Capítulo 2

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Allegra sentiu seu corpo tremer enquanto mãos fortes a chacoalhavam, e vozes chamavam seu nome.

- Minha filha acorde por favor - disse uma voz feminina.

- Alguém sabe o que aconteceu com ela? - perguntou um homem.

- Eu não sei...estávamos conversando e repentinamente ela ficou pálida como neve, fechou os olhos e desmaiou - disse Beatrice.

- Isso acontece com frequência? - questionou o homem.

- Não isso nunca aconteceu, ela é muito saudável, isso nunca aconteceu! - disse a mulher.

Allegra ouvia tudo e reconhecia todas as vozes. Estava desperta mas não tinha forças para falar ou se mexer, no entanto, aos poucos conseguiu abrir os olhos. E quando todos viram seus movimentos, suspiraram aliviados.

- O que houve minha querida, você está bem? - Perguntou seu pai, Enzo.

- Estou bem papai, me senti fraca e caí. Gostaria de ir para casa me deitar por favor. - disse Allegra.

- Mas é claro querida. - respondeu Enzo.

- Beatrice, por favor venha comigo, preciso de sua companhia. - pediu Allegra.

- Eu não iria para nenhum outro lugar. - respondeu Bea.

Então, em meio a olhares furtivos e sussurros curiosos, Allegra foi levada para casa carregada, tamanha era sua fraqueza.



*                                                      *                                                  *



Alguns dias se passaram mas Allegra ainda estava assustada com o ocorrido, a imagem da bruxa não lhe saía da cabeça e todas as noites sonhava como se ela mesma presenciasse a morte da anciã. Acordava sobressaltada e suada, quente como se a fogueira estivesse dentro de seu próprio quarto.

A amorosa empregada da família, Francesca, sempre viu Allegra como sua própria filha e a tratava como tal. Somente Francesca percebeu a constante palidez e as olheiras cada vez mais escuras de sua jovem senhora. Uma noite, a servente ouviu o choro da garota em meio ao silêncio da madrugada. Foi ao seu quarto mas ao bater na porta, não obteve resposta. Mesmo assim entrou e encontrou sua senhora em silêncio fingindo que dormia. Francesca sentou ao seu lado na cama e disse:

- O que houve pequenina, por que você chora?

- Eu sonhei outra vez com a mulher. Os sonhos estão cada vez mais reais. Eu sinto o calor do fogo como se fosse real!

Ela aponta pra mim enquanto queima! Por que ela aponta pra mim, por que Francesca? - disse Allegra, incapaz de conter as lágrimas.

- Eu não tenho como responder isso minha querida. Mas posso te fazer um chá especial para levar esses sonhos ruins embora.

Assim você dormirá bem e acordará disposta para as festividades de amanhã! Que tal?

- Ah ...a festa da igreja...preferiria ficar em casa. - confessou entediada.

- Mas minha querida você esperou o ano inteiro por essa festa! Não fique assim...Descanse e amanhã acorde linda!

Este pode ser o dia em que seu futuro marido a conhecerá! - disse Francesca, esperançosa.

- É só mais uma festa, a festa de sempre, com as pessoas de sempre Francesca. Nada novo acontece por aqui.

- Ninguém sabe o que o futuro nos reserva e eu sinto nas minhas entranhas que algo está prestes a mudar, mas não conte isso à ninguém. - disse com um piscadela enquanto saía do quarto.

*                                                                *                                                                          *

No dia seguinte enquanto o sol se punha no horizonte, todos do vilarejo seguiram para a festa. Ela se passou na praça que circunda a igreja, tochas iluminavam todas as casas que formavam um círculo à distância do local sagrado,as casas brancas agora estavam vermelhas deixando todos aquecidos e animados com a beleza do momento. Havia tendas para comer e beber a vontade. Tudo para comemorar o nascimento de Jesus. Esta era sempre festividade mais esperada do ano pois todos comiam e bebiam fartamente, havia música animada e trovadores contando belas histórias. Mas tudo isso só teria início após o sermão do padre Lorenzo, que parecia estar atrasado. O céu já havia escurecido completamente e não se encontrava o padre em lugar algum. Os aldeões começaram a cochichar nervosos, especulando sobre o que teria causado tal atraso, pois o padre era notório por sua pontualidade. Quando os anciãos começaram a se exaltar, uma carroça surgiu vinda da estrada que levava às cidades vizinhas, e deixando todos surpresos, o padre saltou e nervosamente atravessou a turba. Chegando à frente da igreja pôs suas mãos em direção aos céus e tremendo, gritou:

- Meu bom povo de Monticiano, apesar de hoje ser um dia de alegria e celebração, sou obrigado a trazer más notícias. Fui chamado às pressas pelo bispo da Lombardia para tratar de assuntos urgentes. Tempos sombrios são estes que vivemos hoje! O excelentíssimo bispo Davoglio me informou que um mal infesta as terras de Deus. As feiticeiras! As colheitas ruins, as crianças doentes, as brigas nos lares, tudo é causado por bruxas!  Cuidado eu lhes digo! Muito cuidado pois como o bispo me instruiu elas podem estar em todo lugar e ser qualquer uma. Não se deixem enganar por belas faces e sorrisos gentis, isso é mais um ardil de satanás! Essas adoradoras de lúcifer trocam suas almas por luxúria e pecados de toda sorte!  - disse com a voz trêmula, o rosto vermelho e olhos esbugalhados como um louco. Mas ele não era louco, era um homem de Deus, portanto era considerado iluminado.

Mas Allegra não pensava assim e aproveitando a rápida pausa do padre, disse:

- Senhor padre, me permita um esclarecimento. Você disse quais males são causados por bruxas, no entanto, nossa vila não teve colheitas ruins, mortes ou brigas. Este lugar é muito pacífico e todos são felizes. Suponho que não haja razão para crer que existam bruxas aqui.

- Senhorita, como se atreve a contradizer o senhor bispo? Se ele diz que as bruxas estão em todos os lugares, é porque estão. Acredito que você está ciente de que contradizer a Igreja é considerado heresia. Então cuidado com a língua, pois como o próprio bispo disse, as mulheres são mais propensas a sucumbir aos ardis do diabo. E como saberíamos nós, se você não fala em nome do mal?

Neste momento, todos que estavam ao redor de Allegra se afastaram, evitando seu olhar. Sentindo-se assustada e ameaçada, tentou defender-se porém Francesca, que estava ao seu lado, agarrou seu braço e sussurrou em seu ouvido:

- O verdadeiro sábio conhece a hora de falar e a hora de calar. Vamos embora antes que você piore sua situação. - disse puxando-a pela multidão.

- Um último aviso! - vociferou o padre. - Dentro de alguns dias seremos visitados pela Santa Inquisição. Abram seus olhos e fiquem atentos, uma bruxa pode estar onde menos se espera. Caso suspeite de alguém, deverá delatar ao Inquisidor imediatamente. Se houver alguém nesta vila que tenha aliança com o demônio, que confesse e se arrependa pois se não o fizer, a mão justa de Deus cairá pesadamente sobre sua cabeça. - disse tremendo como um profeta maligno, e enquanto deixava a entrada da igreja gritou numa voz soturna:

- Que comecem as festas.





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