Capítulo 2

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Princeton, Nova Jersey

Março de 2012

Quando as pessoas falam em Princeton, tanto nos filmes e seriados de Tv, como nos jornais e revistas de fofoca do mundo inteiro, elas pensam quase que automaticamente, na Princeton University, no Albert Einstein dando uma de professor e nas pessoas importantes que estudaram na instituição. Claro, é impossível não apreciar tais informações, mas ninguém pensa na pequena cidade de Princeton, nos seus bosques verdes, nas suas casas historicamente antigas, porém bem conservadas, e nas grandes aventuras vividas pelos cidadãos locais.

E quando falo em aventuras, não me refiro ao tipo de aventura que vocês devem estar imaginando. Não tem perseguições nem descobertas, somente pessoas vivendo suas vidas pacatas e honestas, divididas entre universitários buscando um futuro promissor e famílias pequenas cuidando dos seus lares. Essa é a aventura mais simples que um morador daqui pode viver, correndo o risco dessa simplicidade se tornar única.

Quando cheguei em Princeton, ainda garoto e com meus poucos anos de vida totalmente frustrados, cheguei a odiar o lugar, mas conforme o tempo foi passando, soube reconhecer seu valor, mesmo sentindo que uma parte de mim tivesse ficado em Atlantic City.

A adaptação em uma nova escola não foi a parte mais difícil, acordar e não ver o meu pai, era meu pior pesadelo.

O marido da minha mãe, em pouco tempo, se tornou dono da maior rede de lanchonetes do estado de Nova Jersey. A Lanchonete Food's estava nos postos de gasolina, nas escolas, nos shoppings, estava em todo lugar. Eu odiava o nome, odiava saber o que aquilo significava em minha vida, odiava saber que aquele homem asqueroso havia se dado bem, enquanto meu pai havia sido humilhado e destruído.

Mamãe agora era esposa de um influente empresário e sua vida passou a ser bem diferente de antes. Ela se tornou uma mulher fútil, sempre em salões de beleza e fazendo compras. Sua rotina diária, baseava-se em uma busca doentia por vaidade e luxo. Como se tanta beleza fosse diminuir a culpa que ela sentia por ter arruinado as nossas vidas, quero dizer, a vida do meu pai e a minha.

Eu por outro lado, tornei-me um adolescente problemático e pirado. O trauma daquela noite na lanchonete me tirava o sono todas as noites, e pesadelos mais sombrios me faziam duvidar do que era sonho e do que era realidade.

Eu ainda tomava remédios devido as crises de ansiedade, elas não vinham mais com tanta frequência quanto antes, mas era melhor prevenir. Na verdade, eu havia me acostumado com os remédios, eles me deixavam mais calmo e inofensivo.

Minha vida baseava-se em destruir a felicidade do meu padrasto. Tudo que eu fazia era para provocá-lo e fazê-lo pagar pelo menos um pouco, por todo dano que ele havia causado a minha família. Sentimentos errados me guiavam. Deixei para trás tudo que papai me ensinou. Esse era o novo Tommy. Um Tommy infeliz e imprudente, que fazia coisas terríveis para anestesiar sua dor.

Papai mandou cartas durante os primeiros anos, ele contava o quanto estava sendo difícil estar longe de mim, e a sensação que tinha todas ss vezes que entrava em meu quarto e o encontrava vazio, ele se sentia sozinho e não sabia como recomeçar, mas um dia ele se cansou, eu acho. Não tive mais noticias dele, estranhei no início, porém o tempo foi passando e outras coisas começavam a tomar espaço em minha vida.

Claro que eu poderia ir vê-lo quando quisesse, Atlantic City não ficava muito longe de Princeton, mas eu não o fazia. Eu tinha medo de mais uma possível mudança, por mais boa que ela parecesse ser.

Nossa nova casa era gigante. Conforto e empregados deixavam a decoração ainda mais elegante. Os cômodos espaçosos e o jardim que parecia um bosque florido e exótico, faziam de nossa casa a mais cara da região. Pelo menos umas duas vezes por semana, chegavam telefonemas e até e-mails em nossas contas pessoais, de pessoas com algum tipo de oferta milionária para comprar a casa.

Mamãe teve uma filha com seu ex-amante e a chamou de Nancy. Nancy era tão meiga e carinhosa, que com apenas sete anos de idade, era como uma princesa tirada dos contos de fadas, ela cativava a todos com seu sorriso e o brilho inocente do seu olhar.

Ela foi a única coisa boa que restou em meio a tantas tristezas.

Se eu tivesse a chance de mudar o passado e impedir tantas desventuras, a existência de Nancy me impediria. Ela era um raio de sol que não tinha nada a ver com a tempestade.

Meu quarto agora era bem diferente, comparado ao de alguns anos atrás. Somente ele, era maior que a casa de alguns dos muitos amigos que eu tinha. Mas eu ficava pouco tempo dentro dele. Eu estava sempre na rua, sempre em festas e/ou apostando corridas ilegais em arenas clandestinas no lado norte de Princeton. Me tornei um rapaz cheio de opiniões perversas e em busca de atenção. Não me tornei o que meu pai era nem o que ele queria que eu me tornasse. Fui arrastado pela correnteza, as coisas ruins me encantaram com sua falsa beleza.

Nas poucas vezes que eu ficava em meu quarto, era na varanda onde eu conseguia me sentir em casa. Eu observava as estrelas todas as noites. Imaginava que meu pai estivesse as observando ao mesmo tempo que eu, onde ele estivesse.

Era tranquilizante pensar que ele estava vendo o mesmo céu que eu, as mesmas estrelas que eu, sentindo a mesma nostalgia que eu estava sentindo. Essa era nossa ligação.

Conheci muitas pessoas importantes. Minha família estava sempre em jantares com a alta burguesia. Senadores, grandes empresários e algumas pessoas famosas que peregrinavam no nosso meio social. Princeton era uma cidade bastante conhecida e visitada, tornando-a um point social e turístico para os admiradores.

Poucos sabiam que o marido da minha mãe não era meu pai de verdade, mas sempre que a oportunidade caía em minhas mãos, entre uma taça de champanhe e outra, eu abria o jogo.

Numa dessas festas, Call Damerom, meu padrasto, decidira me apresentar aos seus amigos da politica. O jovem bem-apessoado Tommy, lhe parecia uma forma discreta de exibir a bela genética de sua esposa e a união de sua família.

Eu havia sido servido há alguns minutos, e dava pequenos goles no champanhe europeu, que eu podia distinguir pelo sabor exótico.

- Esse é o Tommy, meu... - ele me olhou prevendo alguma contrariedade da minha parte. - Meu enteado, meu querido enteado.

Os homens presentes estavam todos de paletó e gravata e esbanjavam luxo e falsa modéstia, com champanhe espumando nas taças de cristal em suas mãos. Eles me esticaram as mãos que estavam livres e me cumprimentaram. Coloquei um sorriso forçado e decidi abraçar a mais uma oportunidade de deixar Call numa saia justa.

- E então senhores. Estão gostando da festa? - perguntei.

Três fizeram que sim com a cabeça e esboçaram um sorriso simpático. Outro respondeu espontaneamente.

- Sim, uma das melhores em que já estive. - ele deu um gole no champanhe. - E você Tommy, não se sente deslocado num lugar com tantos velhos? - ele brincou.

Call me lançou outro olhar repreensor, como se já esperasse que algo ríspido fosse sair da minha boca, mas mamãe apareceu e colocou a mão em meu ombro, me obrigando a manter a postura e me comportar como um lorde. Dei um sorriso para todos e fugi disfarçadamente da situação.

- Muitos dos maiores filósofos da antiguidade, - expliquei. - Conseguiram seus grandes feitos com idade avançada, e usavam sua condição belissimamente. - levantei a taça em gesto de cortesia e me retirei do grupo. Eles retrubuiram e ouvi elogios a meu respeito conforme eu me afastava. Talvez a melhor maneira de arruinar Call, fosse conquistando as pessoas que ele tanto idolatrava.

Esse era só o começo do meu jogo. Eu estava cego.

O ódio em mim era tão grande, que eu não conseguia exterminar a raiva, eu não conseguia. Mesmo sabendo que aquilo me corroía por dentro, como um ácido inflamoso que não pararia até que eu desse um basta.

Um basta que deveria ser dado o quanto antes.

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