CAPÍTULO 2

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Lisboa, 1904


Laura, meu amor

Não imaginas a minha felicidade ao desembarcar aqui, em Portugal, e encontrar noticia, suas, me aguardando. Ser recebido por uma carta sua me deixou imensamente grato. A minha viagem foi bem cansativa, mas os dias que passei no navio serviram para que eu pensasse com mais clareza nos últimos acontecimentos e estava louco por chegar aqui para te enviar uma carta.

Laura, eu peço que me perdoes se estas a sofrer nesses dias com a minha ausência, isso é de minha total responsabilidade, fui eu que causei isso tudo. Não deixei de pensar em ti um momento se quer nos 15 dias que passei dentro daquele navio e as horas em que estava a sós em minha cabine eram os momentos que mais me angustiavam: imagens de você chorando no porto, pedindo para eu não embarcar me vem à cabeça e me torturam, pois sei que estou lhe causando dor quando a minha única vontade é te fazer feliz.

Lembrei-me também de nossos votos de casamento, eu bem sei que não éramos os noivos mais contentes e realizados no início, mas não acho que eles sejam apenas palavras que foram repetidas, pois era o que a ocasião exigia. Descobri isso alguns dias depois da nossa briga logo após o nosso casamento. Eu percebi que você não era mais aquela jovem menina que eu havia pedido em casamento, minutos antes de embarcar para Portugal a fim de iniciar os meus estudos, percebi que você era uma mulher que não se conformou em ficar em casa sonhando com a volta do noivo, idealizando a chegada do casamento, ao contrário disso tudo, você estudou, fez planos e traçou projetos para o futuro, projetos esses que infelizmente se mostravam frustrados com a aproximação de um matrimônio.

Acho que foi ai que eu decidi que tentaria de alguma forma minimizar o martírio que o nosso casamento trazia a você, eu não queria ver aquela tristeza em seu rosto por ter-se casado por obrigação e se ver tendo de abrir mão de seus sonhos em nome do casamento. No entanto, o que eu não imaginava era que essa minha vontade de querer ver de novo um sorriso em seus lábios era, na verdade, o amor que eu sentia por você e que estava renascendo em meu coração de onde, acho eu, que nunca saiu apenas ficou escondido e até esquecido pela falta de cultivo.

Agora de volta a essa cidade essas lembranças me são muito claras, é como se a minha consciência estivesse apontando que eu estou fracassando na minha tentativa de te fazer feliz, eu trouxe para o nosso casamento, problemas consequentes a um erro de que sempre vou lembrar e me arrepender, eu imagino que você deve estar muito chateada comigo, e não lhe tiro a razão, mais eu prometo Laura que farei de tudo o que estiver ao meu alcance e fora dele para que esse meu erro não te traga mais dor.



Edgar pausou a leitura precisando recuperar o folego. Tudo o que leu, até então, eram verdades, mas verdades que mexiam demais com o seu coração e pelo visto não só com o seu, Laura também tinha os olhos marejados pela emoção.

— Laura, você quer que eu pare? Nós podemos... – a questionou com o nó na garganta.

— Não. – Ela esfregou as pontas dos dedos nas mãos, limpando-os das lágrimas, mas não conseguiu contê-las dos olhos. Ah, se ela tivesse recebido esta carta, antes, quantas coisas poderiam ter sido evitadas?

— A minha intensão com estas cartas não era te fazer chorar, meu amor. – Carinhoso, Edgar, mesmo ocupou-se de enxugar o rosto da amada.

— São os hormônios da gravidez, Edgar. – Justificou ela, assim que ele pousou um beijo na ponta do seu nariz.

— Por isso mesmo. – Encarou-a, sem afastar as mãos do rosto. — Eu acho que nós podemos adiar isso para outra hora, outro dia.

— Agora que você começou, termina. – Laura exigiu e ele sabia que não adiantava discutir com determinação da Sra. Vieira.

— Está bem. – Concordou, examinando o papel com os olhos. — Onde eu estava? – Localizou-se, voltando ao ponto no qual parou. 



A notícia de que esta grávida pegou-me, totalmente, de surpresa e ao mesmo tempo em que sinto que o meu coração quer saltar do peito de tanta alegria, essa notícia também me entristece, pois queria estar ao seu lado no momento da descoberta, era para estarmos comemorando juntos. Esse é um sonho que planejamos juntos e ansiávamos por vê-lo realizado e agora que esse, tão sonhado, momento chegou eu estou do outro lado do oceano longe de você, meu amor, que é a minha luz, o meu sol, a razão do meu viver.

Laura eu sei que terei de me redimir com você quando estiver de volta ao Brasil, eu imagino o quanto você deve estar brava comigo, mas te peço um pouco mais de paciência, acabei de chegar, aqui, em Portugal e não tenho ideia em que situação se encontra a minha filha. No momento, meu amor, ela precisa de mim e eu não medirei esforços para ajudá-la. Assim que tiver previsão do meu retorno eu te envio notícias, prometo-lhe que não ficarei aqui mais do que o necessário para amparar a Melissa.

Aguardo noticia suas.

Edgar Vieira.



Edgar concluiu a leitura estranhando a sua, própria, caligrafia no papel. No início não compreendeu o pedido da esposa, mas, agora, ao olhar para ela com um sorriso melancólico nos lábios e as lágrimas que teimavam em cair na sua face, soube o que ela queria simular. Melhor do que ela, mesma, ler a carta endereçada a si, era ter a carta lida pelo próprio autor.

Podia soar estranho a sua atitude, mas Laura era assim: Uma mulher excepcional, cheia de peculiaridades, as quais Edgar não se cansava de descobrir.

Reler as suas palavras em alto e bom som era como resgar um passado e visitar um velho e conhecido amigo. Um Edgar que talvez, não o orgulhasse muito, mas apesar das escolhas erradas que fez, os seus sentimentos sempre foram os mesmos e disso ele podia se orgulhar. Podia se orgulhar de reafirmar, ou melhor, confirmar e renovar o amor que ele tinha plena convicção de sentir.

— Edgar, as suas palavras... – ela o olhou, enternecida, sem palavras para expressar o que sentia apenas lamentou-se. — Se eu as tivesse recebido antes.

— Era para você tê-las recebido antes, meu amor, e o maior culpado disso não ter acontecido, fui eu, que acreditei na Catarina. Não passou pela minha cabeça, em nenhum momento, a possibilidade dela interceptar as minhas cartas e as suas também.

— Ficamos ambos, um sem notícias do outro por culpa daquela... – Laura até tentou, mas não conseguiu pronunciar o tal nome mesmo depois de anos, o que fez o marido rir.

— Você ainda não consegue falar o nome dela. – Se divertiu ele, com a cara de zanga e revolta dela.

— Eu nunca vou conseguir Edgar. – Ergueu-se, tomada pela raiva. — Só de pensar nela, eu sinto nojo.

— Calma, senta aqui. – Puxou a de volta para o sofá, trazendo-a para o seu colo. Ela se acomodou o abraçando pelos ombros.

— Meu Deus, as cartas que eu te escrevi, te culpando? – Lastimou-se, levando as mãos à testa. — Eu... Eu não precisava tê-las escrito, meu Deus.

— As cartas me culpando? – Edgar sorriu interessado. — Ah, eu quero ler isso.

— Ah, não. Você não vai, Edgar. – Tratou logo de avisá-lo.

— Eu vou... – puxando as cartas ao seu alcance, exclamou. — Aqui, deve ser essa: Meu amor já tem mais de três semanas que lhe enviei a minha carta e...

— É esta – informou. — Daqui, que eu leio. - Rapidamente, Laura arrancou a carta das mãos de Edgar, que a imitando, pegou-a de volta.

— Quê? – Indagou com a carta em mãos e um sorriso sínico nos lábios.

— Edgar! Eu falei que eu ia ler, pra você, e eu vou ler.

— Sim, senhora, Sra. Vieira, a senhora quem manda. – Tascando um beijo estalado na face, ele a devolveu a carta.



Nossas Lembranças  / Autoras: IsaFanfics & PsiquinininhaOnde histórias criam vida. Descubra agora