Parte 1

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Pude sentir a deslizar das mãos enrugadas passando sobre meu curto cabelo. O escovar parou repentinamente, virei-me e pude ver; Minha avó retirando os fios que agarraram-se na escova de cabo prata que ela recusa emprestar a qualquer pessoa que fosse.Retirou de dentro da sua caixa, duas longas fitas roxas de cetim, as amarrou em meus cabelos me virou esticou as mãos trêmulas e beliscou levemente minhas pálidas bochechas.- Você tem que parecer saudável - disse ela, mas eu mal consegui ouvir sua voz, sem contar que ela aparentava ser bem mais velha do que era. As profundas olheiras negras, acentuava seu pesado olhar. Seus olhos outrora castanhos avivados, deram lugar a um castanho cinza sem vida.Me puxou pelo braço e ajeitou meu laço.- Se endireite menina. Você já tem 14 anos. Já é praticamente uma moça. -Como sou uma moça, se ela cisma de me vestir igual a uma criança?Arregalei meus olhos. Uma moça!?! havia feito aniversário na semana anterior. Não tive festa, nem sequer um bolo para celebrar a data. Eu vi minha infância correr de mim. Isso é amadurecer aos olhos da minha avó, que teima em dizer que muito mimo fará com que eu seja como minha mãe. Filha única de minha avó. Filha essa que ela nada se orgulha.- Não me olhe com essa expressão de surpresa. - Seu tom de voz é tão ríspido. Não respondo minha avó, nunca fiz isso e provavelmente nunca farei. Abaixo minha cabeça, lanço meu olhar para meus sapatos purpuras apertados. Me viro caminho até meu quarto, vou em direção da escrivaninha. Preciso pegar a gravação que fiz, para minha mãe.Ao começar a atravessar o corredor, viro-me e olho de relance para trás, vejo minha avó arrumando a cama, alisa repetidas vezes o travesseiro do meu já falecido avô. Não permiti que ela visse que eu a estava atenta ao que ela fazia. Até hoje não entendo o por que desse jeito tão frio e distante dela.Lembrei-me saudosa da minha velha infância, onde tinha comigo meus pais, minha casa a minha verdadeira vida. Permiti que lágrimas brotassem mais não as deixei cair. Apertei o passo, pois senti que ela me olhava, Eu sei, sinto que seu olhar e de reprovação.Finjo não me importar com ela. Sigo em frente. Antes de entrar no meu quarto, me escoro nas paredes, seguro a porta com uma das mãos, o som voltara a tomar conta dos meus pensamentos, me trazendo lembranças obscuras, que eu mal compreendo. Aquele maldito som estridente que vem daquela vitrola me sufoca, quase faz meu coração parar de bater de tanta agonia.Uma música consternada e nostálgica, que minha avó, sempre coloca nos dias em que vamos visitar minha mãe no hospital psiquiátrico. A música desritmado, entra em minha mente e faz com que eu sinta falta das doces e harmoniosas melodias que minha mãe tirava de seu violino, nos dias em que a sua sanidade era plena.- Vai ficar ai parada? Não temos muito tempo. -Minha avó, é expert na arte de fazer terror psicológico.- Não irei me demorar vó. Só pegarei a gravação que fiz para minha mãe essa semana e poderemos ir. - respondi em voz baixa, já entrando no quarto. Na verdade minha vontade é de entrar naquele quarto e jogar aquela vitrola amaldiçoada janela a fora, mas não farei isso, pois sei que quem irá sofrer as consequências serão eu eu minha mãe. Minha avó, me impedirá de visita-la, e sei que com isso o quadro de minha mãe irá regredir. Por conta disso me seguro tanto.- Mais uma dessas fitas tolas? Acha mesmo que ela entende alguma coisa do que você está falando? Não seja tola Alicia.!!!!! - A certas horas em que a voz da minha avó sai com tanta clareza e em um tom tão alto que chego a me perguntar, se essa voz fraca e desanimada que ela faz, não será somente para convencer, meus tios paternos e os médicos de que ela é a mãe sofrida e avó solidária. Não! ... Não! ela não é nada disso, e cada dia que se passava eu me convencia mais de que minha avó, pouco se importa que minha mãe apodreça naquele manicômio. Já que ela mesma culpa minha mãe pela morte do meu avô. Ela alega veementemente que meu avô morreu de desgosto quando minha mãe se casou com meu pai.

A violinista - O som da meia-noiteOnde histórias criam vida. Descubra agora