CAPÍTULO 1

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Rio de Janeiro, 1904


Edgar,

Espero que esta lhe encontre bem, decidi enviar-te essa carta para que possas desembarcar em Portugal já tendo notícias minhas. Meu amor, eu sei que combinamos de que eu esperaria pela chegada de sua carta me trazendo notícias para, só então, mandar notícias do que se passa comigo, aqui, no Rio de Janeiro, mas algo me aconteceu após a sua partida que me vi ansiosa por escrever-te.

A notícia que tenho para te dar me deixou muito feliz e imagino que o deixará também, assim que você embarcou no navio para Portugal me deixando no porto a observar a sua partida, fui acometida de um mal estar.

A pobre Matilde quando viu o meu estado de completa palidez tratou logo de chamar o meu pai para que esse me examinasse... Desculpe meu amor, acho que estou a torturar-te com a minha demora em chegar ao ponto da questão, meu nervosismo está a atrapalhar-me em minha dissertação e acabo por enrolar, mas tentarei ser mais objetiva. Depois de me examinar meu pai ficou preocupado com a possibilidade de eu estar anêmica e me recomendou repouso, que eu prontamente respeitei, no entanto num outro dia quando recebi a visita da Isabel, eu conversei com ela sobre os sintomas que eu estava tendo e acabamos chegando a uma conclusão que no mesmo dia foi confirmada pelo meu pai para minha imensa alegria.

Meu primeiro pensamento foi em enviar-lhe um telegrama para que esse o recebesse assim que você desembarcasse, mas um telegrama não seria suficiente para eu contar o que estava sentindo e por isso me decidi pela carta, não sei se você ao longo dessas linhas já compreendeu o motivo do meu entusiasmo, se não eu lhe digo com todas as letras: Edgar, eu estou grávida! Isso mesmo, o sonho que havíamos partilhado juntos parece que, finalmente, vai tornar-se realidade, acho que você agora entende o motivo de minha pressa em enviar-lhe notícias, espero ansiosa por sua resposta, me dizendo como foi à viagem e também a sua chegada a Portugal, em que condições você encontrou a sua filha e, é claro, quero saber o que você sentiu com essa notícia.

De sua esposa, que te ama muito e que aguarda ansiosa, se não pelo seu retorno, então que por notícias suas.

Laura Vieira


Laura releu a carta que escreverá, anos atrás, sentindo aflorar dentro de si cada um dos antigos sentimentos. Se fechasse os olhos podia reviver cada uma daquelas sensações, novamente. A despedida no porto. A tentativa de fazê-lo mudar de ideia. A súplica desesperada para que Edgar ficasse, porque, no fundo, mesmo ele afirmando, com veemência, que voltaria em menos de um piscar de olhos e mesmo o seu coração querendo acreditar naquelas palavras, ela soube, assim que o viu dar as costas e as suas vistas escurecerem: Nada mais seria como antes.

O desmaio súbito no cais. Lembra-se de ter redigido o fato a ele em uma das cartas — foram tantas as versões — que escreverá para contar-lhe a notícia, maravilhosa, da gravidez.

— Laura – ela olhou para o marido ao seu lado e sorriu, enxugando uma lágrima que teimava em cair. Talvez devesse acreditar mais em seu coração, afinal, Edgar estava ali, junto dela. — Acho que não foi uma boa ideia. – os olhos verdes a encaravam, preocupado.

— Não, foi sim... Foi, sim, uma boa ideia, Edgar. É... Só que... As lembranças, elas...

— São muitas...

— E às vezes doem – completou. — Eu acabei não contando, na carta, sobre o meu desmaio no porto, logo após a sua partida. Achei que o tivesse feito.

— Você não me contou sobre isso, Laura, ou eu teria...

— Teria? – Será que teria mudado algo? — Não, Edgar, não teria mudado em nada a nossa situação. – a sabedoria que só uma dor traz falou por ela. — Eu não quis te preocupar e talvez por isso eu tenha omitido o fato.

— Pois não deveria meu amor. Laura, você sabe que...

— Eu sei Edgar... - ah, ela sabia, mas o que se pode fazer, quando o amor tem dessas manias e teima em proteger? — Vamos mudar de assunto? – pediu com o seu melhor sorriso. — Eu quero ler a sua resposta, finalmente, vou ler o que você escreveu.

O clima ruim, de repente, se dissipou com tal pedido. Edgar organizou as cartas em uma sequência lógica, que nem ele sabia ao certo qual era para encontrar a próxima a ser lida.

 — Aqui. – A ergueu no ar, tirando a carta de junto das demais, entregando-a Laura. 

— Pensando bem... – pausou pensativa. — Lê você. – Disse ela, devolvendo a carta a ele.

 — Eu?

— É você, Edgar, ou você conhece algum outro, Edgar, que eu não conheça?

— Nã-o... – gaguejou e riu ao mesmo tempo. — Laura, você não vai ler?

— Não – Laura foi firme e direta, como sempre, nas suas decisões. Mesmo assim, Edgar a encarou surpreso.

— Não? – Ergueu as sobrancelhas. Alguma ela estava aprontando, ele tinha certeza.

— Eu quero que você leia, Edgar. – Tornou a insistir.

— Isso não vale Laura, você não leu a sua carta pra mim.

— Edgar, você conhecia o teor da carta. Não tinha o porquê lê-la em voz alta, mas eu leio as próximas pra você, eu prometo, está bem? – maldito o poder de persuasão o dela.

— É - titubeou. — Eu não sei – mirrando os olhos impacientes da amada, ele abriu a carta em suas mãos e antes de dar início à leitura, voltou a admirá-la e só então impostou a voz proferindo as três palavras que davam início a carta, as quais ele sabia de cor.


Nossas Lembranças  / Autoras: IsaFanfics & PsiquinininhaOnde histórias criam vida. Descubra agora