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CHAMAVAM-NO DE C.

Só C. Pensei por um tempo ser o apelido de "Castigo" ou algo parecido. Muitas vezes já tinha ouvido alguém chamá-lo assim. Depois, descobri que era apelido de Calum. Só Calum. Bem mais normal do que qualquer um imaginaria, não combinava com ele.

Ele vestia muito verde e muito raramente tinha algo cobrindo os pés. Os dedos do garoto eram tão sujos que se você os lavasse e esfregasse encontraria mais sujeira sob a sujeira. Certo dia perguntei o porquê, uma vez que todos tínhamos sapatos, e ele respondeu que detestava qualquer coisa que o prendesse no chão. Achei que isso justificava bastante o fato de  Castigo sempre estar pulando de prédios.

"Aposto dez moedas que consigo pular dali sem quebrar o braço." Ele dizia, olhando qualquer construção alta. E então invadia o local, pulava do alto e quebrava o braço. Sempre o direito. 16 vezes.

De acordo com a física, não é possível que humanos voem por si próprios. Nosso corpo é muito pesado para ser erguido do chão por muito tempo antes que a gravidade nos atraia de volta. Mas Castigo tentava voar mesmo assim, porque ele não se importava nem um pouco com o que os humanos achavam ser impossível.*

Eu sempre tinha uma tipóia na mochila para aquelas ocasiões. Todos nós quebrávamos alguma parte do corpo pelo menos uma vez por ano, era meio que inevitável, mas ninguém procurava por onde, exceto C. Afinal, estrelas entram em combustão. Aviões pousam. E C tentava voar, eventualmente caindo. Acredito que seus nervos e articulações já estavam acostumados depois da vigésima ou vigésima-quarta vez, o isentando de sentir qualquer dor, mas eu o entendia. Ao contrário dos outros, que sequer costumavam se questionar  sobre alguém de nosso grupo, debati a questão Calum vezes o suficiente para concluir que aquilo não tinha nada a ver comigo.

Cada um de nós havia se transformado no que éramos em algum ponto da trajetória desesperada e oscilante de nos libertar. Se o garoto verde achava que o vento nos cabelos e a dor da pancada que o concreto fornecia era sua liberdade, eu não era ninguém para julgar. No final das contas, todas as vezes que Castigo despencava de metros de altura e levantava-se segurando um pulso partido com um sorriso no rosto, aprendi algo indiretamente que dançaria sobre minhas lembranças umas boas várias vezes:

Nunca é realmente sobre a queda

tudo é sempre sobre a aterrissagem.























// parágrafo adaptado do filme Bee - A história de uma abelha ^~^

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