Três

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Vicente parou de falar comigo por uns dias. Pensei em enviar uma mensagem, mas preferi esperar. Eu tinha medo de ter confundido as coisas, de atrapalhar os estudos dele, de atrapalhar a ida dele para Londres de alguma forma. Já que eu, muito provavelmente, não iria. Então, fiquei na minha. Mergulhada na minha vida. Tentando fazer progresso.
Talvez, a este ponto, você já possa saber mais sobre mim. Consegui superar TOC, mas sofro de ansiedade e depressão.  Minha cabeça está em constante guerra e eu preciso estar perto da minha psicóloga. As vezes, chego a pensar que vai ser sempre assim. Temo que seja. Eu também faço acompanhamento com um psiquiatra, que me enche de remédios na tentativa de me fazer feliz um dia.
Tem dia que é simplesmente difícil viver, acordar e ter uma vida normal.
Tem dia que simplesmente não dá. E a escola sempre agravou minha situação. Já tive episódios de dissociação, ataques de pânico. E tive sorte de fazer parte de uma família de classe média, que pode, apesar de tudo, me dar apoio nesses momentos. E tudo que eu queria na vida, era ajudar quem não tem esse apoio.
Talvez esse seja meu true calling.
Mas ninguém além da minha avó, eu e Fernanda sabemos disso. E isso também me assusta. Não quero ser um problema pra ninguém. Uma vez, em uma de nossas brigas, minha mãe me disse "quem vai querer namorar um depressivo? Pelo amor de Deus". E essa frase fica martelando na minha cabeça. Eu não mereço o Vicente. Ele tem uma vida, ele tem sonhos, ele tem o futuro inteiro pela frente. E eu sou um grande ponto de interrogação.

Eu sou uma história sem inicio, meio ou fim. Talvez eu nem mesmo seja um ponto de interrogação, mas reticências.

Eu continuo...

Mas é só isso.

Talvez eu simplesmente não queira colocar alguém nessa situação, porque eu não estaria nela se tivesse escolha. Vicente merece ser feliz. E talvez, comigo, não seja possível ser.

Fernanda me ligou. Perguntou sobre nós dois. Eu disse tudo que aconteceu, e ela achou fofo. E então, descobri coisas sobre Vicente. Uma parte dele que eu não conhecia.

"Eu queria saber sobre vocês porque Júlia voltou."
"Quem é Júlia?" Perguntei, confusa.
"É a ex namorada dele. Eles eram a coisa mais linda e apaixonada do mundo. Mas os pais dela se mudaram pra Londres..." eu parei de escutar. Por isso ele quer ir pra Londres. Ele ainda pertence à Júlia.
"Então, ele quer ir pra Londres por ela?"
"Sim. Mas ela veio visitar os avós e está na cidade. Eu queria saber se ele ainda tá na dela. Pelo visto sim... desculpa ter te colocado nisso."
Eu queria chorar. Mas segurei:
"Você estava tentando ajudar, Fê. Tá tudo bem, amiga."
"Eu tenho q desligar... fica bem, Aninha. Qualquer coisa me liga."
"Obrigada por me avisar."
"Quero seu bem."

Eu chorei. Foi amargo engolir aquilo tudo. Eu tinha medo de ter o Vicente. Talvez eu nem quisesse de verdade. Mas com ele, eu sentia esperança sobre o futuro. Talvez por ser alguém que não sabe nada sobre mim, talvez porque ele tinha vários planos.

Não sei. Mas Vicente me fazia bem de um jeito novo. E eu havia me apaixonado. E, se eu quisesse fazer o mesmo bem pra ele, nós seríamos amigos.

No outro dia, cinco dias após o sorvete, ele me mandou uma mensagem.
"Aninha! Como vai? Quer fazer alguma coisa essa semana?"

Eu não entendi aquilo. Mas éramos amigos. Eu precisava ser natural com ele.

"Eu estou bem, e você? Pode ser. O que tu propõe?"
"Eu estou bem também. Tenho várias novidades para contar, conselhos para pedir. Não sei. Gosto de conversar com você, e confio em você. Sei lá. Quer ir ao teatro hoje?"
"Pode ser. Que horas?"
"Às 8. Mas te pego às seis. A peça é sobre Chico Buarque. Tu gosta?"
"Claro! Ok! Até lá"

Talvez ele quisesse conselhos sobre voltar com a Júlia ou não. Talvez ele quisesse me dar adeus, e ia embora com ela. Bom. Eu estarei lá, firme e forte, escutando-o.

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