vicente. Vocês foram feitos um pro outro.
Ela disse assim, o que me fez corar completamente. Vicente riu.
- Prazer, Aninha.
- Prazer.Eu me sentei com eles e conversamos sobre várias coisas. Vicente me encantou. Ali, assim, na primeira conversa. Falando sobre suas paixões com um brilho nos olhos que eu nunca tinha visto antes. Ele também tinha 20, fez ensino médio com Fernanda. Ele nao estava na faculdade porque queria fazer medicina na Inglaterra. Estava estudando feito louco. Fiquei curiosa pra saber sobre essa obsessão de ir para a Inglaterra. Mas não perguntei nada.
Eu me sentia muito fora do lugar ali. Como se nada daquilo fosse pra mim. Entao, ele me perguntou o que eu fazia. E doeu um pouco a garganta. Eu olhei pra Fernanda, procurando socorro.
- Ana é um espírito livre, Vicente. Desses que você só tem a chance de conhecer uma vez na vida. Eu aprendi muito com ela.
- O que isso quer dizer?
Ele olhou pra mim e sorriu de um jeito que... eu me apaixonei ali. Mas só percebi depois.Eu devolvi o sorriso e me demorei nos olhos dele.
- Eu não sei. Só sei que não achei meu true calling ainda. Quero me apaixonar por alguma coisa, mas pra isso, preciso experimentá-las.
- Profundo. Qual seu hobby então? O que tu gosta de fazer?
- Pintar. E o seu?
- Legal! Eu gosto de escrever. Cartas, principalmente.
Achei bonitinho. Conversamos mais, Fernanda foi embora. Então, ficamos ali, os dois, conversando até o cair da noite.
- Hm, você tem planos pra hoje a noite?
Isso é um encontro? Pensei. Não pode ser.
- Não.
- Eu gostei de ti. De um jeito meio louco, Ana. Tipo conexão.
Ele riu. Eu também.
- Fazia muito tempo que eu não conhecia alguém. - admiti.
- Eu também. E foi muito bom hoje.
Eu corei. A gente foi ao cinema. Nada aconteceu além dele se oferecer pra me deixar em casa porque já estava muito tarde.
E, no fim.
- Ana, você...
Silêncio. Eu ri.
- O quê?
- Me daria seu telefone?
Eu senti um calafrio percorrer meu corpo e talvez isso tenha transparecido no meu rosto. Eu estava no carro de um cara muito encantador, e ele estava pedindo meu telefone.
- Claro.
E foi assim, em um desses dias que você acorda querendo não sair da toca, que eu conheci Vicente, e tive um dos dias mais felizes da minha vida.
-
Se tiver alguém aí do outro lado lendo, me fala o que tá achando, o que eu posso melhorar e etc. Eu agradeceria muito. 😊

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Atravessamos
RomansaQuando Júlia percebeu o que tinha feito, doeu. Era dificil ainda. O gato aproximou-se cuidadosamente e deitou em seu colo. Perplexa, encarando o vazio, talvez tenha percebido naquela manhã que o peso das suas escolhas era maior do que previra. A gen...